17 dez, 2021 - 07:38 • Ângela Roque
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O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reconhece que o atual sistema de escolha de bispos não é perfeito.
Em entrevista à Renascença, D. José Ornelas fala sobre o Sínodo convocado pelo Papa Francisco e defende que não há necessidade de o padre continuar a ser “o chefe de tudo” e que deve ser dada mais responsabilidade aos leigos e às mulheres na Igreja.
A Igreja vive nesta altura um momento especial de consulta, tendo em vista o Sínodo sobre a Sinodalidade, que foi convocado pelo Papa. Este caminho sinodal está a correr como previsto em Portugal?
Estamos na fase inicial da primeira fase.
Mas que ecos é que tem tido?
Aquilo que tenho ouvido na minha diocese, mas também de outras, é que logo que se começou a trabalhar houve a clara impressão de que era preciso estender o prazo que estava previsto: era para terminar em março, vai terminar só em agosto.
Porque tem havido interesse das pessoas em participar?
Há interesse, e não é só isso. Isto não é uma questão de inquérito de opinião, não é simplesmente dizer "o que é que pensa sobre isto?". É um processo que, por si só, deve mudar a metodologia de ser Igreja.
O Sínodo anterior dos jovens foi o primeiro ensaio disto, foi a primeira vez que os bispos se reuniram em Roma e, antes, lançou-se um processo de consulta aos próprios jovens, a nível mundial, para saber o que pensavam. Aqui não é isso, é organizar dentro de cada comunidade, a nível mundial - e as comunidades todas a participar significa um movimento muito interessante -, para ver quais são as atitudes que têm de mudar, para serem mudadas.
O processo não acaba aqui, o que vamos entregar não é um inquérito que vamos responder, vamos interrogar-nos como comunidade sobre aquilo que somos, como somos e fazemos: como fazemos missão, como é a autoridade entre nós, como é que suscitamos criatividade dentro das nossas comunidades, como é que somos Igreja juntos.
Vou dar um exemplo: na Diocese de Setúbal comecei a fazer uma visita às comunidades virada para os jovens, e não foi simplesmente dizer aos jovens "é preciso participar", criou-se um Conselho de Jovens dentro da comunidade, não para dizer "agora quem manda são os jovens", porque as comunidades devem ter o seu próprio Conselho, mas é estranho que lá não estejam representantes dos jovens e que não se oiça o pulsar do seu coração, os seus projetos. Só o facto disto estar a ser implementado já está a mudar a comunidade. Estamos a aprender a ser, ou a redescobrir as raízes daquilo que é o ser cristão, que não é simplesmente realizar coisas, mas ser-se de um modo novo participantes na vida da Igreja e da sociedade.
A intenção do Papa é valorizar mais a participação dos leigos e das mulheres, ele próprio tem dado o exemplo ao nomear mulheres para cargos que nunca tinham sido ocupados antes no feminino. Na Diocese de Setúbal o senhor nomeou este ano uma leiga como chanceler da Cúria diocesana, e tem uma mulher a fazer assessoria de imprensa, mas a nível nacional o panorama é um bocadinho diferente. Porquê?
Em Fátima também têm a doutora Carmo Rodeia… Dá-me muito gosto que sejam senhoras, mas nenhuma foi nomeada por uma questão de quotas. É uma questão de competência, de saber fazer e fazer bem, e estou muito contente, porque de facto acredito nisto.
Nas nossas igrejas há uma tendência em ter padres à frente de todos os secretariados, o mais comum era isso. Agora, a ideia que está a prevalecer é outra. Também na organização da Jornada Mundial da Juventude, quem está à frente são os jovens.
Os padres é bom que lá estejam, é bom e necessário, porque a ligação com a comunidade não se perde. O bispo na sua diocese não é aquele que manda, mas é antes de mais aquele que liga todos os aspetos da vida. Se pretender mandar em tudo, vai ser um desastre, porque não percebe de tudo, nem pode perceber, nem é necessário, porque há outros que sabem. Isto é uma riqueza para a Igreja, o contar com todos, e o contar com a masculinidade e a feminilidade, porque senão ficamos uma Igreja muito monotónica. O Evangelho é dito em tantas línguas, tantas sensibilidades, tantas maneiras de ser, é isso que contribui para a riqueza da Igreja, e ninguém ficou excluído.
A primeira a quem foi anunciado o Evangelho foi a Maria, uma mulher, e quem aguentou junto à Cruz foram mulheres, os homens deram todos à sola. E as primeiras testemunhas da Ressurreição foram as mulheres. Isto é, temos de entender - e isto não é para dizer que uns são melhores do que os outros – que a Igreja precisa de todos e conta com todos, não é simplesmente uns que mandam e os outros que dizem "Ámen". Não há necessidade que seja o padre a ser o chefe de tudo, agora que ele seja o elemento da comunhão da sua comunidade, isso é muito importante.
Explicador
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Tivemos, recentemente, a nomeação pelo Papa de novos bispos, para Viana do Castelo e Braga, sendo que em ambos os casos se assistiu à transferência de prelados que estavam noutras dioceses. Estes processos não são demasiado morosos?
São. Por natureza leva tempo, e isso às vezes não é bom. Penso que devemos mudar o processo em dois pontos: um no âmbito das consultas para nomeação de bispos, e depois agilizar o processo para que se possa chegar mais rapidamente a dar soluções às dioceses, porque períodos muito longos de ausência, ou de sede vacante, não são úteis para as comunidades, não é positivo.
Agora, temos de ter também em conta isto: nos Atos dos Apóstolos diz-se: "consultaram a comunidade, formaram um grupo eleito, mas depois deitaram as sortes para…". Isto é, a questão da autoridade, da liderança na Igreja, não é simplesmente uma questão de democracia representante, a lógica das maiorias. Tantas vezes, se calhar, é um só que é o Profeta do mundo novo.
Está a dizer que não se resolvia a questão ouvindo mais cada diocese?
Que se ouça mais gente, estou de acordo, que se discuta perfis, etc. Quando se trata de nomes é complicado porque, por exemplo, eu conheço poucos padres do país, conheço os da minha diocese, mas de resto… Tem de se ter um processo que leve a que não seja simplesmente... senão fica tudo sempre dentro da mesmo lógica, de escolher os seus amigos, ou de escolher os que já conhecemos.
Ter um discernimento a diversos níveis ajuda a alargar horizontes e a não cair no nepotismo que leve a Igreja por caminhos que já no passado se manifestaram muito inapropriados. Ter um discernimento que vá para além do âmbito de uma diocese, porque se formos a uma diocese, conhecem aqueles ali, e talvez de uma diocese vizinha possam ter uma ideia, mas vai ser muito mais difícil de fazer.
O processo que temos não é perfeito, penso que deve ser ajustado, temos discutido também isso, para encontrar processos que combinem isso tudo dentro de uma universalidade da Igreja, e ao mesmo tempo de uma consulta que o torne expressão do povo de Deus. É um compromisso que na Igreja católica se tem procurado, outras Igrejas têm outras formas de fazer, mesmo na Igreja católica há metodologias diferentes, mas não é fácil encontrar um processo... mas, isso está a ser discutido.
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Há quem critique esta quase "dança de cadeiras", tirar um bispo de uma diocese e transferi-lo para outra, deixando em aberto a diocese de onde sai.
Há várias maneiras de ver isto. Há dioceses que exigem muito mais, e uma pessoa que chega sem a experiência de um trabalho destes, de coordenação e direção de uma Igreja, terá mais dificuldade inicial. Mas também pode ser um modo de criar algo de novo. Não há nenhuma regra para isso, há o bom senso em cada situação, de procurar a solução melhor.