Idades, estatuto e perfil dos agressores

Abusos na Igreja. Quase metade dos agressores tem menos de 50 anos

15 fev, 2023 - 16:12 • Ângela Roque , Salomé Esteves (gráficos)

Estudo da Comissão Independente mostra que, à data dos factos, os abusos de menores rapazes foram praticados na maioria por sacerdotes na faixa etária dos 31 aos 40 anos, mas no caso das vítimas meninas a prevalência foi de agressores acima dos 60, e 15% tinham menos de 30 anos.

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Uma das análises feita pela Comissão Independente, no relatório divulgado esta semana, relaciona o escalão etário dos abusadores com a idade e género das vítimas aquando do primeiro abuso. Os resultados mostram que, no seio da Igreja em Portugal, “a quase totalidade das pessoas abusadoras são do género masculino (96,9%)”, e que 77% são padres.

De acordo com os testemunhos das vítimas, 48,3% dos agressores de crianças “teriam entre 31 e 50 anos à data dos factos”, mas “o grupo mais importante” estaria na faixa dos 31 aos 40 anos (26,2%). Em 11,5% dos casos teriam entre 21 e 30 anos, e em 3,5% menos de 20 (ou seja, 15% no total tinham menos de 30 anos).

Os autores do estudo concluem, por isso, estarmos em presença “de uma população adulta, em idade profissional ativa, distanciando-se, em muitos anos, da idade das crianças de que abusaram”.

15% dos casos reportados à Comissão referiram-se a agressores entre os 51 e os 60 anos de idade, e 6,1% a quem tinha entre 61 e 70. Em 13,2% dos testemunhos não foi possível determinar o escalão etário do abusador.

Nos casos em que as vítimas são do género feminino é ligeiramente maior a prevalência de abusadores com idades entre os 61 e os 70 anos, ou acima disso (12% quando são meninas, face a 5,8% quando são rapazes). Já quando as vítimas são do género masculino há uma preponderância de agressores com menos de 40 anos (47,7% nos rapazes, 33,9% nas raparigas).

Nas vítimas mais jovens – até aos nove anos – 26,9% dos abusadores tinham 51 anos, ou mais. Quando o abuso ocorreu em plena adolescência (entre os 14 e os 17 anos), 48,4% dos agressores tinham menos de 40 anos.

Maioria de padres entre os agressores

Quanto ao estatuto dos abusadores na Igreja, são na esmagadora maioria sacerdotes (77%), o que – como foi sublinhado na apresentação do relatório, e é sublinhado no texto – constitui um “traço marcante da amostra portuguesa, quando comparada, por exemplo, com o estudo em França, onde essa percentagem foi de 53%”.

O segundo estatuto mais comum é o de “professor em colégio religioso (9,6%)”, sendo que em muitos casos eram também padres. Em terceiro lugar (4,5%) surge a referência a “membros de ordens religiosas diversas (abades, madres, frades, freiras, entre outros)”, seguida de seminaristas (4,3%), catequistas (3,9%), diretores de escolas ou seminários (2,5%), dirigentes ou membros de diversos agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas (2%), acólitos (1,8%), sacristãos (1,6%) e leigos exercendo funções em espaços religiosos (1%).

Menos de 1% fez referência a “chanceleres, capelães, bispos e diáconos”. Em 3,9% dos casos, as vítimas indicaram outras situações e 2,7% não sabiam, e não especificaram o estatuto do agressor.

“Perfil psicopatológico” dos abusadores

“Um dos aspetos mais complexos do tema dos abusos sexuais de menores tem desde logo que ver com as descrições científicas sobre o perfil psicológico da própria pessoa abusadora”, sublinha o relatório da Comissão Independente, que alerta para os traços comuns que é possível identificar.

Os agressores sexuais de menores, para além de serem “adultos com uma perturbação grave de personalidade”, com características “narcísicas” e “perversas”. São pessoas com “facilidade de relação, mas também de sedução e fácil manipulação do outro”, e próximas das vítimas.

“São raras as situações em que uma criança é sexualmente abusada por um elemento que é totalmente estranho ao seu próprio mundo relacional”, refere o relatório, que deixa o alerta: “Quando frustradas ou impedidas de prosseguir neste modelo de relação”, os agressores “podem reagir de forma fortemente retaliatória e até destrutiva do outro.”

O documento da Comissão Independente lembra que “um adulto que abusa sexualmente de crianças é, na enorme maioria dos casos, alguém que cedo inicia essa prática”. Os abusos são “habitualmente continuados”, e o agressor vai “repetindo sucessivamente” os crimes, que “não controla autonomamente”, e não manifesta “qualquer capacidade verdadeiramente empática pela vítima, impossibilitando-se assim de uma verdadeira noção de culpa e capacidade de reparação”.

“Uma pessoa abusadora nunca ama a criança que abusa”, e “é extremamente difícil” que assuma os seus crimes, alerta ainda a Comissão, que conclui, por isso, que “sobre diversos ângulos” o agressor “será sempre uma pessoa a necessitar de um projeto adequado e duradouro de suporte terapêutico e inibição continuada de proximidade isolada com crianças ou adolescentes”, recomendado à Igreja uma série de medidas para a deteção e prevenção dos abusos.


Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:

- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.

Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa

- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.

Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.

Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt

- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.

São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.

Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.

Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:

- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica

Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt

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