Presidente da Fundação Millennium BCP pede ao Governo revisão da Lei do Mecenato

17 fev, 2023 - 20:05 • Maria João Costa

O presidente da Fundação Millennium BCP diz que deveria haver alterações na Lei do Mecenato. À Renascença, António Monteiro critica terem “de pagar IVA excessivo” quando estão a apoiar a cultura. Questionado sobre a guerra na Ucrânia, acusa Putin de ser um “ditador”. O responsável aborda também a questão da extrema-direita e aconselha os partidos a se “renovar”.

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Diz que já falou com o atual e com anteriores ministros da Cultura. O presidente da Fundação Millennium BCP insiste em pedir uma “revisão da Lei do Mecenato” que “traga vantagens”.

Em entrevista à Renascença, António Monteiro identifica os problemas que a atual lei tem para quem, como a Fundação que dirige, faz mecenato. “O IVA não se justifica”, critica o responsável que considera que o facto de pagarem em alguns casos 23% de imposto ao Estado retira capacidade financeira para investir noutros apoios mecenáticos.

Questionado sobre a coleção de arte do banco que detém a fundação, Monteiro revela que “as vicissitudes por que passou o banco, e as dificuldades do ponto de vista orçamental, levaram a que o Banco deixasse de ter uma política de aquisições” que o presidente espera poder retomar.

O diplomata, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, nesta entrevista fala também da atualidade internacional. Com um ano de guerra na Ucrânia, António Monteiro lamenta que a Europa esteja sujeita “a ter de combater o projeto megalómano e ditatorial de um regime que teve a infelicidade de gerar um homem como Putin”.

Já sobre a atualidade nacional e o crescimento da extrema-direita, o ex-governante apela a uma necessidade de os partidos se renovarem e de pediram “mais às pessoas que pensem, antes de votar”.

A atuação da Fundação Millennium BCP assenta em três eixos: a área cultural, a ciência, o conhecimento e também a solidariedade. O eixo da cultura tem sido preponderante nesta atuação. É o que tem maior visibilidade, ou é aquele em que querem ter maior foco?

Creio que é um bocadinho tudo isso. De facto, temos de focalizar a ação da fundação de maneira a garantir o máximo de eficiência e aproveitamento dos recursos de que dispomos. Por isso, definimos esses três pilares da atuação da fundação e da ação de mecenato nessas áreas. Mas também ficou definido e estabelecido em conselho de curadores que o pilar principal seria a cultura.

O que fundamente essa opção pela cultura?

Entendemos, muito antes até deste surto enorme de turismo que está a haver, entendemos que o património cultural português é aquilo que mais nos define, aquilo que nos identifica como Nação e comunidade. Por isso entendemos que é também aquilo que é mais importante preservar e salvaguardar, e até renovar e requalificar, de maneira a mostrarmos aquilo que Portugal tem feito. Aquilo que, digamos, é marca portuguesa na cultura.

Isso passa muito pela reconstituição e requalificação de todo o património que temos. Não só os monumentos, os palácios, as Igrejas, mas também de todo o património imaterial que faz parte da nossa identidade e da nossa maneira de ser portuguesa, mas que é aquilo que hoje em dia atrai mais os estrangeiros nos visitam e que nos dá a nós uma muito maior autoestima.

Que autoestima é essa?

De facto, um país que está a florescer até na recuperação do seu património e do património arquitetónico, que é o mais visível é um chamariz maior, do que um país apenas feito de ruínas ou da degradação.

Nós entramos e depois simplesmente temos de pagar IVA, excessivo, muitas vezes 23%, que de facto atinge ou vai comer uma boa parte daquilo que é o nosso orçamento

Têm tido uma atuação de mecenato muito importante no âmbito da recuperação do património. Imagino que tenham muitos pedidos. Que critérios é que têm para eleger o apoio mecenato a determinados projetos?

O critério principal para nós é, para além da qualidade do alvo do nosso mecenato, é também ter a certeza de que estamos a fazer qualquer coisa que contribui para uma recuperação total. Analisamos aquilo que nos é feito. Temos sempre o condicionamento orçamental por um lado, mas por outro lado, a vontade de ajudar e com uma certa agilidade.

Não impomos condições. Trabalhamos muito com os próprios autores do pedido, de maneira a garantir a sustentabilidade também daquilo que estamos a apoiar. Para onde é que olhamos? Para aquilo que é mais relevante.

Pode dar alguns exemplos?

Um caso clássico, o do Museu do Azulejo. Nós recuperamos uma grande parte, mas ainda me lembro de ver como era a capela de Santo António, o que era a própria igreja do Convento da Madre de Deus e o que são hoje. São exemplos de onde já começamos a intervir há muito tempo.

Mas há muitos outros. Se for por exemplo, a Santa Clara, no Porto, foi nossa decisão de entrarmos na recuperação daquele património do barroco joanino, que é o único do país e que é uma beleza. Foi por um triz a nossa intervenção, porque, se não tivéssemos nós feito essa intervenção, não teríamos possivelmente conseguido os fundos europeus que depois permitiram a recuperação total dessa joia que é hoje uma das igrejas mais bonitas de Portugal.

Quais são os desafios de se fazer mecenato cultural em Portugal em 2023? É preciso, por vezes, ter esse rasgo de intervir para também poder mobilizar outros meios?

Exatamente. Esse é o ponto fundamental, e é um dos pilares. A nossa entrada permite a alavancagem de maneira a irem buscar outros recursos que muitas vezes são necessários. Temos feito isso com consistência. Não estou a falar aqui apenas da parte arquitetónica, mas também de cooperações que temos feito.

Uma que está agora em andamento é esta a recuperação ou renovação dos painéis de São Vicente. É uma obra icónica, e a nossa grande obra de pintura, e, para o Museu de Arte Antiga que é um dos nossos parceiros tradicionais na recuperação do próprio edifício e dos conteúdos do museu, esta decisão de fazermos o restauro dos painéis de São Vicente é extraordinária. Permite a toda a gente ir acompanhando os trabalhos de restauro. O próprio museu entendeu que deveria abrir ao grande público de maneira as pessoas poderem acompanhar. Isso é notável.

A recuperação dos Painéis de São Vicente de Fora tem implicações técnicas complicadas?

Eu próprio tenho visto a maneira meticulosa e a dificuldade, e ao mesmo tempo a perícia que é necessária ter para se recuperar aqueles painéis, acho que a Fundação Millennium orgulha-se muito de ter patrocinado esta recuperação e felicita muito o museu que tem tido um trabalho notável. Transformou o Museu de Arte Antiga que era um bocadinho poeirento numa casa dinâmica e uma mostra notável do que é a cultura portuguesa.

Mas acha que faltam mais exemplos de mecenato cultural? Deveria haver outro tipo de enquadramento legal para quem é mecenas, outro tipo de incentivos fiscais para se poder mobilizar mais mecenato para esta área?

Acho que sim. Devia haver e espero que a revisão da Lei do Mecenato traga vantagens, algumas que parecem óbvias, porque nós trabalhamos para o mesmo objetivo. É evidente que o que estamos a fazer não é apenas para fazer um bom nome da nossa fundação ou de outra qualquer fundação. O que se está a trabalhar é para salvaguardar e requalificar e dar outra dimensão e reconhecimento àquilo que é o património português.

E aí acho que o Estado podia até, por exemplo, ajudar nestas obras em que nós entramos de recuperação das igrejas, de palácios, de sítios arqueológicos importantes, de museus e de outras instituições que nós consideramos relevantes, nós entramos e depois simplesmente temos de pagar IVA, excessivo, muitas vezes 23%, que de facto atinge ou vai comer uma boa parte daquilo que é o nosso orçamento.

Deveria ser alterado?

Acho que isso deveria ser revisto, porque, de facto, o IVA aí não se justifica. Porque uma das maneiras que nós tínhamos de dispor ou ter maior disponibilidade para ajudar mais projetos, um deles é poder utilizar estas verbas que hoje em dia destinamos ao pagamento do IVA, que fossem alocadas aquilo que é essencial que é a recuperação da obra ou do monumento que nós queremos, ou estamos a apoiar.

Já deixou essa mensagem a este Governo, nomeadamente ao ministro da Cultura?

Já, já! A todos os ministros da Cultura. O atual ministro da Cultura aliás está muito empenhado nisto e estamos à espera que tome as decisões necessárias neste campo, sempre tendo em vista que o objetivo disto não é favorecer o trabalho de nenhuma instituição, é, pelo contrário, garantir que estamos a trabalhar na recuperação. E de uma nova maneira de encarar e de utilizar aquilo que são os nossos monumentos nacionais.

Percorrendo aqui este edifício na Baixa de Lisboa onde está a Fundação vemos várias obras de arte que fazem parte da coleção da Fundação Millennium BCP. A coleção de arte continua a crescer? Continuam a ter uma política de aquisições?

Não. Esse é um dos pontos importantes, onde eu espero que o futuro próximo nos permita voltar a um certo ritmo que tivemos no passado. Nós temos uma coleção notável, sobretudo de pintura portuguesa, que vai do naturalismo, no final século XIX até ao abstracionismo dos anos 1970.

As vicissitudes por que passou o próprio banco, e as dificuldades que nós tivemos de encarar do ponto de vista orçamental, levaram a que o Banco deixasse de ter uma política de aquisições para toda a sua coleção.

Estamos sujeitos a ter de combater o projeto megalómano e ditatorial de um regime que teve a infelicidade de gerar um homem como Putin

Mas mantêm o interesse?

Temos sempre acompanhado, temos sempre uma consultoria em relação ao banco que permite saber como é que nós queremos ainda valorizar esta coleção. Mas temos de aguardar por melhores dias, porque é evidente que as aquisições para a Fundação e a própria Fundação só terá a beneficiar com o Banco a retomar uma política até de dividendos em relação aos seus acionistas que nos permitam, e permitam ao banco depois sustentar aquilo que serão as ações de mecenato da própria fundação.

Não podemos esquecer que o único financiador da Fundação é o banco BCP, que teve uma atuação notável, não só na criação da fundação, no apoio que dá à fundação, mas também tem algumas situações notáveis, como é, por exemplo, a decisão de preservarmos todos os vestígios e as ruínas que tínhamos arqueológicas aqui neste edifício.

Isso permitiu-nos hoje ter o NARC (Núcleo de Arqueologia da Rua dos Correeiros) que é uma obra farol da fundação, que só foi possível graças ao apoio do banco.

Ainda em relação à coleção, há uma política de empréstimos para exposições temporárias e apoiam exposições. Uma delas está agora no espaço Brotéria, em Lisboa. Procuram esses exemplos de excelência cultural para, em termos de arte, também emprestar quadros da coleção e incentivar esse tipo de atividades?

Sim, procuramos e sobretudo, temos consciência de que o facto do banco ter uma coleção, não é apenas para usufruto próprio. O interesse da coleção que temos é também o interesse de divulgarmos a arte portuguesa, sobretudo, aqui mesmo em Portugal. É por isso que não temos isto fechado em gabinetes. Procuramos é há muito tempo, o meu antecessor, o professor Fernando Nogueira foi muito eficaz nisso, criou aquilo, a que chamamos a Arte Partilhada.

Entramos, muitas vezes, com outras instituições, numa espécie de diálogo entre a nossa coleção e outras de maneira a fazermos exposições que têm até um sentido de serem descentralizadas. Não ser apenas aqui em Lisboa ou no Porto que são os centros de atração deste tipo de exposições, mas muito descentralizada e fora. Desde Vila do Conde a Faro, Guimarães. Onde podemos estar e onde a nossa colocação pode estar à disposição do público.

Têm projetos expositivos para breve?

Temos. Por isso mesmo tivemos sempre uma galeria pequenina, mas depois fizemos um protocolo com o ministério da Cultura e com o Museu Nacional de Arte Contemporânea, o Museu do Chiado e criamos uma galeria Millennium BCP dentro do museu. Isto significa da nossa parte, a ideia de que público e privado temos que trabalhar de mão dada de maneira a garantirmos as melhores decisões e o melhor aproveitamento que temos dos nossos clientes culturais.

Esta galeria tem uma programação conjunta com o Museu Nacional de Arte Contemporânea, e unimos as duas forças. O museu dá-nos a parte de museologia que é muito importante e que nos falta a nós. E nós damos alguma agilidade financeira à realização de exposições conjuntas que de outra maneira não existiriam ou teriam dificuldade em ser levadas a cabo.

A coleção tem sido também um motivo de grande satisfação, porque permitimos e temos possibilitado que noutras partes do país se consiga fazer exposições que normalmente implicam depois catálogos e até conferências que, no fundo, também têm uma ação educativa de formação que é extremamente importante. Não é apenas vermos as obras, é também saber como se chegou lá, o trabalho que é feito, o papel que tem os nossos artistas, e por isso, temos também uma tendência da fundação a dar prémios.

Ultimamente, o Estado aumentou bastante a sua coleção de arte com a integração de coleções que pertenceram a bancos como o BPP, ao banqueiro João Rendeiro, com a Fundação Elipse, há também o caso da Fundação Berardo. Como é que vê estes casos? A banca e alguns banqueiros não souberam cuidar deste património?

Eu creio que ao contrário. Alguns banqueiros reuniram obras de arte que hoje em dia merecem e devem ser património de todo o país, até pelas vicissitudes, porque eles próprios atravessaram e essas instituições conheceram.

Eu creio que é muito importante preservá-las e mantê-las cá, porque é evidente que a Coleção Berardo, ou a Coleção Elipse, acrescentam valor àquilo que nós temos e ao que é o nosso património.

Acho muito bem e tenho acompanhado com muito interesse aquilo que o Governo tem vindo a definir o ministério da Cultura e o próprio ministro para o aproveitamento destas coleções e de outras que possam surgir, com o mesmo objetivo, de pô-las ao serviço da promoção da nossa cultura, permitindo que seja vista pela maior parte dos portugueses e não apenas, também pelos estrangeiros que nos vêm visitar. Mas de uma forma sustentável, com uma definição clara daquilo que poderá ser o papel dessas coleções, no âmbito da nossa cultura.

Há pouco falou da questão do Núcleo de Arqueologia situado neste edifício entre a Rua Augusta e a Rua dos Correeiros. Venceu recentemente um prémio a empresa que dinamizou a forma expositiva deste núcleo arqueológico. Estamos no epicentro da cidade de Lisboa, que também muito mudou em termos turísticos nos últimos tempos. Isso também se tem refletido nas visitas que têm? A procura dos portugueses é menor do que a dos estrangeiros?

Não, até há um certo equilíbrio na procura. Este surto, esta melhoria em termos da oferta turística e que tem ajudado muito à economia do país, também tem um reflexo muito direto naquilo que é o património histórico de Portugal. E nesta zona, é fértil, porque toda esta baixa está em cima de vestígios de várias civilizações.

Tivemos a sorte de ter aqui um conjunto, num pequeno espaço, de ter ali uma narrativa da história de Lisboa e de Portugal que a todos interessa conhecer, e por isso o Banco teve também essa virtude. Foi quanto se detetaram estes vestígios, decidiu imediatamente chamar, não apenas o património cultural, mas também outras instituições como o Museu de Arqueologia de maneira a garantir que íamos preservar como está feito. Abriu-se ao público. Tivemos êxito, um registo assinalável de visitantes, mas ainda sem o fluxo que temos hoje.

Foi de tal maneira que a fundação entendeu que, passados 20 anos, era altura de renovar, com equipas como a Edigma que trabalharam neste projeto e o resultado está sobretudo refletido nas visitas que tem havido.

Mas são então mais os portugueses do que os estrangeiros a visitarem o NARC?

Nós não procuramos mostrar ao maior número de gente, procuramos que muita gente venha em condições. Temos um circuito, com visita guiada, sempre. São recursos limitados para garantir que não há desgaste excessivo do sítio arqueológico.

Temos uma abertura muito grande, sobretudo à procura de atingir a população mais jovem. Temos escolas e temos tido imenso êxito. A percentagem, no fundo, entre portugueses e estrangeiros é muito equilibrada. Nós temos cerca de 60% dos visitantes portugueses, 40% são estrangeiros.

Em 45 minutos, temos uma ideia do que a História de Lisboa. São 2500 anos de História. Para nós o mais importante aqui é continuar a garantir o usufruto destes vestígios arqueológicos é feito de maneira a valorizar aquilo que é a realização do homem nesta área.

O embaixador já está há alguns anos à frente da Fundação. Que marca quer deixar?

É uma pergunta importante. A principal marca desta fundação é ter um objetivo definido que o banco Millennium BCP decidiu assumir uma clara política de responsabilidade social baseada, na preservação e na divulgação daquilo que são os elementos fundamentais da nossa identidade nacional.

O banco define, e bem, aquilo que espera que a fundação faça. Depois, a fundação teve sorte de ter à frente pessoas extremamente qualificadas, que também souberam conciliar a estreiteza dos meios financeiros de que sempre dispomos, com o chegar o mais longe possível nos apoios que podíamos fazer. E que esses apoios fossem também aqueles que mais servissem o maior número de portugueses que gosta de usufruir destes bens culturais.

Por isso, para mim, se pergunta qual a marca que eu gostaria de deixar. A primeira é que fui capaz de dar continuidade com sucesso aquilo que os antecessores fizeram. E claro que beneficio muito de uma equipa que tem garantido coerência e a coesão da atividade da fundação.

Não temos tido desvios em relação àquilo que é definido pelo nosso Conselho Curadores como orientação geral. Temos cumprido sempre aquilo que podemos fazer. Temos de uma maneira, às vezes muito ágil, ocorrido a situações de emergência que, de outra maneira e outras instituições, não têm esta facilidade. E depois temos também uma preocupação, e essa é a marca que quero deixar, que é a da proximidade.

Que tipo de proximidade?

Nós estamos sempre prontos e dispostos a avançar, a discutir, a ouvir e a trabalhar com até com novas ideias. Não apenas com aquilo que é o passado, com a preservação do património arquitetónico, por exemplo, ou outro cultural, mas também com aquilo que é novo, com novas tendências, ajudando, impulsionando até as camadas mais jovens, a encarar melhor as dificuldades e as vantagens do mundo atual. É por isso temos muito apoios à formação, à investigação.

Deixe-me sair um pouco da Fundação Millennium BCP e olhando para todo o seu percurso profissional na área da diplomacia, como é que vê a atual situação da Europa? Estamos a completar um ano de uma guerra que a Europa não queria e que está a ter consequências para todo o mundo. Que perspetiva é que acha que poderemos ter para os próximos tempos a manter-se esta guerra?

Nós vivemos tempos muito complicados. É obvio que estamos a atravessar um momento muito difícil, e um momento até inesperado para gente por exemplo, como eu próprio que teve uma vida dedicada à diplomacia. Se me perguntasse há uns anos onde é que nós estaríamos nesta altura, numa eu teria imaginado estarmos nesta altura e que teríamos de enfrentar, por exemplo, uma guerra, ainda na Europa!


Pensávamos que a Europa, depois da vacina da Primeira Guerra Mundial, no século passado, depois também do desastre que ainda foi a questão dos Balcãs, que estávamos libertos disto, que já não voltávamos a este tipo de confrontação. E infelizmente também é humano.

Esta guerra, é uma guerra de um homem só. Tenho dito desde início, é um ditador implacável que impõe as suas próprias ideias, e que leva a Rússia a caminho da desgraça e leva, ao mesmo tempo, prejudicando aquilo que era o equilíbrio europeu que se estava a desenhar com as suas desigualdades, com os seus pontos negativos, mas que teria um caminho positivo, que era, de facto, dar à Europa uma vivência em paz e progresso, que nós praticamente nunca tivemos no passado. Um período tão grande de paz e de progresso.

É preciso ver que a União Europeia, por mais que muitas vezes os europeus protestem, é a região do mundo onde melhor se vive. Vivemos num bem-estar. Também temos de olhar para os outros, porque não é possível vivermos nós numa ilha de bem-estar e depois ter a miséria à volta. Isso não podemos ter.

Mas, digamos, a Europa avançava e avançava a passos concretos, e ao mesmo tempo seguros, para uma região que era, digamos, até um exemplo para outras partes do mundo. Somos um "soft power", e não um "hard power" e não podemos, nem queremos entrar em competições de quem seria o patrão do mundo, digamos, como outros países e outras regiões podem querer ser, mas tínhamos a garantia de que estávamos à frente daquilo que era uma criação original de cooperação internacional que é única.

A União Europeia é uma organização internacional que não tem paralelo, apesar de haver tentativas na Ásia, na América Latina, em África, em todo lado, mas nós temos um avanço muito grande que se mantém, porque, no fundo, esta crise também mostrou que a Europa é capaz de dar uma resposta comum e pode fazê-lo.

Que desafios isso representa?

É evidente que também nos pôs em evidência riscos que nós pensávamos que já estavam, ou deveriam estar afastados. Na nossa perspetiva o principal riso, é um risco de destruição séria que pode acontecer, não apenas da Europa, mas ser alargado. E vemos também que a instabilidade se tem criado neste mundo a criar também que em várias regiões haja um acentuar desta confrontação, em vez da política que queríamos desenhada até através de um papel mais forte do multilateralismo. E que teríamos uma política de conciliação, em função do que era o bem da Humanidade.

Em contrário, estamos sujeitos a ter de combater o projeto megalómano e ditatorial de um regime que teve a infelicidade de gerar um homem como Putin.

Mas ao mesmo tempo nessa mesma Europa, temos o eclodir cada vez mais dos movimentos populistas e da extrema-direita, nomeadamente em Portugal. Como é que olha para este redesenhar da política europeia? Até porque os partidos mais clássicos acabam, também eles por estar ameaçados.

Isso implica que os partidos têm de se renovar e têm de olhar para aquilo que é a realidade, e aquilo que são os anseios das pessoas.

Eu creio que cada vez mais nós temos de olhar na perspetiva do interesse nacional, e não apenas de interesse nacional egoísta, porque muitas vezes não é apenas o que se passa na nossa casa, mas é o que se passa naqueles círculos em que estamos integrados.

Isso é um aspeto de dentro. A meu ver, o afastamento do que é o interesse nacional e o serviço que é preciso prestar à comunidade, para isso é que existe o Estado, e não apenas para termos um interesse egoísta, político-partidário, de detenção do poder. Temos que ultrapassar isto.

Esta necessidade de adaptação a uma realidade nova, corresponde também a novas exigências. As pessoas, por um lado, têm maior uma capacidade, até pelas novas tecnologias, de participar em tudo o que a vida interna dos seus países.

Têm mais possibilidades de o fazer e têm mais conhecimento e, ao mesmo tempo, às vezes estão mais limitadas pelo que está na moda, pelo ar do tempo. Acho que se tem cada vez mais de olhar para o quadro geral, e não apenas para aquilo que se passa na nossa terra, e no sítio onde vivemos. Isso leva-nos a pensar um pouco como Nação. Não podemos estar a achar sempre que há o mal, e que há o bem.

Nós temos o estado democrático. É feito através dos seus partidos políticos e com as eleições. Nós temos cada vez de pedir mais às pessoas que pensem, antes de votar.

Não sei como é que se poderá fazer uma melhor democracia participativa, mas que temos de a ter, temos de a ter! Senão vamos viver em ilhas, separadas, e sempre com um aspeto de confrontação, que é o contrário daquilo que nós temos, que é a trabalhar para o bem comum.

E os populismos?

O populismo, sempre houve. A História da Humanidade está cheia de populistas, que levaram muitas vezes, uns à desgraça, outros ao contrário, há uma progressão mais rápida para um entendimento entre nações de diferente origem.

Agora, hoje em dia, aqui temos, se queremos contrariar tendências que haja, ou atitudes menos correspondentes com a abertura que nós queremos ao outro, e a tolerância que queremos do bem social, temos que contrariar isso. Só podemos fazer através da captação de maior número de pessoas para o lado contrário, para aqueles que de facto defendem a tolerância, a liberdade, contra aqueles que procuram impor políticas que sejam contrárias aos princípios que têm sido, nos últimos anos, os princípios orientadores da vida nacional.

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