23 jan, 2025 - 21:22 • Susana Madureira Martins
À espera de António Vitorino, sem qualquer vontade de apoiar António José Seguro e com o radar ligado para soluções alternativas como António Sampaio da Nóvoa. É o estado geral do PS que, antes mesmo das eleições autárquicas deste ano, se vê obrigado a dar gás ao processo de escolha do candidato presidencial.
Com Seguro a acelerar o calendário e a forçar uma decisão da direção nacional, o PS lida nas últimas semanas com um ruído em torno da corrida a Belém que “não nos ajuda em nada”, assume à Renascença um dirigente socialista, que concede que o líder do partido, Pedro Nuno Santos, “não pode apoiar candidatos que não existem”.
“Vitorino quer e o PS quer Vitorino”, garante à Renascença um membro da direção de Pedro Nuno Santos, que assume o palpite que “vai acontecer”, ou seja, que o antigo ministro de António Guterres vai mesmo avançar para a corrida a Belém e que só falta saber quando.
Na direção socialista lamenta-se ainda que o líder tenha nomeado Seguro como potencial candidato numa entrevista à CNN. “Ninguém quer o Seguro, a não ser uma réstia de seguristas”, diz um dirigente socialista à Renascença. E acrescenta que os pedronunistas “não só não gostam do Seguro como apoiarão quem Pedro Nuno apoiar”.
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Com o antigo líder do PS metido na corrida e, segundo o jornal Público, a criar uma nova associação-movimento para o que der e vier, os socialistas mantêm-se num jogo de vésperas e de incerteza. “Não sei se Seguro avança se Vitorino avançar”, admite um membro da direção pedronunista, que salienta que o antigo comissário europeu “foi e é apoiante” de Pedro Nuno Santos.
Se não avançar para a corrida a Belém, diz a mesma fonte à Renascença, Vitorino terá sempre lugar dentro do PS, por exemplo, numa coordenação dos anunciados Estados Gerais, que, segundo Pedro Nuno Santos, em entrevista ao Expresso, irão arrancar em abril.
Mesmo tendo em conta as críticas que já fez a Pedro Nuno, à boleia desta reflexão programática que o PS irá fazer –“ Estados Gerais só há uns, os do engenheiro Guterres e mais nenhuns” – Vitorino não deixou de participar na campanha para as legislativas de 2024, surgindo num comício em Aveiro, distrito de origem do líder socialista.
A incerteza no PS sobre a corrida presidencial traz um ruído que levanta feridas antigas de um costismo que “detesta o Seguro”, segundo um dirigente descreve à Renascença, mas que se viu algo perdido com a hipótese levantada pelo próprio Pedro Nuno Santos ao nomear precisamente o nome do antigo líder do partido como presidenciável.
À Renascença, um outro dirigente socialista considera “triste e lamentável” tudo o que sucedeu depois, com Seguro a criticar Centeno, Augusto Santos Silva a criticar Seguro, Assis a defender Seguro e a criticar o partido. “As pessoas não se afirmam pela positiva com estas bicadas”, afirma a mesma fonte.
“Se Pedro Nuno não tivesse falado do Seguro”, refere este dirigente, concluindo que “pela boca morre o peixe, está a ser vítima do que disse”, lamentando um processo das presidenciais que considera estar a ser “muito mal conduzido”. “A partir do momento em que disse o que disse”, diz esta fonte do PS, o líder “não pode abrir a porta e depois fechar”, concluindo que “é uma embrulhada na qual se meteram”.
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Em conversa com a Renascença, outro dirigente nacional do PS considera que todo este ruído “tem um potencial enorme de disparate coletivo”, com declarações e contra-declarações que “não ajudam a um processo mais refletido”. O cenário pode tornar-se dramático ao ponto de todo este ruído “poder suscitar o apoio a um candidato que não se deseja”.
Um outro cenário também, eventualmente, dramático, coloca-se se Vitorino decidir não avançar (porque ninguém arrisca dar como garantida a corrida do ex-ministro da Defesa, tendo em conta o histórico de hesitação do próprio) e aí a direção nacional do PS pode ter de lidar com os “os anti-Seguro”.
Um membro da cúpula de Pedro Nuno não coloca de parte que, a par de Seguro, surja uma candidatura alternativa, por exemplo, do ex-presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, que tem feito duras críticas ao ex-líder.
Mesmo entre os tradicionais apoiantes de Seguro houve desconforto pelo que este disse sobre Mário Centeno e a remuneração do consultor do Banco de Portugal, Hélder Rosalino, no espaço de comentário fixo que agora mantém na CNN. “Passou incólume, mas não se faz”, lamenta um socialista próximo do antigo líder.
“Anda tudo a levar ao colo o almirante, o PS vai dando avanço, o PSD está desgraçado e Mendes não chega à segunda volta”. De rajada, um dirigente socialista resume à Renascença o atual e futuro estado da corrida presidencial.
Na cúpula do PS é dado como líquido que o ex-chefe do Estado Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, será candidato às presidenciais de 2026 e que o mesmo fará o conselheiro de Estado e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes.
Um destacado dirigente socialista diz à Renascença que está a “contar com a segunda volta se o nosso candidato for bom e o almirante a tirar votos ao Marques Mendes”. Ou seja, neste cenário, o candidato apoiado pelo PSD ficaria de fora da corrida presidencial.
Para a direção nacional do PS, a combinação "mais provável" da segunda volta das presidenciais seria Gouveia e Melo vs. Vitorino, com um membro da direção de Pedro Nuno a dizer-se certo que o ex-ministro de Guterres "agrega a ala esquerda" e se trata de "um tipo brilhante". A segunda combinação, considerada pelo mesmo dirigente como "catastrófica", seria a de ter na segunda volta o líder do Chega, André Ventura, e Gouveia e Melo, o que "obrigaria" o PS a apoiar o almirante.
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Mesmo sem um candidato presidencial definido, para os dirigentes do PS “quem precisa de marcar terreno é Marques Mendes”, mesmo tendo há anos um espaço fixo de comentário na estação de televisão SIC. “Está muito colado ao Governo” e “não capta um voto à esquerda”, defende um dirigente socialista já citado. “No máximo tem 15%”, à primeira volta, antecipa esta fonte.
“Segunda volta há, de certeza”, despacha a mesma fonte, que questiona: “Acha que o almirante ganha à primeira? Isso então era um cataclismo”, conclui, prevendo uma segunda volta “muito complicada”, com um candidato socialista, sim, mas só “se o PS não se dividir demasiado”.
O cenário de um PS dividido, repetindo as presidenciais de 2016, em que Maria de Belém concorreu sem o apoio da direção nacional, é considerado “um problema”. Este socialista admite: “Não vejo a Alexandra Leitão a votar no Seguro”.
Para este membro da Comissão Política socialista, o candidato tem de “agregar” o eleitorado e “com 20% ou um pouco mais, o PS vai à segunda volta”, admite, prevendo até que “algum eleitorado” socialista possa migrar para o almirante. Agora, se o candidato apoiado pelo PS ficar abaixo de 20% dos votos “é um problema”.
Se este cenário de divisão no PS se arrastar, há socialistas que colocam a possibilidade de aparecer um candidato à esquerda que mobilize, um independente que possa colher apoios e entre os dirigentes socialistas surge, de novo, o nome de António Sampaio da Nóvoa, que em 2016 se candidatou a Belém com o apoio mais ou menos implícito da direção socialista.
Após a maioria absoluta, Sampaio da Nóvoa foi indicado pela direção do PS de António Costa para conselheiro de Estado, tratando-se de um nome que tem acolhimento na restante esquerda, nomeadamente no Livre.
Na cúpula socialista espera-se que, à primeira volta, todos os partidos à esquerda tenham o seu candidato próprio, com um destacado dirigente do PS já citado a antecipar à Renascença que, numa segunda volta, Bloco de Esquerda, PCP e Livre “fecham os olhos e vota toda a esquerda” no nome apoiado pelos socialistas.
Para os dirigentes do PS é “impossível” que o nome do candidato presidencial apoiado pelo partido não esteja definido no primeiro trimestre deste ano. Na cúpula socialista não se esconde a pressa. “Não temos prazo”, diz à Renascença um destacado dirigente já citado, mas adianta que gostaria que o apoio a um candidato presidencial “acontecesse o mais depressa possível”.
Com Marques Mendes a comentar na SIC aos domingos e Gouveia e Melo a surgir com frequência no espaço público, como na recente conferência promovida pelo Expresso, falta ao PS um candidato oficial que entre nesse carrossel mediático. Claro que há António José Seguro a fazer isso mesmo, mas o preferido da direção, ou seja, Vitorino, se quiser mesmo ser candidato tem, forçosamente, de fazer essa rodagem.
O ex-comissário europeu e atual coordenador do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo – a convite do Governo da AD - tem dado algumas entrevistas em que manteve o suspense sobre o seu interesse numa corrida a Belém. Foi o caso da entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, em que respondeu sobre as presidenciais que “há um tempo para todas as coisas e que há que respeitar os tempos”.
Esse tempo, no entanto, está a fugir e os dirigentes socialistas entendem que há toda uma geração que precisa de conhecer o ex-comissário europeu e um eleitorado que há muito deixou de o ver com frequência no espaço público. “Já não se lembram dele”, resume um membro da direção do PS.
Há socialistas que não escondem o receio de que um certo PS resista a um Vitorino que não respondeu quando o partido precisou. Um dirigente sintetiza o que se ouve aqui e ali no partido: “Vem agora dizer que precisa do PS e quando o PS precisou nunca veio”.
E há quem não esconda outro receio. Se Vitorino avançar, teme-se que possam surgir casos polémicos em torno do ex-ministro como o que o apeou do Governo de António Guterres. "Vamos ver se não há alguma coisa que, entretanto, apareça, uma Sisa qualquer não paga", admite um membro da direção de Pedro Nuno.
Mas Vitorino surge como o nome que pode servir de tampão não apenas aos restantes candidatos – Marques Mendes e Gouveia e Melo – num papel que alguns dentro do PS viram que podia ser reservado para Mário Centeno, que, entretanto, se colocou de fora.
A agenda preenchida que Vitorino tem fora da cena política pode, entretanto, complicar e atrasar o calendário do próprio PS. O ex-comissário europeu mantém um ritmo académico acelerado, dando várias aulas fora do país, pelo menos até abril e preside ao Conselho Nacional de Migrações e Asilo, que ainda esta segunda-feira se reuniu.
Um membro da Comissão Política do PS já citado salienta à Renascença que há “um combate autárquico” em mãos e que o partido está a “perder tempo” com as presidenciais. E ainda nem sequer há candidatos oficiais a Belém.