Dar Voz às Causas

Bicicletas com Asas. A transformar vidas, uma pedalada de cada vez

30 mai, 2023 - 15:00 • Diogo Camilo , Filipa Ribeiro

Projeto da Santa Casa em Marvila restaura bicicletas e entrega-as a quem precisa delas para se deslocar ao trabalho ou ao local onde estuda. Conheça as histórias de Sellou Jallow e Alghassimou Bah, dois imigrantes que ganharam asas em Portugal para realizarem os seus sonhos.

A+ / A-
Bicicletas com Asas. “Se tens a bicicleta a ganhar pó, nós damos-lhe asas”
Sellou Jallow e Alghassimou Bah, dois dos jovens apoiados pelo projeto Bicicletas com Asas da Santa Casa. Foto. Diogo Camilo/RR

“Se tens a bicicleta a ganhar pó, nós damos-lhe asas.” Foi este o mote para o projeto nascido em plena pandemia no Centro de Promoção Social da PRODAC, no coração de Marvila, onde bicicletas são reparadas e depois entregues a quem mais precisa: seja para ir estudar, trabalhar, fazer desporto ou simplesmente conhecer melhor a cidade de Lisboa.

É o caso de Sellou Jallow. Natural da Gâmbia, chegou a Portugal há quatro anos e foi um técnico do Conselho Português de Refugiados (CPR) que o aconselhou a ir buscar uma bicicleta à cicloficina, em outubro do ano passado.

Apesar de ser difícil deslocar-se até ao trabalho na Costa da Caparica, onde é ajudante de cozinheiro, conta ao podcast da Renascença "Dar Voz às Causas" que usa a bicicleta para passear por Lisboa - “ir até à Alameda, Anjos ou Rossio” - ou se encontrar com amigos para jogar futebol.

Confessa gostar mais de andar de bicicleta com o frio - e que fica ofegante nas estradas mais íngremes. E que, quando aprendeu a andar de bicicleta em África, partiu o pé.

Nunca teve acidentes a andar de bicicleta, mas mostra já ter atenção aos perigos de pedalar em Lisboa: “É muito importante ter cuidado na estrada com os carros”, diz. O seu maior medo? Quando se abrem as portas nas bermas da estrada.

"Começámos a pensar de que forma uma bicicleta poderia impactar de forma positiva a vida de alguém"

No projeto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tudo se aproveita, nada se destrói, tudo se transforma. E a pandemia da Covid-19, mesmo com as suas dificuldades, abriu uma janela de oportunidade a quem tinha medo dos transportes públicos.

“Na Cicloficina fazemos reparações de bicicletas, recuperamos algumas e começámos a pensar de que forma uma bicicleta poderia impactar de forma positiva a vida de alguém”, explica Júlio Santos, um dos responsáveis da Santa Casa pela oficina comunitária em Marvila.

Quatro bicicletas recuperadas em 2020 rapidamente passaram a seis e hoje são 13 os jovens carenciados que as usam, a maioria utentes sinalizados pela equipa de integração comunitária da Santa Casa, mas também membros da comunidade. “Infelizmente não temos ainda mulheres a pedalar”, lamenta Júlio.

“Onde antes ia a pé, agora vou de bicicleta”

Alghassimou Bah, de 22 anos, é natural da Guiné-Conacri e chegou a Portugal em 2019, ano em que ficou a saber das bicicletas da Cicloficina de Marvila, através do centro para jovens refugiados na Bela Vista, onde também conheceu Sellou.

“Mudou a minha vida em muitas coisas. Onde antes ia a pé, agora vou de bicicleta. É mais rápido e mais fácil”, conta Alghassimou, que todos os dias pedala mais ou menos cinco horas por dia.

É com a bicicleta que se desloca para todo o lado em Lisboa. Seja para ir treinar, para se encontrar com os amigos no parque ou para se deslocar de Alvalade, onde vive, para o Prior Velho, onde está a tirar o curso de canalizador, o guineense usa a sua bicicleta. Tanto é o uso que já teve de trocar de equipamento.

Alghassimou Bah mostra a bicicleta que o leva todos os dias de Alvalade ao Prior Velho. Foto: Diogo Camilo/RR
Alghassimou Bah mostra a bicicleta que o leva todos os dias de Alvalade ao Prior Velho. Foto: Diogo Camilo/RR
Algumas das bicicletas na Cicloficina Crescente, em Marvila. Foto: Diogo Camilo/RR
Algumas das bicicletas na Cicloficina Crescente, em Marvila. Foto: Diogo Camilo/RR
Centro de Promoção Social da PRODAC, em Marvila, casa do projeto Bicicletas com Asas. Foto: Diogo Camilo/RR
Centro de Promoção Social da PRODAC, em Marvila, casa do projeto Bicicletas com Asas. Foto: Diogo Camilo/RR
Sellou Jallow, um dos 13 jovens apoiados pelo projeto da Santa Casa da Misericórdia. Foto: Diogo Camilo/RR
Sellou Jallow, um dos 13 jovens apoiados pelo projeto da Santa Casa da Misericórdia. Foto: Diogo Camilo/RR

Durante um ano, quem recebe a bicicleta é acompanhado por responsáveis como Júlio e encorajado a tomar bem conta dela. Tendo por base um compromisso de confiança, é acordado que, se a bicicleta tiver um impacto real na vida destes jovens, esta será sua no final do período.

O técnico da PRODAC conta que já aconteceram casos em que a bicicleta foi devolvida por iniciativa dos jovens porque não era dado uso, mas também aconteceram casos em que a pessoa devolveu a bicicleta porque comprou a sua própria.

Aproveitando a visita à cicloficina de Marvila, Alghassimou colocou ar nos pneus, mudou os travões, recebeu conselhos de como desgastar menos a bicicleta e colocou óleo na corrente. No final, soube de Júlio que a bicicleta é agora sua.

(artigo atualizado às 16h15 de 1 de junho)

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+