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​Solução para o "burnout": Um mês sem écrans

03 jun, 2023 - 09:29 • Sandra Afonso

É muitas vezes confundido com exaustão ou sintomas similares, mas é muito mais. É o resultado de “stress crónico avassalador”. Ignorá-lo é agravar o problema, afeta a produtividade e tem impacto sobre todos os que estão em contacto. Chris Bailey já esteve do outro lado. Hoje fala sobre as causas e aponta soluções para o "burnout".

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“Eu não queria calma! Até ter um ataque de ansiedade no palco, em que percebi que esse era o ingrediente que realmente faltava na minha vida. Depois de o encontrar, consegui estabelecer uma nova presença com o que quer que estivesse a fazer. Antes, estava sempre de olhos no passo seguinte, ainda não tinha terminado o que estava a fazer”.

Chris Bailey estava perante uma plateia, quando se confrontou pela primeira vez com sintomas de "burnout". Não que tivessem surgido repentinamente, já lá estavam a cozinhar em lume brando. É uma das características desta devastadora condição, em que os sinais se confundem e misturam com o ritmo e condições de trabalho e acabam por conviver com tudo o resto, sem lhes darmos a atenção que exigem. Vão ficando por ali, até começarem a gritar.

Investigador e autor de centenas de artigos e vários livros sobre produtividade, Bailey começou por pensar que estava simplesmente exausto. Um erro comum, associado ao "burnout". “Descobri que era um fenómeno realmente incompreendido, e eu próprio só o compreendi depois de o enfrentar”, admite.

O que é o "burnout"?

“Pensamos que 'burnout' é exaustão e, quanto mais exaustos estamos, mais devemos estar afetados”, mas “a pesquisa mostra que a exaustão é apenas um terço do que significa estar em 'burnout'”, diz Chris Bailey à Renascença. Nos outros dois terços estamos cínicos e improdutivos.

“É preciso estarmos exaustos, totalmente esgotados, mas também temos de nos sentir cínicos sobre o que estamos a fazer: não há propósito, não há nada por detrás do que fazemos. E também temos de nos sentir improdutivos, a sensação de ineficácia é central no que significa estar em 'burnout'”, explica.

No último livro, “Como Encontrar a Calma” (Actual Editora), o autor disseca as causas do "burnout", que define como “uma manifestação final de stress crónico no trabalho, quanto mais stress temos, repetido e crónico, maior a probabilidade de atingirmos um estado de 'burnout'”.

Para este stress contribuem seis fatores essenciais:

  • Carga de trabalho, que às vezes é excessiva;
  • Falta de controlo: quanto menos controlo tivermos sobre quando, onde e como fazemos as coisas, mais stresse experimentarmos e aumenta a probabilidade de "burnout";
  • Recompensa insuficiente: isto implica não só quanto recebemos, a compensação salarial, mas também sermos reconhecidos pelo trabalho feito. Quanto mais reconhecidos, menos stresse experimentamos e menor a probabilidade de esgotamento, e vice-versa;
  • A comunidade: a possibilidade de ligação e relação de proximidade e afinidade com as pessoas com quem trabalhamos;
  • Justiça: na atribuição do trabalho, na forma como somos tratados;
  • Valores: pensamos neles como algo piegas, mas há muita pesquisa que indica que quando podemos manifestar os nossos valores em ações, no trabalho, atingimos significado.

Bailey dá como exemplo a gentileza. “Se a valorizamos e temos como função cuidar de terceiros, por exemplo, conseguimos expressar essa gentileza no trabalho e é menos provável entrarmos em esgotamento. Pelo contrário, alguém que valoriza a gentileza, terá dificuldade num ambiente competitivo, cruel e implacável, onde as pessoas se apunhalam pelas costas”, conclui.

Admite, no entanto, que “nem sempre conseguimos reunir estes seis fatores, seria ótimo se todos nós tivéssemos total latitude, total autonomia e total liberdade, mas isso não é realista para muitas pessoas”. Mas, “mesmo sem total autonomia no trabalho, todos temos alguma - essa é a chave.”

O autor reforça estas palavras com dicas e ferramentas úteis, que qualquer um pode aplicar.


"Checkup" de dois minutos ao "burnout"

Se estes seis fatores de "burnout" estão a afetar o seu trabalho e saúde mental, trabalhar para si é agora menos agradável e está menos produtivo. Porque “o oposto do esgotamento é o envolvimento, é entusiasmo no que faz, é contribuir mais, é estar energético e otimista, é ser produtivo”, lembra Chris Bailey.

Assim, reverter o "burnout" não é apenas uma receita para uma maior saúde mental, mas também uma receita para uma maior produtividade.

Para evitar um regresso ao passado, Chris Bailey criou um rating, que avalia o stress em cada um dos seis fatores apontados, numa escala de zero a dez. Um "checkup" ao "burnout" também disponível num artigo publicado na Harvard Business Review.

Para lá da soma total, serve de autoanálise e permite verificar como se encontra em cada uma das categorias em particular.

Desintoxicação digital

Uma das soluções que propõe, não só para combater o "burnout", mas para acalmar a ansiedade e aumentar a produtividade de uma forma geral: um corte com estímulos, um “jejum de dopamina”.

Mas avisa, desde logo, que a primeira semana “não é divertida”, chama-lhe “desafiadora”.

No livro encontramos muitas referências a “jejum de dopamina”, mas “não podemos realmente fazer um jejum de dopamina, o nosso corpo precisa disso a nível fisiológico, simplesmente para funcionar”, explica. Vamos “esvaziar as fontes de dopamina que existem à nossa volta, por um período de tempo.

O autor recomenda “um mês”, porque “é o tempo suficiente para reestruturar realmente os hábitos, com base principalmente em dopamina”.

Durante este intervalo “há dois limites que se cruzam: um em que a nossa mente leva cerca de oito dias para se estabelecer num novo nível inferior de estímulo mental, provavelmente experimenta inquietação nos primeiros oito dias ou mais - é para férias; depois desses oito dias, há uma espécie de limite de hábito para muitos desses comportamentos, onde há uma reconexão dos padrões de comportamento sobre a forma como são utilizados os dispositivos”, explica. Ou seja, são dois marcos que se podem alcançar no jejum de dopamina, um a curto prazo e outro no prazo mais longo.

Na primeira semana “começa por identificar coisas baseadas em dopamina que deseja eliminar: notícias digitais, redes sociais, videojogos.” Chris admite que passou a assinar um jornal em papel, que ainda hoje recebe.

Depois de remover os estímulos imediatos, pode começar a olhar para as coisas que deixou de ter tempo para fazer, desde que tem um smartphone. “Conheço muitas pessoas que dizem que já não têm tempo para ler, mas assistem a uma temporada seguida no fim-de-semana da série preferida. Afinal têm tempo, só o gastam em algo diferente!”, diz.

No jejum pode começar projetos analógicos, voluntariado, talvez reformas na casa. “Vão perceber que, depois do desconforto inicial, abre-se um foco, produtividade e calma totalmente novo”, garante.

Passar para analógico

Este jejum de estímulos é também uma forma de separar o analógico do digital e, sempre que possível, optar pelo analógico. O mundo digital existe para tornar as nossas vidas mais eficientes e o mundo analógico existe para torná-las mais significativas.

“Quando observamos os neuroquímicos libertados quando passamos tempo nesses dois mundos, no mundo digital são baseados principalmente em dopamina. No mundo analógico é baseado em substâncias químicas de conexão, como a oxitocina, substâncias químicas nas quais sentimos que estamos a dominar algo e sentimos orgulho, como a serotonina, produtos químicos de euforia, como endorfinas, e dopamina também, mas em quantidades mais razoáveis”, defende.

Quando olhamos para os momentos mais significativos da nossa vida, a maioria deles provavelmente é analógica. “Pode existir o mail em que lhe oferecem trabalho ou aquela vez em que Taylor Swift curtiu um dos seus tweets, mas a esmagadora maioria das memórias com significado são analógicas”, acrescenta o autor.

Quanto mais atividades analógicas fazemos - folhear um jornal, jogos de tabuleiro - mais calma e produtividade podemos encontrar.

“Há uma conexão muito, muito forte entre nossa saúde mental e a nossa produtividade, sobre a qual as pessoal só agora começaram a falar. Acho que é possível ter uma mente mais calma e ao mesmo tempo contribuir mais, realizar mais, viver de uma forma mais fiel a quem desejamos ser. É essa a mensagem que espero passar”, conclui Chris Bailey.

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