Tempo
|

Cinema

Sérgio Tréfaut explora em filme o mistério das noivas de jihadistas

12 jan, 2023 - 19:28 • Maria João Costa

Inspirado em histórias verdadeiras, uma delas portuguesa, o filme “A Noiva” de Sérgio Tréfaut que estreia esta quinta-feira nos cinemas leva ao grande ecrã o retrato de uma jovem viúva de 20 anos. Barbara tem origem portuguesa, casou com um terrorista do Estado Islâmico e é julgada pelos tribunais iraquianos.

A+ / A-

Fica o aviso a futuros espectadores. “A Noiva”, o novo filme do realizador Sérgio Tréfaut, “não oferece respostas”. A longa-metragem, que chega hoje às salas de cinema portuguesas depois de ter estreado em Veneza e ter ganho um prémio em Sevilha, é nas palavras do realizador um “filme que trata de uma personagem que passou para outro lado, sem que haja uma explicação”.

Esse “outro lado”, de que fala o realizador natural do Brasil, é o Estado Islâmico. Com “A Noiva”, o cineasta quis contar uma história que o “impressionou muito” e que o chocou sobre as jovens que, “de repente, se transformavam” e optavam por casar com extremistas islâmicos do Estado Islâmico.

Na origem do filme estão histórias reais que Tréfaut leu na imprensa portuguesa. “Esta jovem é uma entre tantas! Foram milhares de europeias”, comenta o realizador na entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença.

“Esta jovem nascida em Portugal acaba por emigrar. É em parte inspirada numa jovem que era portuguesa, mas com relações com a Holanda, como a Ângela Barreto, mas também em outros casos franceses”, diz Sérgio Tréfaut.

Segundo o realizador que venceu com este filme o Prémio Especial Las Nuevas Olas do Festival de Sevilha, algumas destas “noivas” “ficam fanáticas para o resto da vida”, mas há outros casos de mulheres que “se desvinculam completamente”. No filme, a noiva do jovem jihadista executado que Tréfaut retrata é antes uma mulher que “está num processo de tentar entender para onde vai”.

Ao contar a história desta jovem portuguesa simpatizante do Estado Islâmico, Sérgio Tréfaut deu-lhe ainda maior realismo ao usar “diálogos de quando foram presas”. “Dentro do filme, os diálogos do tribunal e os diálogos com o general e o coronel que a capturou são baseados noutras histórias”.

Uma noiva com “candura e muita determinação”

A protagonista do filme é desempenhada pela jovem atriz Joana Bernardo. O casting contou com a presença de 150 jovens, com idades entre os 18 e os 22 anos, revela o realizador, que mostra espanto com o desempenho da atriz escolhida.

“A Joana não falava francês, mas aprendeu com uma velocidade muito extraordinária”. Também não falava árabe e acabou por aprender para protagonizar a personagem. Tréfaut recorda que a atriz “viveu nos acampamentos de refugiados sírios” e que muitas das mães que vivem com os seus filhos nesses acampamentos e que foram “vítimas de perseguições”, “foram as professoras da Joana”.

Foi com a Joana Bernardo que o realizador diz ter “criado a Barbara”, a protagonista. O realizador conta que “procurava uma jovem que tivesse essa ambivalência dos dois mundos, o mundo do islão radical, com toda essa força, mas também o mundo de onde ela vinha”, a Europa.

Segundo o realizador, a personagem que dá corpo à jovem viúva “é uma menina que tendo vivido demasiado durante dois ou três anos, agora, procura um sentido à vida” e a atriz Joana Bernardo reúne “em simultâneo, uma candura e juventude (parecesse uma criança)” e tem ao mesmo tempo “muita determinação”.

“São jovens que eram plenas de idealismo, que durante a adolescência tentaram muitas coisas para ter respostas para a vida, e não as encontrando ficaram fascinadas por essa conversão a um islão que não é um islão de paz e que elas não perceberam logo, e era um islão de guerra” explica o realizador.

Gravado no Iraque em plena pandemia

Desde que rodou “A Cidade dos Mortos” no Cairo, no Egito que Sérgio Tréfaut despertou para o universo islâmico. Quando em 2004 rodou esse documentário começou a aprender árabe.

Mais tarde, em 2012, esteve no Iraque e aí nasceu a “vontade de fazer um filme”. “Cheguei ao Iraque num momento em que os americanos deixavam o país. Em que, ao contrário do esperado, o país não estava nada pacificado e estava em plena guerra civil com bombas a explodir por todo o lado. Eu quis fazer um documentário sobre esse estado em que estava o Iraque após a partida dos norte-americanos”.

Mas a ideia acabou por ser atropelada pelas primaveras árabes e o nascimento do Estado Islâmico. “Rapidamente o documentário tornou-se pequeno e de curto alcance por causa do que aconteceu no ano seguinte que foi o facto das supostas primaveras árabes na Síria, terem dado origem a génese do Estado Islâmico que tomou conta de uma parte do Iraque e que fez de Mossul, cidade onde tinha estado algumas vezes, a sua capital”, recorda Tréfaut.

A partir desse momento o realizador mudou o foco e juntando as notícias sobre as jovens que aderiam ao Estado Islâmico encontrou outro filme para fazer. “Todo o filme é rodado no Iraque, 90% no Curdistão iraquiano que é uma região autónoma do Iraque, onde só se fala curdo”, indica Sérgio Tréfaut.

Questionado sobre o processo de filmagem, o realizador conta que os locais de rodagem eram “extremamente seguros”. “Eu moro numa parte do ano no Rio de Janeiro, e o Rio de Janeiro é muito mais perigoso e inseguro do que o Curdistão” diz com ironia Tréfaut.

Crianças abandonadas “têm muito mais hipóteses de se tornarem radicais”

Protagonizado pelos atores Joana Bernardo, Hugo Bentes e Lola Dueñas, o filme pretende levantar questões aos espetadores. O realizador revela que quis trazer para o seu cinema os temas “das viúvas e das crianças” que considera “um tema muito importante”.

“Elas ficaram num limbo”, considera o realizador. “As crianças deste filme, com 10 anos, não vão para uma prisão, nem para lado nenhum, ficam ao abandono”, relata Tréfaut, que lamenta que se possam tornar presas fáceis.

“Eu faço um filme que oferece aos espetadores a oportunidade de estarem perante uma situação, um lugar onde não estariam, e se confrontarem com um mistério”, não só como as jovens mulheres aderem ao Estado Islâmico, como o que acontece a essas crianças abandonadas que, nas palavras do realizador, “têm muito mais hipóteses de se tornarem radicais”, conclui o realizador.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+