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Entrevista

D. José Ornelas: “No Natal o problema não são as Igrejas”

17 dez, 2021 - 07:32 • Ângela Roque

Presidente da Conferência Episcopal pede que se confie no processo de vacinação, que já está a evitar o pior, e considera “escandaloso” que tenha aumentado a fortuna dos mais ricos, quando o país continua com “bolsas de miséria”.

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D. José Ornelas. "O problema no Natal não são as celebrações"
D. José Ornelas. "O problema no Natal não são as celebrações"

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O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sublinha atitude responsável dos católicos ao longo da pandemia de Covid-19.

Em entrevista à Renascença, D. José Ornelas não vê necessidade de reforçar as medidas para as celebrações religiosas de Natal, porque na Igreja já todos sabem como agir.

O também bispo de Setúbal mostra-se considera "escandaloso que no meio da pandemia as fortunas cresceram e a miséria também".

Aproximamo-nos do Natal, e será o segundo em pandemia. A nova vaga de Covid-19 e a variante Ómicron não justificavam que a Igreja reforçasse as medidas para as celebrações religiosas que se aproximam?

Nós temos tido uma posição que pelo menos procura ser sensata, do ponto de vista da responsabilidade que temos para com a saúde das pessoas. Essa é a primeira das responsabilidades, mas ao mesmo tempo sem fechar as coisas, fechar aquilo que é tão importante como a saúde (física), que é a saúde mental e espiritual. Hoje são os psicólogos, psiquiatras e todo o pessoal da saúde a dizer que temos muitas pessoas com problemas, porque aquilo que era a sua razão normal de integração a nível dos afetos e da estabilidade emocional, familiar e relacional, ficou muito afetada, e isso cria instabilidade e problemas, sobretudo nas pessoas mais frágeis.

Para quem é crente, o ir à Igreja, encontrar um espaço de pensamento, reencontrar-se a si próprio e os fundamentos daquilo que é, em que crê e que guiam a sua vida, isso é tão fundamental como tudo o resto. Quando foi preciso dizer não, para evitar consequências piores, não tivemos dúvidas, mas é evidente que a dimensão social da fé - social no sentido de comunhão com outros - é muito importante, e a Igreja nunca vai ser simplesmente uma questão virtual.

Fomos encontrando outras formas de transmissão e formação online, de contactos, que até vieram abrir novos caminhos que certamente vão permanecer. Agora, para responder diretamente à sua pergunta: precisamos de mais medidas? Não sei. Estamos muito atentos àquilo que não é simplesmente uma questão do Governo, é uma questão de argumentação científica que se tem produzido, muito válida. É com base nessas avaliações que temos agido, e também em colaboração e em diálogo com as autoridades sanitárias.

E as medidas sanitárias mantêm-se como até aqui?

Mantêm-se. Nunca deixámos as máscaras nas celebrações, o espaçamento entre as pessoas, as desinfeções, isso nunca se deixou. Houve coisas que passaram a ser hábitos.

As pessoas já interiorizaram?

Interiorizaram. Mas é preciso estar atentos, não se esperar tanta gente.

O que pode acontecer no Natal…

Pode acontecer. Mas, no Natal o meu problema não são as igrejas. Há eventos onde pode acontecer demasiada concentração de pessoas, mas a Igreja é um ambiente calmo, estamos todos sentados, orientados numa direção, as coisas têm a sua ritualidade, mesmo quando as pessoas se movimentam já têm circuitos próprios dentro da Igreja que estão marcados, etc.

O problema no Natal não são as celebrações. O Natal não é o problema, há reunião de famílias, no contexto da refeição é onde se tiram as máscaras, onde se está à vontade, é onde se fala diretamente uns com os outros, e temos de ter realmente cuidado.

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Veja a entrevista na íntegra a D. José Ornelas

Apesar da vacinação?

É muito importante entendermos, e eu compreendo e aceito que alguém possa ter ideias diferentes, mas cientificamente a evidência está aí: se não fossem as vacinas neste momento estaríamos numa situação desastrosa outra vez, já nesta altura.

Nestes dias fui fazer a minha dose de reforço, e desejava fazê-lo, porque acho que isso é importante para todos, não só para mim, mas para aqueles a quem quero bem e com quem contacto. Tenho muita esperança, mas não espero sentado por ela. Isto é, temos de fazer a nossa parte para vencer esta pandemia, sem interromper aquilo que fazemos, mas fazer bem e encontrar meios de o fazer de uma forma inteligente. E todas estas manifestações e teorias da conspiração - felizmente no nosso país não se vêm tanto – acho que não são fruto de uma grande inteligência, e sobretudo não ajudam a encontrar soluções.

Também tenho perguntas que não ficam respondidas depois disto. Receios? Posso ter, mas temos de fazer escolhas, e estas escolhas estão fundamentadas, não são escolhas arbitrárias. Esta é uma das coisas de 'não esperar sentado', é o esperar lutando, e assumido atitudes que nos levem a um processo melhor.

Não basta simplesmente a atitude de um, mas há de ser um esforço conjunto, uma solidariedade conjunta. Se o mundo não for vacinado, isto vai retornar, os Ómicrons vão-se multiplicar, até aos Omegas ainda faltam muitas letras para chegar lá, vai haver outras coisas. Se continuar esta política de quem tem mais dinheiro vive mais, isto não dá, a pandemia veio dizer que isto não pode ser.

Olhando já para 2022, receia o agravamento da crise económica e social?

Dentro de um país não se podem permitir sacos de miséria como nós temos. Porque isto não é só a pandemia, vão ser outras pandemias: da desagregação social, da violência, que vão vir por aí, se não conseguirmos ter um equilíbrio.

É escandaloso que no meio desta pandemia as fortunas cresceram, e a miséria também. Quando parecíamos – e, de facto, crescemos de algum modo, a gente mais simples cresceu na forma de partilhar os bens, mas os mais poderosos continuaram a enriquecer, também no nosso país. Estamos com falta de casas, para tanta gente, mas as casas ricas, as casas caras vendem-se muito bem. E não baixam o preço.

Estamos todos no mesmo barco, mas em níveis diferentes.

Em níveis diferentes, uns a remar, os outros sentados.

Neste tempo de Advento, que mensagem deixa?

De esperança. Eu vejo sempre o Advento e o Natal como um tempo de conversão à esperança, no sentido de dizer "este mundo pode ser melhor". Pode, de facto, ser melhor, e isso depende de nós. A conversão é isso. Isto não é uma maldição que está aí, o mundo vai ter sempre pandemias, terramotos, vulcões, agora a forma como o enfrentamos tem de ser uma forma de dizer "sim, este não é o mundo perfeito, eu não sou um homem perfeito, sou alguém que é frágil, em si mesmo, mas o mundo pode ser diferente", e não ficamos à espera.

Era importante que neste Natal mudássemos um bocadinho o mundo, para que à nossa volta houvesse mais esperança, fazer sorrir alguém que está a sofrer com as condições que neste momento vivemos e que não são simpáticas, sobretudo para as pessoas mais frágeis dentro da nossa sociedade.

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