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Comunidade cristã "corre o risco de desaparecer" no Médio Oriente

09 nov, 2022 - 06:35 • Ângela Roque

​O alerta é da Fundação AIS, que esta quarta-feira lança a campanha de Natal destinada a apoiar a Síria e o Líbano, onde falta o básico para sobreviver. Em entrevista à Renascença, Catarina Martins Bettencourt fala ainda da “Red Week”, que na próxima semana vai iluminar de vermelho monumentos e igrejas, e do relatório sobre a situação dos cristãos perseguidos no mundo.

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A campanha de Natal da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) destina-se este ano ao Líbano e à Síria, países do Médio Oriente onde a população em geral enfrenta muitas dificuldades e onde a comunidade cristã corre o risco de desaparecer, à semelhança do que quase aconteceu no Iraque. Aí, a situação está nesta altura mais estabilizada, mas para sírios e libaneses os tempos são de grande incerteza e grave carência económica.

A responsável pela AIS em Portugal confia na generosidade dos portugueses para continuar a ajudar. Em entrevista à Renascença, Catarina Martins Bettencourt antecipa também a “Red Week” e o novo relatório sobre a perseguição aos cristãos no mundo, que será duvulgado dia 16. Já disponívle está o relatório sobre o Líbano e a Síria, que lança no título a interrogação: “Serão os dias do fim?”.

A Ajuda à Igreja que Sofre prepara-se para assinalar em Portugal mais uma “Semana Vermelha”. A “Red Week” vai decorrer de 16 a 23 de novembro. O que é que está previsto para alertar e sensibilizar para a perseguição dos cristãos no mundo?

Esta semana, a “Red Week”, tem sido feita nos últimos anos sempre com este objetivo de alertar para a situação dos cristãos perseguidos. Um pouco por todo o mundo haverá a iluminação de vários monumentos, igrejas e catedrais nas várias capitais onde existe a Ajuda à Igreja que Sofre.

Aqui em Portugal também teremos algumas igrejas iluminadas, e haverá um momento de oração com este objetivo de alertar e rezar por esta comunidade que é perseguida e discriminada.

Por cá, que monumentos é que este ano vão aderir à iniciativa?

Neste momento temos confirmados a Igreja dos Congregados, em Braga, e a Igreja da Ramada, no distrito de Lisboa, mas ainda estamos a fazer contactos para ver se mais igrejas se juntam a nós este ano.

Estamos num momento difícil que traz dificuldades acrescidas, e estamos a ver como fazer para podermos dar este sinal exterior, que tem sempre impacto. O Cristo Rei, em Almada, tem aderido sempre, vamos ver se é possível este ano.

Para além desta iniciativa de iluminar as igrejas, monumentos e santuários, vai ser também lançado o relatório oficial “Perseguidos e Esquecidos”. Ao que sabemos, desta vez vai centrar-se mais em África. A situação agravou-se? O que é que nos pode adiantar já nesta altura?

Este relatório será publicado no dia 16, no início da “Red Week”. Vai ser lançado em Westminster, em Londres. É um lançamento mundial, e o que posso dizer neste momento é que a situação degradou-se relativamente à comunidade cristã.

Os países serão mais ou menos os mesmos do costume: no Médio Oriente continuamos com dificuldades no Iraque, na Síria e no Líbano, mas temos a questão da África, vários países, nomeadamente a Nigéria; temos a questão de Moçambique, que nos preocupa; na Ásia, temos a China, que é sempre um país com dificuldades relativamente à religião, a Birmânia, a índia e o Paquistão, tudo países onde a perseguição e discriminação com base na religião tem vindo a aumentar.

"Serão estes os dias do fim da presença da comunidade cristã no Líbano, na Síria e no Iraque?"

O objetivo deste relatório é combater a indiferença. Tem permitido compreender melhor este tipo de violência e combatê-la? Ou seja, os alertas da Fundação AIS têm sido ouvidos pela comunidade internacional e por quem tem nas mãos o poder nestas várias regiões?

Sim. Todos sabemos a importância que o Reino Unido tem em termos de política internacional, por isso temos apresentado sempre os relatórios lá, para chamar a atenção, e temos conseguido levar delegações de alguns países.

A última que levámos ao Parlamento Europeu foi a delegação da Nigéria, para informar os deputados e as instâncias europeias. Um bispo, um padre e uma irmã, foram os três contar como é o dia a dia no país.

Portanto, estes relatórios têm algum impacto e acabam por nos abrir a porta para mostrarmos onde a comunidade cristã não está a ser ouvida e há intolerância religiosa. Tem sido muito importante para fazer lobby nestas instâncias internacionais, para que possam de facto tomar medidas concretas para ajudar esta comunidade que está a passar por estas dificuldades e muitas vezes é esquecida.

No caso da Nigéria, o bispo foi exatamente dizer isso, que estão completamente esquecidos. Usou palavras muito fortes, falou de um genocídio que estava a acontecer e que o mundo ocidental não quer saber do que se está a passar na Nigéria.

Este relatório é elaborado de dois em dois anos?

Exatamente.

Para além deste relatório sobre a situação dos cristãos, há um outro, mais global, sobre a liberdade religiosa no mundo.

Sim, são divulgados de dois em dois anos, no intervalo de cada um é publicado o outro sobre a liberdade religiosa, que fala de todas as religiões e comunidades. São 198 países que são focados nesse relatório. Agora este relatório é só sobre a comunidade cristã.

A Fundação AIS lança, entretanto, esta quarta-feira, a sua campanha de Natal. A que é que se destina este ano?

Este ano será para Líbano e Síria. Nos últimos anos temos estado muito preocupados e focados em ajudar a manter a presença da comunidade cristã nos países do Médio Oriente. Temos falado muito do Iraque, Síria, Líbano, sempre. Este ano optámos por só falar do Líbano e da Síria, porque houve pequenas melhorias na situação da comunidade cristã no Iraque.

Está mais estabilizada?

Mais estabilizada, embora enfrente ainda dificuldades. Temos zonas que eram historicamente cristãs, em que os cristãos não voltarão a viver lá, já é quase um dado adquirido, mas têm conseguido fazer a vida. Neste momento já podem ter os filhos, do jardim de infância até à universidade, em escolas católicas cristãs, há uma série de infraestruturas que já foram arranjadas e reorganizadas. Apesar da vida ser difícil e desta comunidade ser hoje muito pequena - não serão mais do que 100 mil pessoas – há, de facto, mais estabilidade.

A Síria continua em guerra – não se fala disso, mas continua - e a comunidade cristã é cada vez menor. A sua presença diminuiu drasticamente desde o início da guerra, neste momento será apenas 1% ou 2% da população, serão à volta de 200 ou 300 mil cristãos, não sabemos exatamente. O povo sírio está a sofrer muito com as sanções económicas impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Testemunhos que vamos recebendo dizem-nos que a vida neste momento é mais difícil do que no pico da guerra, a inflação tornou incomportável para uma família ter acesso a pão diariamente, ou a bens essenciais como peixe e carne. A vida da comunidade cristã neste momento depende única e exclusivamente da solidariedade de fora, sozinhos não conseguem permanecer.

Por outro lado, temos o Líbano, um país que era considerado como a Suíça do Médio Oriente, e que neste momento está a passar por uma crise económica gravíssima, com o colapso total do Estado e de todas as infraestruturas: neste momento têm só uma a duas horas de luz por dia; houve pessoas que investiram em geradores, mas não têm dinheiro para comprar o combustível necessário para os ter a funcionar; a inflação é galopante, as poupanças que existiam nos bancos pura e simplesmente desapareceram. A comunidade cristã tem saído deste país à procura de uma vida melhor.


"No Líbano todos os pilares essenciais do Estado estão a cair. Sem a ajuda da comunidade internacional não é possível manter a presença da comunidade cristã"

A situação agravou-se depois da explosão em Beirute?

A explosão acabou por ser a gota de água para a saída destas pessoas. A maioria vive também de ajudas da Igreja.

O Líbano acolheu milhões de refugiados sírios, o que teve impacto na sociedade e hoje são os próprios libaneses que estão a sofrer com isso. Todos os pilares essenciais do Estado estão a cair, e sem a ajuda da comunidade internacional não é possível manter a presença da comunidade cristã.

E não nos podemos esquecer que o Líbano era um exemplo no Médio Oriente, havia tolerância e equilíbrio entre as várias religiões, havia mais ou menos o mesmo número de cristãos e muçulmanos xiitas e sunitas. Estamos a assistir à queda da presença da comunidade cristã, e ao aumento da presença dos muçulmanos xiitas, com influência do Irão, ou seja, há um desequilíbrio na sociedade. É preciso ajudarmos.

A vossa ajuda nestas regiões é sobretudo económica?

Sim, a nossa ajuda é sobretudo para a aquisição de cabazes alimentares, para ajudar a pagar as escolas das crianças, porque as famílias deixaram de ter capacidade, para a saúde. A maioria dos hospitais estava na mão da Igreja e deixou de receber subsídios e apoios do Estado.

A nossa ajuda vai ser para estes bens essenciais: alimentação, saúde e educação, são os nossos grandes focos neste momento nestes dois países, ajudar no que é essencial, porque é o que eles neste momento necessitam.

Quando é que arranca a campanha de Natal?

A campanha arranca esta quarta-feira, 9 de novembro, e irá até ao fim do ano. Mas, creio que infelizmente a situação não irá melhorar e iremos continuar nos próximos anos com esta ajuda.

Neste momento, a nossa perspetiva relativamente ao Líbano é se houver uma intervenção do FMI, talvez a situação se consiga equilibrar um pouco nos próximos dois, três anos. Mas teremos de aguardar.

Esta campanha vai decorrer a nível internacional, não é só em Portugal?

As necessidades são tantas que somos todos nós, os 23 secretariados da AIS espalhados no mundo, que vamos estar todos a falar sobre esta situação para angariar fundos para ajudar estas comunidades.

O relatório que vamos divulgar refere que nos últimos anos já apoiámos com mais de 50 milhões de euros estes dois países do Médio Oriente, e queremos continuar para que a comunidade cristã possa permanecer.

Receiam que, com a crise, haja menos donativos para esta campanha? Têm sentido esta crise económica que é mundial?

Graças a Deus, até agora não sentimos, os nossos benfeitores continuam a ser muito, muito solidários e generosos para com todas as campanhas que vamos apresentando ao longo do ano. Mas, acredito que a crise e a inflação terão impacto nos donativos, porque cada vez temos menos dinheiro disponível para poder ajudar os outros, mas até agora, de facto, ainda não sentimos isso, dada a solidariedade. Isso é muito visível aqui em Portugal, os nossos benfeitores quando nos ligam dizem que estão a passar por dificuldades, mas sabem que estas pessoas estão noutro nível de dificuldade, e portanto fazem este sacrifício também de querer continuar a ajudar.

Esta campanha tem algum lema?

A capa do nosso relatório (sobre o Líbano e a Síria) faz uma pergunta: “Serão os dias do fim?”. Porque temos assistido nos últimos anos ao desaparecer da comunidade cristã e não sabemos, de facto, se hoje não estamos a assistir aos últimos dias da presença da comunidade cristã nestes países, que são - não nos podemos esquecer - o berço do cristianismo. Por isso colocamos esta questão: serão estes os dias do fim da presença da comunidade cristã no Líbano, na Síria e no Iraque?

Há uns anos alertámos, num relatório “Perseguidos e Esquecidos”, que em cinco anos a comunidade cristã estaria praticamente extinta no Iraque e hoje, quando olhamos para estas 100 a 150 mil pessoas, vemos que é uma comunidade muito, muito pequena. Corremos mesmo o risco da comunidade cristã desaparecer do Médio Oriente.

Quem quiser ajudar, como é que deve fazer?

Quem quiser ajudar pode ir à nossa página na internet, em fundacao-ais.pt, ou então ligar-nos pelo 217 544 000 e dizer que quer contribuir para esta campanha. Deixo o convite para que visitem o nosso site, vejam as informações e ajudem estes projetos que podem fazer a diferença na vida de uma família nos próximos tempos.

Ao todo prestam ajuda em quantos países?

Números de 2021, foram 135 países.

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