13 jun, 2023 - 16:05 • Diogo Camilo , Filipa Ribeiro
“Este é o quarto mais giro de todos, e também o mais organizado.” Douglas Silva, de 21 anos, chegou a Portugal há seis anos e é inquilino num dos 16 apartamentos de autonomização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa há três.
Recebe o podcast Dar Voz às Causas, da Renascença, na sua casa em São Domingos de Benfica, com direito a largo acompanhado de jardim e campo de basquetebol, onde vive com o irmão e mais dois jovens.
Vindo do estado da Bahia, no Brasil, para viver com a mãe, foi apanhado de surpresa quando esta foi presa. “Na altura, ‘puto’, chegado do Brasil, sem nada em Portugal, com 15 anos… Foi a altura mais difícil. Uma pessoa não está à espera que isso aconteça, não é?”, confessa.
Depois de três anos numa instituição da Santa Casa, recebeu uma proposta da Santa Casa para ir viver para um dos apartamentos de autonomização. Aqui, os jovens em instituições sabem, desde cedo que, com bom comportamento e boas notas na escola, o curso natural passa por este mecanismo de ajuda a quem tenta entrar na vida adulta.
O “ensaio para a vida”, como a Santa Casa lhe chama, oferece uma mesada de cerca de 300 a 400 euros, sob a premissa que estes jovens devem terminar o mês com poupanças.
“Nos primeiros meses, não gastava tanto e tinha medo de mexer no dinheiro que transferiam para a conta. Se eu tivesse saído da instituição para uma vida com todas estas responsabilidades e sem o apoio deles [Santa Casa], teria sido mais complicado”, admite Douglas.
Com o dinheiro que recebe, paga um valor simbólico de 50 euros pela renda da casa, além de contribuir para um fundo comum de limpeza desta, o ginásio e o tarifário do telemóvel. A maior fatia do orçamento vai para a alimentação: “atualmente fica mesmo à conta”.
O jovem brasileiro está agora no segundo ano do curso de Gestão de Recursos Humanos, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, enquanto o irmão está num curso superior para ser personal trainer. Hoje não pensa voltar ao Brasil, onde vive o pai e com quem continua a manter contacto, e quer subir na carreira “o máximo possível”.
A acompanharem Douglas e o irmão estiveram sempre Marisa e “Pepê”, dois dos dez educadores da Santa Casa, que servem de orientadores destes jovens na hora da transição para a vida adulta.
“Às vezes há chatice porque o apartamento está um bocadinho mais desarrumado e eles puxam as orelhas, mas faz parte”, diz. Para a divisão das tarefas, há um mapa, o que ajuda à organização.
Ao contrário de Douglas, Pedro Fernandes nunca esteve numa instituição. Entrou nos apartamentos de autonomização em plena pandemia, em 2020, quando a sua mãe ficou desempregada e ambos foram despejados de casa.
Devido a problemas na escola, era acompanhado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), que o ajudou a encontrar esta “saída de emergência” numa casa em Alvalade.
A adaptação foi fácil, mas confessa que tinha um grande problema de gastos. “Quando entrei para os apartamentos, gastava o dinheiro todo nos primeiros quatro, cinco dias do mês. Levei muito na cabeça, comecei a crescer e a controlar-me mais nos meus gastos. Até hoje faço a poupança que sempre nos ensinaram”, diz.
Quem o ajudou a economizar foram os educadores, tal como nas tarefas da casa. “Eles iam a casa, com muita paciência, e ajudavam a lavar a roupa. A quantidade de amaciador e o modo da máquina, que aquilo para mim era chinês. E para cozinhar davam-me algumas dicas - nunca cozinharam para mim”, conta.
Depois de acabar o curso de rececionista de hotel, trabalha agora na área. Desde fevereiro que já não vive num apartamento de autonomização. A adaptação a viver com o namorado correu bem, e até admite que é melhor a gerir algumas situações: “Ele não cozinha, não sabe cozinhar, tive de lhe ensinar”, diz. Antes disso, fez um mês de adaptação na casa do namorado, para não sair do apartamento de autonomização desamparado.
Entram jovens e saem adultos. Mais do que casas, os apartamentos são bússolas que norteiam casos que pareciam perdidos.