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João Paulo II não beijou o chão em Timor, mas garantiu à Renascença: "Todos os dias rezo especialmente por esta ilha"

09 set, 2024 - 07:30 • Ângela Roque

Quando chegou a Dili, em 1989, o então Papa João Paulo II não beijou o solo no aeroporto, mas beijou uma cruz no chão da catedral. Dois anos depois, quando visitou Portugal, o Papa garantiu, em entrevista exclusiva à Renascença, que Timor estava sempre na sua oração, e que o gesto que teve foi uma homenagem ao sofrimento dos que lutavam pela independência.

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Reportagem de Aura Miguel, com declarações do Papa João Paulo II (11 de maio de 1991)
Reportagem de Aura Miguel, com declarações do Papa João Paulo II (11 de maio de 1991)

João Paulo II esteve em Timor-Leste a 12 de outubro de 1989. Sendo um território administrado por Portugal, como reconheciam as Nações Unidas, mas ocupado militarmente pela Indonésia, país que o Papa estava a visitar, o Vaticano considerou, na altura, que não fazia sentido o Santo Padre voltar a beijar o solo à chegada a Dili.

De facto, o Papa não beijou o chão timorense, no aeroporto, mas beijou uma cruz sobre uma almofada no chão do altar da catedral de Dili, num gesto que explicaria em exclusivo à Renascença dois anos mais tarde, quando visitou Portugal.

Em declarações à jornalista e vaticanista Aura Miguel, durante o voo papal entre Lisboa e Angra do Heroísmo, a 11 de maio de 1991, João Paulo II manifestou a sua proximidade para com o povo timorense e a sua luta pela independência.

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"Espero que o problema de Timor seja resolvido segundo os princípios da justiça" - João Paulo II

Espero que este problema de Timor Oriental seja resolvido segundo os princípios da justiça, segundo os direitos humanos e nacionais. E, se se trata de sofrimento, falámos dos sofrimentos durante a minha presença e na minha celebração na ilha. Mantive sempre muitos contactos com o bispo que lá está, Monsenhor (Ximenes) Belo, e também prestei, de modo especial, uma homenagem a estas vítimas, beijando o altar e beijando o chão do altar”, afirmou o Papa.

Nesta visita, que teve lugar meio ano antes do massacre em Dili (que ocorreu a 12 de novembro de 1991), o Papa assegurou ainda: “esquecer Timor não corresponde à minha verdade íntima, porque todos os dias rezo especialmente por esta ilha”.

As declarações do Papa foram transmitidas pela Renascença num direto com a jornalista Aura Miguel, logo após a aterragem do avião papal nos Açores, que podemos recordar aqui.

Apesar das críticas de alguns setores, e de alguma incompreensão inicial para com o gesto na deslocação a Dili, a proximidade de São João Paulo II para com o povo de Timor foi recordada e sublinhada, aquando da sua morte, em 2005, pelos principais dirigentes timorenses.

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"Todos os dias rezo especialmente por esta ilha" de Timor - João Paulo II

O atual presidente, Ramos Horta, disse que perdeu “um amigo e uma grande figura histórica que recolocou Timor-Leste no mapa do mundo", porque “a visita de 1989 permitiu voltar a chamar a atenção da comunidade internacional para a situação em que se encontrava Timor, então ocupado pela Indonésia".

E desdramatizou o facto de o Papa não ter beijado o chão à chegada. “Foi um gesto imprevisto, mas cheio de sabedoria, que tirou argumentos aos que o criticariam por não beijar diretamente o solo, como fazia sempre que visitava um local pela primeira vez”.

"O povo de Timor-Leste recorda com gratidão a visita papal quando Timor já tinha sido votado ao esquecimento”, sublinhou ainda, considerando que João Paulo II se trata “de uma das figuras mais marcantes dos séculos XX e XXI. Foi ele a força moral que levou ao desmoronamento do sistema soviético e ajudou a libertar a Europa Central, de Leste e os países bálticos".

Também o bispo emérito de Dili, D. Carlos Ximenes Belo, recordou que “contra todas as críticas e incompreensões, Sua Santidade, aproveitando a visita à Indonésia, quis estar com o povo timorense umas horas, celebrando a Eucaristia em Dili (na altura, capital da vigésima sétima província da Indonésia)”.

Numa nota publicada a 23 de janeiro de 2011, D. Ximenes recordou que o Papa “no aeroporto de Dili não beijou o solo timorense. Mas fê-lo na Igreja Catedral, em Vila Verde. Depois de ter benzido a nova Catedral de Dili e de ter falado ao clero ali reunido, dirigimo-nos para Taci Tolu, onde o Papa celebrou a eucaristia para cerca de 150 mil pessoas. Depois da missa, alguns jovens timorenses fizeram uma manifestação diante do altar papal, gritando: ‘Viva João Paulo II! Viva Timor-Leste Independente’ “.

“O Santo padre assistia àquele ato com muita calma e silêncio. O administrador apostólico sussurra-lhe aos ouvidos: ‘Santidade, eles querem manifestar-lhe a sua situação de sofrimento e de falta de liberdade’. O Papa apenas dizia: ‘Capito!’ (compreendo)”.

“Para recordar a visita de João Paulo II foi colocada em Dili uma grande estátua do Papa (sete metros de altura), para que ele, qual Bom Pastor sempre vigilante, olhe para a cidade de Dili com amor de pai e defensor da liberdade!”, escreveu ainda.

Timor-Leste volta agora a receber a visita de um Papa, com Francisco a deslocar-se ao território 25 anos depois do referendo à independência.

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