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Exortação Apostólica "Laudate Deum"

Novo documento. Papa pede compromissos eficazes e corajosos para a crise climática

04 out, 2023 - 11:00 • Aura Miguel

Francisco não duvida que o impacto da mudança climática vai prejudicar a vida de muitas pessoas e famílias e que “sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos”. E cita os bispos africanos, para quem as alterações climáticas “evidenciam um exemplo chocante de pecado estrutural”.

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Oito anos depois da encíclica "Laudato si", Francisco publica um novo documento onde lamenta o agravamento da crise climática global e reconhece que “não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está a desmoronar e talvez a aproximar-se de um ponto de rutura.”

A Exortação Apostólica "Laudate Deum" (Louvai a Deus), publicada nesta quarta-feira, 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, atualiza, com caracter de urgência, as preocupações que Papa já tinha manifestado em anteriores documentos.

Francisco não duvida de que o impacto da mudança climática vai prejudicar a vida de muitas pessoas e famílias e que “sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos”. Na Exortação Apostólica "Laudate Deum" (Leia aqui na íntegra), o Papa cita os bispos africanos, para quem as alterações climáticas “evidenciam um exemplo chocante de pecado estrutural”.

Dados oficiais das Nações Unidas revelam que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que 50% de toda a população mundial mais pobre. E o continente africano, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado.

O Papa recorre a estes dados e acrescenta que a concentração na atmosfera dos gases com efeito estufa, que causam o aquecimento global, manteve-se estável até ao século XIX mas, de 1850 até hoje, a temperatura global aumentou 1,1 graus centígrados, fenómeno que se amplifica nas áreas polares.

Neste contexto, Francisco refere que a crise climática “não é uma questão que interesse às grandes potências económicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no mais curto espaço de tempo possíveis”. E assim, “vejo-me obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo no seio da Igreja Católica”, lamenta.

A decadência ética do poder

O Papa reflete sobre “o crescente paradigma tecnológico, nocivo e destruidor”, uma vez que “nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem”.

Se, por um lado, os recursos naturais são necessários para a tecnologia, (como o lítio, o silício e tantos outros), “o problema maior é a ideologia que está na base duma obsessão: aumentar para além de toda a imaginação o poder do homem, para o qual a realidade não humana é um mero recurso ao seu serviço”.

Francisco também denuncia “a decadência ética do poder real, disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, para influenciar a opinião pública. Com a ajuda destes mecanismos, quando se pretende iniciar um projeto com forte impacto ambiental e elevados efeitos poluidores, iludem-se os habitantes da região falando do progresso local que se poderá gerar ou das oportunidades económicas, ocupacionais e de promoção humana que isso trará para os seus filhos. Na realidade, porém, falta um verdadeiro interesse pelo futuro destas pessoas, porque não lhes é dito claramente que, na sequência de tal projeto, terão uma terra devastada,”

Para sair desta espiral, “há que favorecer os acordos multilaterais entre os Estados”, sem esquecer que “o princípio de subsidiariedade se aplica também à relação global-local". Ou seja, “são necessários espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão e, em resumo, uma espécie de maior «democratização» na esfera global, para expressar e incluir as diversas situações.”

O sonho da COP28 no Dubai

Francisco sublinha que “não podemos renunciar ao sonho de que a COP28 leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente”. Para o Papa, esta Conferência pode ser um ponto de viragem, “caso contrário, será uma grande desilusão e colocará em risco quanto se pôde alcançar de bom até aqui”.

Para que o sonho se cumpra, “devemos superar a lógica de nos apresentarmos sensíveis ao problema e, ao mesmo tempo, não termos a coragem de efetuar mudanças substanciais”. E, sobretudo, acabar “com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, «verde», romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses económicos”, escreve o Santo Padre.

E “para que a COP28 se torne histórica”, Francisco pede “fórmulas de transição energética” com três características: “eficientes, vinculativas e facilmente monitoráveis, a fim de se iniciar um novo processo que seja drástico, intenso e possa contar com o empenhamento de todos".

O Papa espera também que “a intervir na COP28, haja estrategas capazes de pensar mais no bem comum e no futuro dos seus filhos, do que nos interesses contingentes de algum país ou empresa” e, assim, “possam mostrar a nobreza da política, e não a sua vergonha”.

Aos católicos e aos fiéis de outras religiões

Aos católicos, não faltam as “motivações que brotam da sua fé” e aos irmãos e irmãs doutras religiões, Francisco convida a fazer o mesmo, porque “a fé autêntica não só dá força ao coração humano, mas transforma a vida inteira, transfigura os objetivos pessoais, ilumina a relação com os outros e os laços com toda a criação”.

É importante que cada um se recorde que “não há mudanças duradouras sem mudanças culturais, sem uma maturação do modo de viver e das convicções da sociedade; não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas”.

Francisco incentiva as famílias a poluir menos, a reduzir os esbanjamentos e a consumir de forma sensata, esforços que “estão a criar uma nova cultura”, afirma. E deixa o alerta: “Se considerarmos que as emissões per capita nos Estados Unidos são cerca do dobro das dum habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo”.

É por isso que «Laudate Deum» é o título desta carta: “porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”, conclui o Papa.

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