24 nov, 2024 - 21:37 • Alexandre Abrantes Neves
Mil pessoas, três exposições e cinco sessões, que foram desde a política até à inteligência artificial. Terminou o Meeting Lisboa 2024, o encontro cultural promovido por um grupo de crentes ligados ao movimento Comunhão e Libertação e que decorreu este fim-de-semana na Cantina Velha da Cidade Universitária, em Lisboa.
À Renascença, Catarina Almeida, coordenadora-executiva da Associação Cultural Meeting, faz um balanço “muito positivo” da edição deste ano, que pretendia responder às perguntas “Que quer dizer esta solidão imensa? E eu, o que sou?”. Dois dias depois, a responsável acredita que quem passou pelo Meeting Lisboa conseguiu encontrar respostas.
“Todos estes momentos revelaram aos meus olhos que esta solidão imensa, em primeiro lugar, é a condição para poder encontrar a companhia (…). A comunidade dos nossos amigos, da nossa família, no caso da Igreja [também]. (…) E acho que foi isso que as pessoas viram quando falámos de inteligência artificial ou com o abade de Cister, encontraram respostas. (…) Esta solidão está habitada por um sentido bom”, assinalou.
Sobre o próximo ano, a organização ainda não adianta pormenores, mas Catarina Almeida deixa a garantia que o método para a próxima edição não vai mudar: “levar a sério as perguntas que vivemos e dialogar sobre as pistas e respostas”. E, claro, contar com os voluntários.
Meeting Lisboa 2024
Um grupo de jovens com 14 anos decidiu contar a vi(...)
“Toda a estrutura baseia-se em voluntários. Hoje de manhã, impressionou-me muitíssimo entrar aqui e ver que alguém estava a dar o seu tempo livre, a sua inteligência e a sua vontade. É verdade que já não trabalhamos de sol a sol, mas trabalhamos muito e temos aqui pais de família, temos aqui mães com trabalhos também exigentes, jovens que têm exames”, aplaude.
A manhã deste domingo foi dedicada à inteligência artificial (IA) e aos impactos que tem e terá em várias áreas da sociedade, nomeadamente a medicina, a educação, a indústria e a economia. E quanto à fé? “Isso ainda é uma descoberta que vamos fazer, depois marcamos um encontro para isso”, diz, entre risos, Catarina Almeida.
Mas o desafio está lançado e, este ano, o Meeting Lisboa já começou a dar passos para compreender as “consequências antropológicas da IA”. Helena Canhão, diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, abriu as hostes da sessão deste domingo para falar sobre a influência destas inovações tecnológicas no tratamento de doentes.
Esta especialista aponta que a IA já tem sido utilizada para tornar o diagnóstico de certas doenças mais eficiente, como o cancro. Mas há sempre o reverso da moeda e, para cada potencialidade da IA, há “quase sempre” um risco associado, que pode pôr em causa o bem-estar do doente.
O exemplo mais comum destes pontos negativos passa pela relação “médico-doente” – e no facto de uma máquina “nunca substituir a relação humana, que percebe as crenças, barreiras e contexto”. Mas, para esta médica, há outro ponto a assinalar, menos óbvio: o “acesso a imensa informação” que altera o momento do diagnóstico.
“Por exemplo, se eu estiver amarela e for pesquisar. Antes, a variação de respostas do Google era muito ampla – tanto podia dizer que era porque tinha comido demasiadas cenouras como por ter cancro (…). Agora o ChatGPT, apresenta sintomas mais detalhados e até corretos, faz uma história clínica pormenorizada. Os doentes chegam ao consultório já com um diagnóstico pensado. Como é que é suposta lidarem com tanta informação?”, questionou perante uma plateia de mais de 200 pessoas.
O “carácter único do toque humano” é também o ponto destacado por Joana Correia Monteiro, professora universitária nas áreas de ética, educação e filosofia. Também na sala de aula a relação entre aluno e professor é essencial para a aquisição de conteúdos.
Apesar dos riscos, esta doutorada em Literatura pede “equilíbrio” no tratamento destas ferramentas: ignorá-las não é a solução, a chave está em conversar com os alunos sobre elas.
“Eu tenho alunos que estudam com o ChatGPT aberto, com resumos que vêm de lá. Se esta é a forma certa? Depende, mas também pode ser útil”, acredita. E não só os alunos – também os professores podem beneficiar com estas ferramentas, diz.
MEETING LISBOA 2024
Mauro Giuseppe Lepori é um dos oradores do Meeting(...)
“Pode ser útil para os professores, em tarefas que vão para lá do cuidado com os alunos. Por exemplo, pedir dez exames e olhar para as perguntas e tentar perceber se vale a pena integrar ou inspirar alguma no enunciado”.
Na indústria, a história não é muito diferente. Nuno Flores, engenheiro industrial de formação, confessa-se um “otimista em relação à IA” porque vai “permitir dar um sistema nervoso central às fábricas para tomarmos melhores decisões”, nomeadamente em áreas como o planeamento dos recursos humanos e a monitorização da produção.
A “indústria 4.0”, o nome deste novo cenário do qual já se começa a ouvir falar, vai permitir “gerar valor” para a sociedade e assegurar tarefas onde não faz sentido ter pessoas: “não podemos permitir que as pessoas façam trabalhos que impactam negativamente a saúde”.
O economista Luís Cabral também prefere afastar os futuros cinzentos sobre a inteligência artificial: “nós já somos dominados pelas máquinas, com os telemóveis e redes sociais, ou não?”.
Este professor universitário na New York University há mais de uma década puxa dos padrões históricos para analisar o surgimento e crescimento da inteligência artificial.
“Isto já aconteceu antes, com a eletricidade e internet. Há um padrão de destruição de empregos, mas não de desemprego – é diferente. Há uma transição, criam-se empregos também.”
Como isto vai acontecer agora com a IA é “difícil de prever”, mas nem por isso esta deixa de ser uma “conquista da Humanidade”: “Teremos mais tempo, o que é muito importante para nós”, conclui.