09 jan, 2025 - 12:48 • Salomé Esteves
A 7 de janeiro, Mark Zuckerberg anunciava duas grandes alterações no Meta. Com efeito imediato, o Facebook, o Instagram e o Threads viram alterados o seu Código de Conduta e a política de fact-check. As mudanças arrancam nos Estados Unidos da América (EUA) e o resto do mundo fica em suspenso.
Comecemos pelo fact-check. Em nome de uma liberdade de expressão ilimitada, a Meta vai substituir os seus serviços de verificação de factos, atualmente contratados a empresas certificadas, por um sistema de notas comunitárias. Este sistema é inspirado na política utilizada no X (antigo Twitter), de Elon Musk.
Ou seja, a responsabilidade pela veracidade da informação partilhada nas redes sociais passa de autoridades especialistas para os utilizadores individuais, sem moderação. A justificação, segundo o próprio Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, é que as empresas de fact-check são “politicamente muito tendenciosas”.
De imediato, especialistas partilharam preocupações face a possíveis ondas de desinformação sobre tópicos sensíveis como, por exemplo, alterações climáticas, riscos de saúde pública, imigração e comunidades tradicionalmente marginalizadas, como pessoas racializadas, com deficiência e LGBTQIAPN+.
Desta forma, qualquer utilizador norte-americano fica, agora, puramente dependente do seu próprio discernimento.
Acontece que o modelo de fact-check do X, agora adotado pela Meta, está a ser investigado pela União Europeia, por violação da nova Lei dos Serviços Digitais - ‘Digital Services Act’. A 8 de janeiro, lê-se na Bloomberg, a equipa de investigação, liderada por Henna Virkkunen, comprometeu-se a acelerar o processo. Em comunicado, a equipa acrescenta que esta investigação é mais importante do que nunca, uma vez que Elon Musk a tem usado para promover alianças com candidatos de extrema-direita por todo o mundo.
Comissão Europeia
“Existem obrigações sob a lei. Portanto, a minha m(...)
De acordo com a Business Insider, a Meta terminará os contratos com as empresas responsáveis por fact-check nos EUA em março, mas os pagamentos a estas entidades vão prolongar-se até agosto. Contudo, a rede IFCN (International Fact-Checking Network) vai continuar a trabalhar no mercado global por tempo indeterminado. Desta rede fazem parte os portugueses Observador e Polígrafo.
Além da política de verificação de factos, também o Código de Conduta para o Ódio - ‘Hateful Conduct’ - foi atualizado a 7 de janeiro. O documento agora adotado destaca as alterações face a versões anteriores.
A primeira grande alteração encontra-se no final do documento: a 7 de janeiro, foi adicionada uma nota particularmente dirigida a cidadãos da União Europeia, em que se lê que, “se está a ver algum conteúdo que viola as leis de discurso de ódio no seu país, pode submeter um pedido legal de remoção no Facebook ou Instagram”.
Ao longo do documento, contudo, é de assinalar as indicações que foram removidas da versão anterior e que constituíam proteções específicas e menções a comunidades normalmente marginalizadas.
A partir de 7 de janeiro já não é proibido, por exemplo, comparar pessoas com animais, doenças ou objetos inanimados. Nesta categoria, cabem insultos como tratar mulheres como objetos, insinuar que pessoas transgénero têm distúrbios mentais ou que um indivíduo é um porco ou um boi, por exemplo.
Na mesma veia, também é agora permitido negar a existência de uma pessoa ou grupo com base nas suas características específicas. Qualquer pessoa pode, agora, insinuar que os portugueses não existem porque Portugal pertence a Espanha. Contudo, o texto salvaguarda que negar o Holocausto, por exemplo, ainda é proibido.
As últimas versões deste código de conduta também baniam demonstrações de que um grupo particular era responsável pela pandemia de Covid-19. Essa proibição também caiu.
São também possíveis, neste momento, “generalizações para atestar a inferioridade” de uma pessoa ou grupo. Ou seja, podem utilizar-se livremente insultos como feio, horroroso, estúpido, analfabeto, deficiente, louco, entre outros para ofender pessoas com base em características físicas, morais, intelectuais, de saúde mental, e referentes a saúde pública.
Além destes termos, todo o tipo de calão - em inglês, ‘slur’ - pode ser dito ou escrito sem as restrições previamente impostas.
Mas estas alterações não só retiram texto que protegia certas pessoas e grupos: também acrescenta detalhes que podem agravar diferenças. A partir de 7 de janeiro passou a ser possível partilhar conteúdo que vinca diferenças de género, mas apenas se este se referir ao exército, a autoridades policiais e legislativas e a educação. Além disso, qualquer discurso baseado na orientação sexual é permitido quando feito em nome de “crenças religiosas”.
Por fim, é agora possível alegar “saúde mental ou anormalidade quando baseada em género ou orientação sexual” com base em “discurso político e religioso sobre transgeneridade e homossexualidade”.
Apesar de estas alterações parecerem recentes, as proteções de discurso referentes a orientações sexual e identidades de género não estavam a ser cumpridas, mesmo nas versões deste código que as salvaguardavam.
A associação GLAAD - ‘Gay and Lesbian Alliance Against Defamation’ -, o maior grupo de defesa das pessoas LGBTQIAPN+ para a comunicação social, concluiu, num estudo, que a Meta não removia publicações anti-trans que violavam a conduta de ódio no Facebook, no Instagram e no Threads.
Em resposta a críticas de que as plataformas da Meta aplicou estas mudanças sabendo que milhões de utilizadores dependem delas e têm poucas alternativas, Mark Zuckerberg respondeu, numa publicação no Threads, que as alterações ao código de conduta e à política de fact-check “vão tornar, de facto, as nossas plataformas melhores”. "As pessoas querem ter a liberdade para discutir tópicos da sociedade e formular argumentos com base no discurso político corriqueiro”, garante o fundador do Facebook, apesar de dizer estar ciente de que muitas pessoas podem abandonar as plataformas.
A 7 de janeiro, as alterações ao Código de Conduta e à política de fact-check, que estavam em vigor desde 2016, foram anunciadas numa publicação oficial da Meta, com um vídeo de cinco minutos em que o próprio Mark Zuckerberg explica as principais mudanças, que começarão nos Estados Unidos da América.
Contudo, o texto que acompanha esse vídeo está assinado por Joel Kaplan, lobista do Partido Republicano – e próximo de Donald Trump e Brett Kavanaugh - ,que na semana passada assumiu o cargo de líder das relações internacionais (‘Chief Global Affairs Officer’) do gigante tecnológico.
Além de Kaplan, também Dana White – presidente da Ultimate Fighting Championship (UFC) e amigo pessoal de Donald Trump - integrou recentemente a administração da Meta, divulga o site de notícias tecnológicas The Verge.