05 ago, 2023 - 16:00 • André Rodrigues
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Seis anos após a primeira passagem por Fátima, para as celebrações do Centenário das Aparições, a visita do Papa Francisco foi mais curta, com menos peregrinos do que em 2017, mas foi vivida com a intensidade dos grandes momentos.
O dia amanheceu frio e a primeira luz da manhã que surgiu por trás da Basílica antiga era ofuscada por um teto de fumo e de cinza diretamente do violento incêndio de Castelo Branco.
“Já estivemos à beira da insolação e da hipotermia... agora estamos bem”, brinca Sandra, uma peregrina de Pombal, que chegou ontem à hora de almoço, com temperaturas acima do 30 graus e estacionou o seu grupo de 10 peregrinos com sacos, mantas e casacos, comida e águas, chapéus e protetores solares.
“Tudo o que precisamos para estar bem aqui”, acrescenta.
Porquê que vieram tão cedo? “Porque, em 2019, estivemos em Roma e não vimos o Papa".
Desta vez, contornaram a ironia da situação, precaveram-se e conseguiram lugar na primeira linha de contacto visual: "é um grande privilégio ter o Papa aqui tão perto de casa”.
Sandra tem a filha de 14 anos em Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude. “Quando vejo tanta gente, até tenho medo. Mas falamos com ela praticamente o tempo todo e sabemos que ela está bem com os responsáveis do grupo”.
Às 07h00, milhares dormiam sob o alcatrão do recinto com mantas polares a amortecer o contacto com o chão e cobertos com as bandeiras dos países ou das cidades de onde convergiram até à Cova da Iria.
Uma hora depois, o repique dos sinos da Basílica anunciava a chegada iminente do Papa. Foi o despertador para os sonos mais resistentes.
O Santuário de Fátima nunca mais foi o mesmo. A temperatura humana subiu ao primeiro aceno aos peregrinos, quando o helicóptero da Força Aérea que transportava Francisco atravessou o recinto em voo baixo.
Um misto de saudação e de reconhecimento do terreno para mostrar a receção que o esperava.
Um mar de aplausos e de vivas ao Papa ouviu-se em todo o lado.
Ato contínuo, as atenções focaram-se nos ecrãs gigantes que mostravam aquilo que a distância não permitia alcançar.
A impaciência era evidente: “nunca mais chega… o senhor sabe quando é que o Papa chega cá?”, perguntavam peregrinos espanhóis aos funcionários do Santuário e aos jornalistas.
À falta de respostas, restabelecia-se a paciência possível.
Até que Francisco subiu para o papamóvel e iniciou a marcha a caminho do encontro com os peregrinos.
A cada 10 ou 20 metros, era o próprio Francisco quem dava ordem ao condutor para imobilizar o veículo.
A cada paragem, bebés e crianças, uma atrás da outra, incontáveis, eram levadas ao colo por seguranças da comitiva papal até ao contacto com Francisco, numa invulgar demonstração de disponibilidade para tocar e deixar-se tocar pelo mar imenso de cor e de euforia.
O Papa que privilegiou esse contacto humano, demorado, disponível, como se o dia não tivesse mais agenda.
E acabou por cumprir o horário, abreviando o discurso que dirigiu aos fiéis.
Francisco preferiu sorrir, beijar, conversar. Emocionou-se e emocionou.
“Viemos de Oliveira de Azeméis às 02h00 para ver o Papa”, conta Catarina, que passou toda a madrugada em vigília juntamente com a família e outros amigos que, por coincidência, se juntaram ali no espaço reservado aos peregrinos entre a Basílica antiga e a Capelinha das Aparições.
Frio? Dificuldade em chegar a Fátima? O que interessa tudo isso quando se está ali com uma vista tão privilegiada para o momento que marca a vida desta jovem de 16 anos?
“Não fui à Jornada Mundial da Juventude, mas estou aqui para ouvir o Papa falar”.
Falar sobre o quê? “Sobre a necessidade de paz e sobre as nossas preocupações… procuramos as respostas e o Papa dá-nos pistas”.
Na Capelinha das Aparições, o Papa rezou o terço com jovens portadores de deficiência e reclusos do Estabelecimento Prisional de Leiria e usou a imagem do local central do Santuário para dar conta de como a capelinha é "uma bela imagem da Igreja, acolhedora, sem portas".
Foi a frase preparatória para reafirmar a ideia-chave deixada nesta visita papal: "A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui, também, podemos insistir que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe que tem sempre o coração aberto, para todos os filhos, todos, todos, todos, sem exceção".
Francisco improvisou e foi breve, ignorou o discurso que trazia escrito.
Antes de se dirigir ao papamóvel, cumprimentou funcionários do Santuário de Fátima, membros do clero, jovens deficientes e reclusos.
E despediu-se de Fátima em trajeto ascendente dentro do Santuário.
Fê-lo ao mesmo ritmo da entrada: lento, pausado, sorridente e disponível para aqueles que queriam vê-lo mais de perto.
“Foi o momento mais bonito que vivi”. Em lágrimas, Giseleine, uma brasileira de Minas Gerais, residente em Paços de Ferreira, ofereceu, por estes dias, a sua casa para acolher um grupo de peregrinos colombianos da JMJ.
“Foi quase como regressar a casa… foi a minha forma de viver a jornada, porque o meu patrão não me deu férias… eu bem queria ter ido”, desabafa.
Mas garante: “nunca hei de esquecer isto”.
Com o Papa lá longe a sair do olhar dos peregrinos junto à Cruz Alta, começou o movimento de saída, também ele lento, dos que por ali estiveram para viver estas duas horas de encontro.
Curtas, mas intensas.