12 dez, 2023 - 15:30 • Liliana Monteiro , Ana Catarina André
Seis meses depois de ter sido criado, a pedido da Conferência Episcopal Portuguesa, o grupo Vita enviou 16 denúncias para o Ministério Público. Entre maio e novembro deste ano, o grupo identificou 45 situações, a maioria das quais entre as 278 chamadas telefónicas que recebeu relativas a situações de abusos sexuais na Igreja.
De acordo com o relatório de atividade deste organismo liderado pela psicóloga e coordenadora Rute Agulhas, foram identificadas 64 alegadas vítimas, assim como um leigo que cometeu crimes sexuais no contexto da Igreja, e que pediu ajuda para ter acompanhamento psicológico. Quando chegou ao grupo Vita “o caso já tinha sido sinalizado às entidades competentes (penais e canónicas)”, lê-se no documento.
Durante este primeiro período de atuação foram “sinalizadas às estruturas eclesiásticas um total de 45 situações, e à PGR/PJ, 16”. A discrepância de números é justificada com o facto de alguns dos visados terem falecido ou já se encontrarem sob investigação.
Das 45 sinalizações, Rute Agulhas esclarece que “70% são novas e que 30% tinham sido sinalizadas previamente à Comissão
Independente”. “São pessoas que nunca tinham contactado a Comissão Independente
e que falaram agora. Havia pessoas que já tinham falado no passado, por
exemplo, com o esposo, a esposa ou a irmã, ou uma melhor amiga, mas que não
tinham depois traduzido isso em qualquer processo”, disse a psicóloga, na conferência de imprensa de apresentação do relatório e do Manual de Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adultos Vulneráveis no contexo da Igreja Católica em Portugal.
Das pessoas identificadas como vítimas, “três eram pessoas adultas que não preenchiam os critérios de adulto vulnerável à data da situação. Neste contexto, estas situações foram entendidas como uma violação do 6.º Mandamento do Decálogo e sinalizadas diretamente aos respetivos Bispos Diocesanos”. Dois dos três adultos são do sexo feminino, tendo o mais novo 19 anos de idade. Os restantes encontram-se no escalão etário dos 40 anos.
Olhando para o universo das vítimas estas têm hoje entre os 19 e os 74 anos mas, na altura dos abusos que relatam, tinham entre os 6 e os 25 anos, “sendo a idade mais prevalente a dos sete anos, seguida dos 10 e dos 11 anos”.
Questionadas sobre a que período temporal se referem os abusos, as alegadas vítimas apontam factos que se situam entre o ano de 1960 e 2023.
A maioria das vítimas é do sexo masculino (56.4%), todas elas são de nacionalidade portuguesa e residem na sua maioria na zona centro e norte do país, seguida depois da zona sul e ilha da Madeira.
Atualmente pouco mais de 41.4% encontra-se divorciada ou separada, a maioria das vítimas vive sozinha e cerca de 67% refere ter filhos.
Avaliado o nível de escolaridade, o relatório aponta que “a maior parte das vítimas tem o ensino secundário concluído, ou o 9.º ano e cerca de 23% tem uma licenciatura (pré Bolonha)”.
Quanto à situação profissional, 40% está no ativo, aproximadamente 26% encontra-se reformada, três são estudantes e cerca de 20% estão no desempregado ou sem ocupação.
No que à religião diz respeito, mais de metade das vítimas considera-se católica.
O relatório mostra que à data dos alegados factos, “a grande maioria das vítimas (71.8%) vivia com a família nuclear e cerca de 18% em instituição”.
De acordo com o grupo Vita, “cerca de metade das vítimas só agora revelou os abusos". "Na sua grande maioria não foi apresentada denúncia pela vítima ou outra pessoa às estruturas da Igreja, nem aos Órgãos de Polícia Criminal/Ministério Público”, é dito. Na base esteve o medo de não acreditarem no testemunho, medo das possíveis consequências, vergonha e sentimentos de culpa.
Diz o grupo Vita que foi difícil às alegadas vítimas dar informação sobre a frequências dos abusos relatados. “Em termos de duração, seis vítimas referem que a situação abusiva aconteceu durante três, quatro ou cinco anos”.
De acordo com o relatório, os alegados abusadores são todos do sexo masculino, a grande maioria dos quais (89.7%) sacerdotes. Apenas quatro vítimas mencionaram ser um leigo. A grande maioria identifica o agressor com idades que variam entre os 21 e os 65 anos.
"Não temos propriamente uma faixa etária, onde a maior parte das situações se concentrem, o que nos exige uma reflexão sobre políticas de prevenção e de intervenção, pensando no clero, ao longo da vida", afirmou Rute Agulhas, na conferência de imprensa, referindo uma "transversalidade do fenómeno" que inclui as "pessoas ordenadas há menos tempo e as que já são padres, diáconos há mais tempo".
De acordo com o relatório, “a maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram sobretudo no confessionário, seguindo-se a sacristia, gabinete do padre, na casa de férias do padre ou na casa paroquial e no carro do agressor”.
Em todas as situações reportadas as vítimas identificam que houve “abuso de autoridade”, “confiança e familiaridade”, bem como o recurso a estratégias de “engano, confusão, surpresa”.
O documento revela ainda a descrição de algumas verbalizações que as vítimas recordam: “Dizia que era deficiente, que Deus castigou-me e que tinha de fazer as coisas que ele queria” ; “Ele era mensageiro de Deus e dizia que se passasse mais tempo com ele, Deus ia curar-me” ; “Dizia que eu era muito bonita”; “Era habitual os padres do Seminário terem «roscas», o nome que davam aos «namorados»”; “Durante o dia, em sala de aula, seduzia-me com olhares e gestos”.
Ainda segundo este relatório, “em 56.4% das vítimas, a pessoa que cometeu o crime usou toques/carícias em outras zonas erógenas do corpo, que não os órgãos sexuais, e/ou beijos nas mesmas zonas. Com 48.7% das vítimas, este comportamento ocorreu mais do que uma vez. Em 33.3% dos casos houve manipulação dos órgãos genitais.“
Há um capítulo final do relatório que esclarece qual o apoio que está a ser dado às alegadas vitimas. “Quatro requereram apoio financeiro numa fase inicial, como forma de reparação por danos morais, sendo que outras manifestaram já esse interesse e poderão vir a fazê-lo no futuro”.
Dezoito estão a ter acompanhamento psicológico, pelo menos duas estão em consultas psiquiátricas e outras quatro com apoio social.