O que leva o Papa ao Canadá?

22 jul, 2022 - 06:00 • Aura Miguel

O grande objectivo desta viagem de seis dias é percorrer “um caminho penitencial” para consolidar a reconciliação com comunidades indígenas.

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O Papa Francisco parte, no próximo domingo, para o Canadá com nove discursos na bagagem, cinco dos quais dirigidos às populações nativas vítimas de algumas políticas coloniais de assimilação cultural praticadas, sobretudo, nos séculos XIX e XX.

O grande objectivo desta viagem de seis dias é percorrer “um caminho penitencial” com o desejo de consolidar o longo processo de cura e reconciliação já iniciado nos pontificados anteriores com as comunidades indígenas daquele país.

Quem vai encontrar Francisco

Na vastidão do Canadá há três grandes grupos de povos indígenas: os First Nations (Primeiras Nações), os Metis (Mestiços) e os Innuit, todos eles com grande diversidade interna, repartidos por vários povos e línguas, usos e costumes. As Primeiras Nações são predominantes na parte leste e meridional do Canadá, os Mestiços na região ocidental e os Innuit na zona norte dos esquimós do Ártico. O desejo do Papa é encontrar, ouvir e acolher o maior número possível destes autóctones.

Nos finais de março, representantes destes grupos, acompanhados por alguns bispos canadianos, vieram ver o Papa ao Vaticano. Francisco garantiu-lhes que a “Igreja está do vosso lado e quer continuar a caminhar convosco” e despediu-se com a promessa de visitar os seus territórios. É por isso que a visita papal inclui apenas três cidades onde se encontram as principais reservas de indígenas: Edmonton, capital da província de Alberta; Quebec, a cidade mais antiga do Canadá onde, além das autoridades políticas, também encontra delegações de índios; e Iqaluit, a capital do território de Nunavut, a 300 km do Círculo Polar Ártico, terra que alberga a população Innuit que usa igloos e se estende pela Groenlândia e Alasca. Cada um destes grupos tem grande autonomia e forte identidade, com assembleias e orgãos representativos e autoridade própria.

A raiz do problema

A razão pela qual o Papa quer encontrar-se com estas populações prende-se com os processos de colonização dos séculos passados, nem sempre respeitadores da doutrina da Igreja. Em causa, a promulgação do “Indian Act”, documento do governo canadiano promulgado em 1867, com um plano de actividades para a gestão de assuntos indígenas.

Além do confinamento dos autóctones em “reservas” territoriais, foi estabelecido o sistema de “escola residencial” para cerca de 150 mil crianças e adolescentes indígenas, obrigados a separarem-se das famílias e forçados a serem educados por critérios europeus, para “assimilarem a cultura ocidental”.

A educação, financiada pelo Estado, foi confiada a alguns colégios de congregações missionárias católicas, anglicanas e protestantes. Investigações recentes revelam que, ao longo de um século, as más condições de vida e nutrição, associadas à rigidez e dureza dos métodos educativos, levaram ao aumento da tuberculose e da mortalidade infantil. Na década de 50 do século XX, ex-alunos e familiares começaram a denunciar também os sofrimentos, violência e abusos cometidos sobre estas crianças, até que em 1991, os povos nativos formaram uma Comissão para estudar e aprofundar o assunto, com denuncias e pedidos de indemnização que culminou, em 2005, com o “Acordo sobre escolas residenciais indígenas”.

Mais tarde, em 2008, com o envolvimento das igrejas cristãs, foi também criada uma “Comissão da Verdade e Reconciliação” e o próprio Papa Bento XVI recebeu no Vaticano uma delegação de líderes indígenas a quem pediu perdão. Mais recentemente, em 2015, novas investigações desta Comissão apontam para três mil crianças mortas, quase todas enterradas em 215 fossas comuns sem, no entanto, especificarem quais delas frequentavam colégios católicos, anglicanos ou protestantes.

Independentemente das provas, todas as igrejas cristãs envolvidas já pediram perdão e aprovaram planos de indemnização às vítimas (algumas delas ainda são vivas) ou aos seus familiares.

Nesta viagem do Papa ao Canadá, além dos cinco encontros com representantes dos povos indígenas, destaque para o discurso que fará às autoridades do país, na cidade de Quebec, e também para o número dos compromissos de agenda, desta vez, um pouco mais aligeirados, a pensar na fragilidade do joelho que o tem obrigado a recorrer ao uso da bengala ou da cadeirada rodas.

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  • Ivo Pestana
    25 jul, 2022 Funchal 20:34
    É uma peregrinação penitencial, pelos erros que cristãos cometeram contra índigenas canadianos e também não esquecer todas as outras vítimas por liberdade de expressão, por pedofilia e por outras asneiras humanas. O Santo Padre é um bom exemplo de cristão.

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