Nova diretora do Parque de Serralves quer “política ambiental mais presente na campanha”

21 jan, 2022 - 21:15 • Maria João Costa

Helena Freitas lamenta que haja “demasiado ruído”, mas diz que “gostaria que a política ambiental estivesse mais presente no espaço da discussão política e na campanha”. Em entrevista à Renascença, a nova diretora do Parque de Serralves revela que vão investir na renovação do roseiral

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Repete a palavra “privilégio” ao longo da entrevista. Helena Freitas é desde esta semana a nova diretora do Parque de Serralves. A catedrática que recebeu em 2000 a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique das mãos de Jorge Sampaio está satisfeita com a nomeação, mas não é uma estranha em Serralves. Minhota que desde cedo abraçou a causa da conservação da natureza, Helena Freitas está desde agosto de 2020 a trabalhar com a equipa de Serralves.

Reconhece que o parque tem tido um papel fundamental na educação ambiental, mas questionada sobre como gostaria de ver tratada a questão ambiental na campanha das legislativas, a antiga deputada socialista lamenta que “não haja uma abordagem consistente e central às questões ambientais”.

Helena Freitas que destaca o papel dos jardineiros no parque, admite que a pressão de visitantes em alguns eventos tem impacto na preservação do espaço. Nesta entrevista à Renascença em que revela os novos projetos que passam pela renovação do roseiral, a plantação de árvores nacionais como o sobreiro e valorização das hortas, a antiga responsável do Jardim Botânico de Coimbra diz qual o seu recanto preferido em Serralves.

Já tinha uma ligação ao Parque de Serralves desde agosto de 2020, foi até aqui coordenadora geral da equipa diretiva, agora que missão terá pela frente? O que representa este desafio de assumir o cargo de Diretora do Parque de Serralves?

É desde logo um privilégio. Eu já vinha colaborando com o parque na coordenação geral da equipa. Era através de uma colaboração entre o parque e a universidade, porque continuo a ser docente. Mas de facto entendemos que era o momento porque os projetos e as dinâmicas têm crescido e a certa altura era importante para a própria equipa e para o projeto de Serralves uma maior disponibilidade. Entendi que era a altura de o fazer. No fundo é um projeto que já abracei há um tempo e agora a ideia é poder dar um pouco mais, para afirmar um diálogo que quero mais intenso entre a conservação da biodiversidade, a dimensão que o parque tem e a expressão da atividade da ciência.

Que desafio represente cuidar de um património vivo?

O parque constitui um desafio imenso pela natureza que ele contém, invoca e convoca. Tem uma dimensão de natureza fortíssima que se expressa na multiplicidade de espaços, na diversidade, nas paisagens, nas sazonalidades. Isso de facto é uma inspiração permanente pela harmonia que a natureza tem neste parque urbano. Isto tem uma dimensão que a mim me fascina, porque eu sou bióloga de formação e fiz uma formação mais concreta em botânica e ecologia. São as minhas áreas científicas e de trabalho de toda a vida e fiz também a reabilitação do Jardim Botânico de Coimbra, portanto, do ponto de vista da natureza estes espaços sempre me seduziram pela criação de harmonia e potencial que têm com as pessoas que os visitam.

Que projetos quer desenvolver no Parque de Serralves no futuro?

Isto é um trabalho de equipa. Tenho a sorte e o privilégio de ter um conjunto de pessoas que trabalham no parque, na coordenação de atividades, e que são fantásticas. Isso ajuda-me imenso e é uma inspiração. Com eles temos pensado diferentes iniciativas que vamos continuar a fazer. Do ponto de vista dos espaços, o projeto que talvez venha a ser mais visível e que acarinho particularmente, é a renovação do roseiral. Era um espaço que já não tinha uma intervenção há algum tempo, não estava tão cuidado e esse vai ser um projeto muito estratégico do ponto de vista daquilo que Serralves pode oferecer enquanto espaço natural.

Haverá outras intervenções planeadas?

Fizemos recentemente e estamos a concluir, uma questão que tem a ver com um problema fitossanitário que tinha de se resolver. Teve de se fazer uma substituição progressiva do buxo. Estas questões fitossanitárias estão sempre lá, são sempre problemas, porque estes parques urbanos têm também uma enorme pressão das visitas, do próprio espaço urbano, da atmosfera urbana, da artificialização daquilo que pode ser a natureza, das combinações que fazemos, das espécies que vamos buscar a viveiros. Portanto, aqui o jardineiro é uma figura essencial. É quem faz tudo e faz a beleza do parque. Nesse sentido, Serralves tem o privilégio de ter uma equipa de jardineiros muito eficaz e cuidadora. São verdadeiros cuidadores do espaço verde e das plantas.

E que outros investimentos estão previstos?

Vamos continuar a investir na resolução dos problemas fitossanitários, por um lado, por outro é claro, é sempre um projeto continuado nestas áreas a possibilidade de termos a renovação do coberto florestal e das espécies. É uma questão que estamos sempre atentos, e de facto o roseiral é o projeto mais emblemático no plano dos espaços naturais

Qual o principal tesouro natural do Parque de Serralves?

Não gostaria de destacar, porque penso que de facto estes espaços valem pelo conjunto, pela diversidade. Penso que Serralves tem uma multiplicidade de espaços que cada um à sua maneira, nos oferece singularidades. Cada um tem a sua perceção e também, em função dos dias valoriza mais um espaço ou outro. Podemos mais valorizar a combinação entre o edificado, o horizonte que é possível ver, ou simplesmente fazer a visita ao Tree Top Walk e ver a partir do parque aquilo que é possível ver. Também aí as sazonalidades são determinantes. Podemos ter tons diferentes. Ou podemos fazer uma visita ao charco e perceber a quantidade de espécies aquáticas que temos. São, algumas delas, endemismos nacionais. São espécies absolutamente únicas que estamos a tentar colocar ali, valorizando simultaneamente o habitat, e percebendo a importância da água no espaço urbano. É uma função deste charco.

É um pulmão importante da cidade do Porto.

Claro que as pessoas também gostam daquelas alamedas onde podemos ver árvores de porte extraordinário. De facto, Serralves vale por isto! Também quando temos as camélias a florir. Vale por tudo isso. Vamos também valorizar algumas árvores nacionais, o Teixo, o Sobreiro, também há espaço para essas espécies florestais com grande relevo em Portugal. Este parque, penso que onde ele cativa, e é importante até na agenda de descoberta da biodiversidade e na necessidade que temos hoje de reconectar com a natureza, e onde ele tem este papel e desígnio é na capacidade de mostrar a harmonia que os cuidadores conseguem imprimir no espaço natural e não há muitos!

Que papel pode e deve ter o Parque de Serralves na educação ambiental, sobretudo junto das gerações mais novas, mas também das mais velhas?

Penso que o Parque de Serralves é um exemplo extraordinário no panorama nacional e internacional. O trabalho que se tem feito nesse domínio é absolutamente excecional. É uma programação que tem ganho consistência. É uma articulação extraordinária com as escolas, é uma programação educativa fortíssima que tem um cuidado muito especial na sintonização dos programas partindo do espaço da Quinta que vai ter uma importância cada vez maior também neste plano educativo. Essa sintonia conseguida com os programas das escolas, de ajustar os conteúdos que são previstos na programação in sito com as crianças e jovens, com a programação escolar tem sido muitíssimo bem feita. Eu própria não tinha conhecimento da amplitude de intervenção que o parque tem até junto de outros públicos mais vulneráveis da sociedade. Há de facto uma programação excecional que penso que é importante para criar essas dinâmicas educativas.

A educação ambiental será uma das suas prioridades?

Devo dizer que esta área da educação ambiental é muito relevante. Eu fiquei impressionada, no dia 14 de janeiro deste ano, saiu uma recomendação da Comissão Europeia muito interessante e importante, dirigida ao papel que temos de ter mais da educação ambiental na sociedade em geral. É um documento relevante que penso que vai ser inspirador na nossa intervenção. De facto, a educação ambiental tem de entrar em todas as organizações e em particular na comunidade educativa. Penso que a esse nível Serralves tem feito um trabalho muito importante, mas também através dos grandes eventos que organiza que trazem, não só os jovens e as crianças, mas também as famílias numa missão inter-geracional.

O Parque de Serralves é visitado por muitas famílias. São por vezes os mais novos que despertam os mais velhos para as questões ambiental?

É preciso criar metodologias que de facto chamem e apelem a essas cumplicidades entre avós, netos e famílias. É o caso do Serralves em Festa e o BioBlitz que se fez um esforço enorme de fazer no ano passado mesmo por via digital. Penso mesmo que esses momentos que foram feitos e continuarão a ser feitos este ano - vamos desejavelmente recuperar a participação presencial - fazem parte dessa dinâmica de educação ambiental que hoje é já um património de Serralves. É uma marca. De tal maneira fiquei satisfeita com o que se conseguiu fazer com um BioBlitz virtual que estamos a perceber como é possível, com a Direção-Geral de Educação do Ministério da Educação, usar de uma forma generalizada no sistema de ensino nacional.

Falou sobre essa diretiva da Comissão Europeia sobre o ambiente. Estamos em plena campanha eleitoral. A Helena Freitas também já exerceu funções políticas, foi deputada e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS. De que forma gostava de ver o ambiente tratado na agenda da campanha?

Acho que vivemos hoje um tempo em que inequivocamente estamos obrigados a perceber a importância da política ambiental na construção do futuro. Há uma oportunidade claríssima da agenda europeia que é impulsionadora de um conjunto de políticas públicas que são determinantes. É a chamada agenda ecológica europeia. Penso que a política ambiental está no centro da nova geração de políticas públicas, indutoras das iniciativas privadas que também em parceria podem fazer um caminho diferente, mais harmonioso.

São temas que estão afastados do debate político atual?

Eu gostaria que a política ambiental estivesse mais presente no espaço da discussão política e na campanha. Mas penso que, se calhar, há demasiado ruído para isso. Não é fácil, mas eu vou estando atenta cada vez que as questões do ambiente surgem. Têm surgido de formas muito sectoriais. Não penso que haja uma abordagem consistente e central às questões ambientais. A questão climática entrou na agenda, e bem. Há um compromisso inequívoco, temos mesmo que agarrar a questão e dar resposta às preocupações climáticas, mas de facto é preciso perceber que essa transição, esse esforço é de tal forma avassalador para o conjunto da sociedade que precisamos realmente de ter uma política de educação ambiental mais forte, capaz de envolver também os cidadãos. É um esforço conjunto de construção de uma outra civilização, mais responsável do ponto de vista ambiental. Infelizmente a abordagem política à área ambiental é demasiado sectorial, quando o esforço que vamos ter de fazer é sistémico, coletivo e é muito grande.

Ainda olhando para o Parque de Serralves qual é a principal ameaça que o parque tem, quais os principais problemas que a inquietam? O visitante pode ser por vezes uma ameaça ao ecossistema, arranca plantas, deixa lixo?

Tive uma experiência em Serralves desde agosto de 2020 e temos estado sempre em pandemia. Aquilo que conheço é o histórico. Sei que, sobretudo quando há grande aglomerados ou eventos, é mais provável de acontecer. Também às vezes os espaços não estão preparados e é preciso trabalhar em conjunto, fazermos permanentemente a leitura dos momentos e ajustar os contextos para dar resposta. Mas sim, é verdade que sobretudo nos grandes eventos há a preocupação do lixo que é deixado, da falta de cuidado no pisoteio. É sobretudo isso. Ainda posso não ter informação suficiente.

E qual é o seu local de eleição no Parque de Serralves?

O meu local favorito é sentar-me à frente da Casa de Serralves. Gosto dos horizontes. Mas também depende. Quando as camélias estão em flor, também é fantástico circular no meio delas, perceber a diversidade de cores e como a natureza pode ser tão bonita. Sou muito atenta à relação entre os seres vivos, à interação entre espécies. É muito inspirador para mim perceber aquelas espécies que estão em situação de maior vulnerabilidade e que conseguem encontrar respostas fisiológicas. Acredito na comunicação entre os seres vivos. Há linguagem que nós não conhecemos, mas que de facto refletem uma interação, uma interdependência muito grande. Sou muito atenta a isso. Gosto também de ver a presença dos animais. Às vezes fico fascinada na Quinta a olhar para os animais. Serralves vale pelo conjunto. No novo charco que temos também se vai começar a ouvir os sons da natureza.

Sente-se uma privilegiada com estas suas novas funções?

Completamente! Isto para mim é um privilégio que tenho tido na vida. Desde logo a minha escolha de abraçar a conservação da natureza como a minha grande causa, há muitas décadas atrás. Depois também o facto de crescer no ensino da ecologia, de ter hoje uma equipa grande e uma unidade de investigação com investigadores extraordinários, em áreas muito diversas e ter conhecido contextos do mundo onde a natureza se expressa das mais diversas formas, desde o ártico à floresta tropical. Depois todos estes contextos temperados mediterrânicos, onde temos a diversidade de cores, a expressão dos cheiros, das aromáticas.

Em Serralves têm também um espaço de horta que está cada vez mais na moda em contexto urbano?

Quero destacar esse trabalho que Serralves tem feito nesse domínio através das hortas. É uma área que eu gostaria também de valorizar um pouco mais. O papel das hortas nas dinâmicas pedagógicas associadas à nova agricultura e aquilo que é necessário fazer na manipulação dos solos, no trabalho que temos de fazer para tornar a nossa economia mais circular, percebermos a importância de valorizar os resíduos, todas essas dinâmicas pedagógicas também estão em Serralves e há muita programação nessa área. Vamos também criar uma nova estufa. Vamos substituir a que está por uma estufa mais inclusiva que possa também valorizar a presença de jovens que tenham incapacidade física. Há também em Serralves essa preocupação que quero destacar. É um espaço muito integrador e inclusivo, em que a comunidade de Serralves que a cidade do Porto sobe valorizar e apropriou-se deste espaço como um espaço de excelência que a cidade tem e gosta de apresentar.

Não é natural do Porto, mas não é uma estranha no Porto.

Eu conheço o Porto há muitos anos, sou natural de Vila Nova de Famalicão. Sou minhota e desde sempre que a minha vida foi entre Coimbra, Famalicão e Braga onde tenho grande parte da família materna. Portanto, o Porto foi sempre para mim uma cidade presente desde criança. Realmente, penso que Serralves nesse sentido foi realmente inspirador de uma apropriação dos espaços verdes urbanos da cidade do Porto muito singular no contexto nacional. Serralves também tem tido um papel muito interessante nesse aspeto de inspirar uma dinâmica de valorização dos espaços verdes urbanos que hoje o Porto se pode orgulhar de ter. Hoje já se está a trabalhar a própria envolvente.

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