São Bento à Sexta

​Negrão "estranha muito" posição de Rio e alerta que pedir demissão de autarca de Setúbal é "erro tremendo"

06 mai, 2022 - 22:56 • Vítor Mesquita , Susana Madureira Martins

O vereador social-democrata em Setúbal está a ser pressionado pela concelhia local do partido a renunciar ao mandato, mas quer aguardar "para ver o que é que o PS e o PSD vão fazer". A renunciar "têm que ser as duas listas completas, não são só aqueles que lá estão, são também aqueles que se candidataram", alerta.

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​Negrão "estranha muito" posição de Rio e alerta que pedir demissão de autarca de Setúbal é "erro tremendo"

Em entrevista ao programa da Renascença "São Bento à Sexta", Fernando Negrão diz estranhar e não concordar com a posição do líder do PSD, Rui Rio que esta sexta-feira defendeu a demissão de André Martins da presidência sadina. E garante que não se candidata à câmara de Setúbal se houver eleições intercalares.

O PS chumbou a ida do autarca de Setúbal ao Parlamento para explicar a relação da autarquia com a associação que acolheu os refugiados ucranianos. Compreende esta recusa do PS quando nem o PCP recusou?

É isso, queria começar mesmo por aí. É que o PCP não recusou, antes pelo contrário. Disse 'muito bem, nós estamos aqui para esclarecer os factos e ouvirmos todas as pessoas que pretendam chamar à comissão e o PS teve uma posição que se tornou incompreensível para todas as outras forças políticas, porque todas votaram contra a posição do PS, manifestando vontade de ouvir, de ouvir essas entidades e pessoas que foram aprovadas para serem ouvidas. E por causa da posição do Partido Socialista, que não encontro explicação para ela, já falei com vários deputados também ninguém encontra ela, infelizmente, não será feita.

O argumento de que o Parlamento não é o local indicado para ouvir o autarca não colhe?

Não, por uma razão. Há um ano houve uma discussão naquela comissão, uma discussão muito longa sobre aquilo que é a autonomia do autarca e qual a relação do Parlamento com o autarca. Deve chamá lo, deve obrigá-lo a vir, deve obrigá lo a falar, convida-o. A conclusão a que chegaram todos por unanimidade, foi que a comissão parlamentar, ou seja, o Parlamento, deve convidar o autarca e desta forma respeita a autonomia do autarca. E não foi por acaso que o Dr. Fernando Medina, na altura presidente da Câmara de Lisboa, hoje ministro das Finanças, foi à comissão quando houve aquele problema com os dados dos ativistas. Foi à comissão, através de um requerimento votado favoravelmente pelo Partido Socialista e por todas as outras forças políticas.

Mas há um peso diferente nos dois casos?

Mas a sensação que se tem é essa que há aqui dois pesos e duas medidas que não é agradável.

É vereador também na Câmara de Setúbal, o centro da polémica esta semana. Houve uma reunião de câmara. Porque é que acha que o PCP agora aprovou um requerimento que obrigava este autarca, que não deu explicações na própria autarquia, a dar explicações no Parlamento?

Não obrigava. Foi um convite. Portanto, se o presidente da Câmara de Setúbal dissesse 'agradeço muito o convite, mas não tenho condições para estar presente', o Parlamento não podia reagir obrigando-o a ir.

Porque são órgãos diferentes...

Porque são órgãos diferentes. E porque as autarquias gozam de uma autonomia específica que deve ser respeitada, ao contrário, por exemplo, dos altos cargos do Estado ou dos altos cargos das empresas ligadas ao Estado e por aí adiante. E, portanto, o PCP tomou essa posição. E, na minha opinião, bem. Insistimos que nos explicasse porque é que não respondia. Porque será que o presidente da Câmara de Setúbal não responde às perguntas para esclarecer os factos? Isto é mau para ele próprio. Mas ele insistiu nesta posição e nessa posição ficou. E o silêncio mantém-se.

Tem tido uma posição diferente da da concelhia local do Partido Social Democrata. O PSD quer avançar para uma moção de censura para fazer cair a autarquia para realizar eleições intercalares. Não é a sua visão, porquê?

Não é a minha visão do todo. Por uma razão, porque se estão a indagar factos. O Primeiro-Ministro tomou iniciativas, enviou para a Comissão Nacional de Proteção de Dados, enviou para o Ministério da Coesão Territorial que, por sua vez, enviou para o Ministério das Finanças que, por sua vez, enviou para a Direção Geral de Finanças. No âmbito do Parlamento aprovámos um conjunto de audições. Da sua maioria foram, foram aprovadas e vão ser realizadas a curto prazo.

Há aqui um conjunto de diligências e não queria chamar a investigação porque está muito conotado com a área criminal e não há aqui nada que tenha a ver, para já, e não prevejo que isso aconteça, que tenha a ver com a área criminal e, portanto, decorrendo tudo isto, nós temos que aguardar e ver o resultado das diligências.

Mas há aqui um braço de força entre si e a concelhia?

Não há nenhum braço de força. Cada um tem a sua opinião. Eu tenho a minha posição, eles têm a deles, eu não abdico da minha por uma razão. Sabe qual é? Eu fui eleito pelos setubalenses. Eles não foram.

E não vai de todo apresentar essa renúncia nos tempos mais próximos.

Não, não. Eu aguardo para ver o que é que o PS e o PSD vão fazer. Se, obviamente, eles renunciarem aos mandatos e têm que ser as duas listas completas, não são só aqueles que lá estão, são também aqueles que se candidataram. Têm todos que renunciar para fazer cair o executivo camarário. Nessa altura eu tenho quando reponderar por uma razão: porque a representatividade com origem nas eleições fica completamente alterada e nesse sentido, eu admito reponderar e até apresentar também a minha renúncia nessas circunstâncias.

O presidente do PSD disse esta sexta-feira que o autarca não tem condições para continuar. Na sua leitura André Martins deve demitir-se? Está de acordo com essas declarações?

Não, não estou de acordo. Acabo de dizer que não estou de acordo com essas declarações e acrescento que muito me admira, porque não é essa a informação que eu tenho das conversas que tenho tido, não com ele, mas com terceiros que conversam com ele.

Tem recebido indicações do PSD nacional?

No sentido de que a minha posição é a posição correta. São essas indicações que eu tenho recebido, por isso estranho muito essas declarações.

E neste momento é de evitar eleições intercalares na Câmara de Setúbal?

Neste momento é de evitar, todas estas diligências estão a ser realizadas e a curto prazo elas terminarão. Se nessa altura nós tivermos factos relativamente aos quais tinhamos um grau de alguma certeza de que, de facto, havia circunstâncias muito preocupantes no que diz respeito ao relacionamento entre a Câmara Municipal, as pessoas de origem russa que estavam a receber os ucranianos, obviamente, nessa altura eu serei o primeiro a dizer 'Sr. presidente da Câmara demita-se'.

E não tem sofrido pressões por parte da direção nacional do PSD para outro tipo de posição? A indicação que tem é outra?

Absolutamente nenhuma. Antes pelo contrário. Tenho falado, designadamente com o secretário-geral do partido e sempre recebi apoio para estas posições. E eu estranho isso por uma razão. Tenho outra informação que brevemente vai reunir a Comissão Política e nessa altura será definida a posição do partido. Por isso, acho essa declaração estranha.

E essa reunião da Comissão Política irá realizar se quando?

Na próxima semana. No princípio.

No princípio da próxima da próxima semana. E poderá haver novidades?

Sim. Veremos qual é a posição da Comissão Política.

E qual é que desejava que fosse a posição da Comissão Política?

Quer dizer, eu tenho sempre dificuldade em estar a dar uma opinião antes da reunião, porque não quero condicionar a opinião de ninguém. Mas a minha posição é conhecida. Não é esta a altura, não é, para deitar os foguetes e fazer aqui um número de demissão do presidente da Câmara. Porque decorrem diligências e essas diligências têm que aparecer com resultados, pois mediante os resultados que apareceram, aí sim nós decidimos.

E isso só favoreceria, por exemplo, o Partido Socialista se houvesse eleições intercalares e apressar-se este processo de fazer cair a presidência?

Sim, tenho essa opinião, até por outra razão, porque é preciso ter muito cuidado quando se despoleta uma crise e principalmente quando se planta uma crise que pode levar a que caia o órgão que foi eleito, porque as pessoas não gostam dessas coisas. Portanto, fazer isto com esta pressa como o PSD local está a fazer e a fazer isto, querendo liderar o processo e às vezes parece que pedindo ao PS quase de uma forma insistente para que apoiem esta posição é um erro político tremendo, porque nós podemos chegar ao fim da linha, ou seja, destas diligências e o presidente da Câmara pode não ter responsabilidades. Pode haver outros com responsabilidades até antes dele, porque este homem é presidente da Câmara de Setúbal há meia dúzia de meses.

Está a falar de Maria das Dores Meira?

Estou a falar da anterior presidente ou de outras pessoas que integraram o executivo camarário, nessa altura. Eles também estiveram e, portanto, esses senhores que nós estamos a falar vêm de andar quatro, cinco anos a, trabalhar na Câmara Municipal de Setúbal, a receber aquelas quantias foram solicitadas todos os anos, que não acontece com mais nenhuma associação de Setúbal. Só que está aqui um conjunto de informações muito preocupantes. Precisamos ter um grau de certeza e essas diligências estão a ser feitas.

A ministra da Presidência garantiu que o Governo agiu depois das notícias da Renascença, que em Março dava conta de uma lista do Alto Comissariado das Migrações que incluía associações pró-Rússia. Tem conhecimento de alguma ação do governo?

Não tenho conhecimento, a não ser aquelas que eu referi há pouco, em que o Primeiro Ministro enviou para a Comissão Nacional de Proteção de Dados para indagar e enviou também ao Ministério da Coesão Social e neste momento está na Inspeção-Geral de Finanças, porque tem competências na área da elaboração de inquéritos e sindicâncias.

Que grandes questões aqui a esclarecer neste caso?

Se me perguntasse qual é a razão com que devíamos estar preocupados, eu diria que é saber se, de facto, os dois, as duas pessoas, o casal russo que estava a receber os refugiados ucranianos alguma vez enviaram os dados pessoais que recolheram para um terceiro país.

O Presidente República defendeu que seria bom que se ficasse a saber mais sobre a realidade associativa em Portugal, após ter sido noticiado que estes dois russos são acompanhados pelos serviços de informação desde 2014. Concorda?

Concordo, claro. Por que é que a situação tem de estar circunscrita a Setúbal? E esta pergunta tem que ter uma resposta. E essa resposta está a ser estudada para se perceber se isto foi para além da cidade de Setúbal, se há mais zonas do país onde isso acontece.

A comunicação social já deu notícia, aliás, de mais dois ou três sítios onde isto acontece e a resposta dos respetivos autarcas foi 'nós não sabíamos nada, não fazíamos ideia que essas pessoas pudessem ter ter alguma ligação a terceiros'. Agora, no caso de Setúbal, é mais grave porque há um problema de bom senso, no mínimo de bom senso. O que está por trás disso tudo, o pano de fundo disto tudo é uma guerra. A Rússia invadiu a Ucrânia e invadiu brutalmente. Quando nós temos uma guerra na Europa, como é que é possível numa câmara municipal porem dois russos, duas pessoas russas, a receber ucranianos?

Podem ser anti-Putin. Podem ser contra a guerra. Podem estar ao lado dos ucranianos, mas psicologicamente isso não faz sentido nenhum. Agora, o que nós sabemos é que essas duas pessoas têm ligações muito profundas à Rússia e ao regime de Putin.

No caso de haver eleições intercalares para a Câmara de Setúbal ainda este ano, se o Dr. Fernando Negrão está disponível para encabeçar a lista que se apresentar pelo PSD, a esta autarquia, na corrida a esta autarquia?

Não estou disponível, não serei candidato a Câmara em nenhuma, incluindo Setúbal, em próximas eleições.

E terminou a sua carreira autárquica?

Sim, terminou. De facto, eu tenho 66 anos, já tenho idade para ter juízo e principalmente para ter algum bom senso. A vida de autarca é uma vida muito difícil, é uma vida muito exigente e por isso há pessoas mais novas e com certeza mais aptas para o exercício do mandato.

O seu mandato termina quando acabar o mandato desta Câmara, desta atual composição da Câmara.

Como diria um militar ou um polícia: 'afirmativo'.

Em relação ao PSD, que está a caminho de eleições internas, apoia algum dos candidatos?

Apoio um candidato que, na minha opinião, está mais virado para o futuro, que é o candidato Jorge Moreira da Silva tem um currículo extenso, um currículo não só a nível nacional como a nível internacional. De grande projeção, aborda assuntos que têm a ver com o futuro e não tem a ver com o passado. O presente tem uma perspetiva para o país e uma ideia para o país, que é uma ideia de tranquilidade e uma ideia tranquila, o futuro do país. E sei que fará política com tranquilidade e o país está a precisar de tranquilidade, porque não pode continuar a viver este 'stress' terrível que não leva a que se resolvam os problemas fundamentais do nosso país.

Esta semana também não houve muita tranquilidade no grupo parlamentar do PSD, à boleia das alterações às leis eleitorais e também da revisão constitucional. O Dr. Rui Rio decidiu lançar essa discussão para eventualmente avançar já com com essas alterações e essas propostas na Assembleia da República. Qual é a sua posição, tendo em conta que o grupo parlamentar não foi totalmente unânime em relação a esta opção.

O grupo parlamentar do PSD normalmente não é totalmente unânime. O PSD como sabemos tem uma tradição de grande dissidências internas que têm origem de pontos de vista diferentes e se quiserem expor aspetos negativos, mas também têm aspetos positivos, quer dizer que há liberdade para se discutir as coisas, a liberdade de divergir, a liberdade para levantar problemas quando eles, quando eles surgem relativamente a qualquer questão que diga respeito ao país. E eu acho que isso tem esse lado positivo.

O Dr. Rui Rio, está à beira de sair da direção do partido e, portanto, eu acho que é de alguma forma compreensível que queira mostrar o trabalho que realizou para deixar uma marca da sua passagem pelo PSD.

Eu acho que foi essa a tentativa que ele fez. Podemos considerar que poderia ter escolhido outra altura que não a altura da discussão do Orçamento. Muito bem, mas isso foi resolvido na reunião do grupo parlamentar.

Precisamente o grupo parlamentar tem novo líder. Deve manter-se tudo como está?

Eu não sei porque normalmente nestas coisas, quando muda a direção do partido, fala-se em pôr os lugares à disposição. Contudo, o PSD, como eu dizia há pouco, não é só o país que precisa de tranquilidade, o PSD acho que ainda precisa mais do país, de alguma tranquilidade.

E eu espero bem que ganhe quem ganhar estas directas que sejam respeitados por terem ganho as directas e que quem ganha respeite aquilo que se passa e que está organizado no grupo parlamentar e portanto que haja aqui alguma harmonia e vontade de que essa tranquilidade regresse para que o PSD se vire para o país e para os portugueses e deixe de estar virado exclusivamente para si próprio.

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