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Festival literário Fólio

Cartas entre brasileiros alertam que “a democracia brasileira está ameaçada”

11 out, 2022 - 23:20 • Maria João Costa

“Ao Brasil, com Amor” é um livro que revela a troca de correspondência entre dois jornalistas brasileiros que vivem na Europa. Jamil Chade e Juliana Monteiro escrevem sobre as suas preocupações com o futuro do país que vai a votos a 30 de outubro.

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Jamil Chade nasceu em São Paulo, vive hoje na Suíça e foi eleito duas vezes o melhor correspondente brasileiro no exterior. Do seu computador saíram as cartas que trocou com Juliana Monteiro, jornalista nascida em Brasília que vive em Roma. O resultado está no livro “Ao Brasil, com Amor” (Ed. Autêntica) que é lançado dia 12 no Festival Literário Internacional Fólio, em Óbidos.

Em entrevista à Renascença, a partir do seu escritório na sede da ONU em Genebra, Jamil Chade fala sobre o olhar de fora que este livro lança sobre o Brasil. É um tom de apreensão o que une os dois jornalistas.

Segundo Chade, o olhar “não pretende ser diferente de dois brasileiros que estão no Brasil”, contudo, ver de fora faz com que constatem que não normalizam, o que classifica como “alguns dos crimes que a sociedade brasileira tem enfrentado nos últimos anos”.

Nesta troca de cartas, e perante um Brasil fraturado no caminho para a segunda volta das eleições presidenciais, estes dois brasileiros lançam um apelo à reconciliação da sociedade.

“No fundo, o livro é um apelo à indignação para que haja algum tipo de resposta da sociedade no sentido de, em primeiro lugar, rejeitar a normalização, mas por outro, olhar para o futuro com algum tipo de projeto de reconstrução, de rejeição ao ódio”, explica Jamil Chade.

Para este colaborador de órgãos de comunicação social como o The Guardian, El Pais, BBC ou CNN é relevante não responder ao “ódio com mais ódio”. “Não vamos conseguir abafar essa crise com os mesmos instrumentos daqueles que estão levando o país a essa crise. A resposta precisa de vir com mais democracia, mais direitos e uma espécie de reconciliação”, defende Chade.

No próximo dia 30, os brasileiros vão encontrar no boletim dois candidatos, Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Perante esta dicotomia política, Jamil Chade lembra que o livro é um grito de alerta em defesa da democracia.

É um livro que insiste que a democracia brasileira está ameaçada, como nunca esteve nesses últimos 30 anos. Essa ameaça não é apenas por conta da eleição, mas pelo próprio projeto político do ‘Bolsonarismo’ que é de desmantelar qualquer controle sobre o poder” sublinha o autor.

No seu entender, o livro, é “antes de mais nada, uma defesa da democracia”, mas lembra Jamil Chade, “não da democracia eleitoral, mas da democracia que envolva por exemplo o abastecimento de água nas escolas, direitos básicos para a população. No fundo, o direito de ter direito para um cidadão”.

Juliana Monteiro e Jamil Chade estão preocupados com o crescente clima de ódio que se foi impregnando na política e sociedade brasileiras e com a ascensão da extrema-direita. De acordo com as suas palavras, “o que fica muito claro é que a extrema-direita e o ‘bolsonarismo’ criaram raízes em vários locais e segmentos da população brasileira”.

Chade lamenta que não tenha havido “uma oposição capaz de denunciar de forma suficiente os crimes que foram cometidos nesses últimos anos” e acrescenta que o Brasil onde essas “raízes” lançadas por Jair Bolsonaro crescem é um país “xenófobo, racista e extremamente desigual”.

Neste caminho para as eleições de 30 de outubro, não há atalhos na defesa da democracia adverte Jamil Chade. “Qualquer um que assumir o governo, se for o presidente reeleito, ou a oposição, a verdade é que vai assumir um país dividido. Um ou outro vai ter de conviver com a outra metade inteira na oposição ou pelo menos questionando”.

Para Chade, “desfazer o ‘bolsonarismo’ ou desinflá-lo é uma tarefa que faz parte da própria História do Brasil. Ele só vai ser desmontado quando a ideia de democracia chegar a todos, quando a ideia de direitos for ampliada. Não existem atalhos para a construção da democracia, não existem atalhos para a construção de uma sociedade justa, portanto, o Brasil terá que percorrer esse caminho que é muito mais longo”.

Questionado sobre o que irá acontecer se Bolsonaro for reeleito, Jamil Chade diz que os riscos estão identificados. “O próprio presidente Bolsonaro e seus aliados têm dito nos últimos dias que, se vencerem para um segundo mandato, o objetivo vai ser controlar o judiciário. Aí, obviamente sabemos que isso significa uma real ameaça à democracia”.

Preocupações deixadas pelo jornalista que assina em coautoria com Juliana Monteiro o livro “Ao Brasil, com Amor”, que é apresentado dia 12 no Fólio, em Óbidos, e dia 13 na Livraria da Travessa em Lisboa, às 19 horas.

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