06 nov, 2024 - 21:17 • Susana Madureira Martins
“É para chatear o Pedro Nuno Santos”. É desta maneira que um dirigente do PS classifica à Renascença o objetivo do artigo no jornal Público assinado pelo ex-secretário-geral do partido António Costa, o ex-ministro e eurodeputado Pedro Silva Pereira e o antigo deputado José Leitão com críticas ao agora ex-líder da distrital de Lisboa e autarca de Loures, Ricardo Leão pelas recentes declarações a defender despejos para os participantes nos tumultos das últimas semanas.
É sobretudo a assinatura de Costa que incomoda profundamente a direção nacional socialista. O mesmo dirigente socialista já citado viu no artigo “inacreditável” de Costa um ex-secretário-geral “sempre contra” Pedro Nuno Santos, para concluir ainda que “quando se sai sai-se de vez”, considerando que o artigo soa a “ressabiado”.
Para outro dirigente nacional do PS contactado pela Renascença, trata-se de um artigo escrito por “três reformados políticos”, mesmo considerando que António Costa não é um qualquer e se trata do antecessor de Pedro Nuno Santos. Para esta fonte, “o problema é quem preparou o caminho” para a demissão de Leão e foram vários, desde Francisco Assis, Isabel Moreira ou a própria líder parlamentar, Alexandra Leitão, que foram criticando a posição do autarca de Loures.
A Renascença sabe que o texto de Costa foi, para Ricardo Leão, a gota de água, embora o pedido de demissão já estivesse na forja. O autarca de Loures era dado como relativamente próximo do antigo primeiro-ministro, mas, segundo aponta um dirigente do PS à Renascença, as relações terão esfriado na sequência de um “contencioso antigo” que se tornou “muito visível” na altura da preparação ou das obras da vinda do Papa ou mesmo ainda antes da Jornada Mundial da Juventude, que decorreu em 2023.
Outro dos incómodos entre os dirigentes nacionais do PS é a ligação que António Costa faz no artigo entre as declarações de Ricardo Leão e a questão dos imigrantes e a sua integração. Pedro Nuno Santos acusou o toque sobre isso na conferência de imprensa que deu na sede do PS esta quarta-feira (ver mais abaixo) e à Renascença é realçado por um dirigente nacional já citado.
“Leão não faz essa ligação, quem faz a ligação é o Costa”, com a mesma fonte do PS a colocar a hipótese de o artigo ter surgido de um “imperativo de consciência” e não propriamente de uma qualquer jogada política interna”.
No meio disto tudo não passou despercebida a posição do presidente do PS, Carlos César, antigo conselheiro e muito próximo de António Costa, fazendo atualmente parte do núcleo duro da direção nacional. Numa publicação na rede social Facebook, César veio dar conforto ao que Pedro Nuno Santos já tinha dito na segunda-feira e, em certa medida, criticar a vinda a terreiro de António Costa.
Mesmo considerando que está, “evidentemente, de acordo” com o artigo de Costa, o presidente do partido considera que “a honra do PS”, ao contrário do que escreve Costa, “não está dependente” de “situações excecionais” como o caso Leão. E remata dizendo que “uma parte boa deste artigo é ver que o nosso Presidente do Conselho Europeu continua atento e empenhado no PS”.
Mais corrosivo ainda foi Duarte Cordeiro, o ex-líder da distrital de Lisboa e atual dirigente do PS que, em resposta à revista Visão, já depois da demissão de Ricardo Leão do PS de Lisboa, disse que o artigo assinado por António Costa “é arrogante e desnecessário”.
Há ainda outros dirigentes do PS que tentam tirar pressão ao artigo de Costa e um deles diz à Renascença que “já não é assunto, aliás, ainda os leões ontem estavam em festa e já o Leão tinha tomado a decisão que anunciou”, referindo-se ao jogo de futebol Sporting-Manchester City que decorreu na noite de terça-feira, partida vencida pelos leões por 4-1.
O mesmo dirigente socialista garante à Renascença que “claro que tinham escrito antes, certamente para pressionar o Leão, mas ficou desatualizado antes de ser lido”.
“Se há político em Portugal que não é tático, sou eu”. Com esta frase, Pedro Nuno Santos cavou o fosso no partido provocado pelo artigo assinado por António Costa no jornal Público, onde o ex-secretário-geral do PS fez duras críticas às declarações do autarca de Loures, Ricardo Leão, considerando que o “calculismo taticista” não pode “desvalorizar” a ofensa de valores do partido.
Na conferência de imprensa desta quarta-feira no Largo do Rato, em Lisboa, o líder socialista respondeu diretamente ao seu antecessor que “não houve da minha parte nenhuma desvalorização”, carregando mesmo nessa tecla: “Nem sequer posso aceitar essa ideia de que tenha desvalorizado uma matéria que é central e, quem me conhece e quem acompanha a minha intervenção pública na vida política, sabe que nestas matérias não hesito um milímetro”.
Evitando criticar abertamente Costa, Pedro Nuno tentou estancar o assunto alegando que “o secretário-geral do PS em exercício não deve opinar sobre artigos ou opiniões de antigos secretários-gerais do Partido Socialista”.
Pedro Nuno Santos evitou tecer considerações sobre se concorda ou não com a demissão de Ricardo Leão da liderança de uma distrital tão influente como a de Lisboa, mas à boleia disso deixou uma segunda crítica implícita a António Costa, lamentando que Ricardo Leão tenha sido alvo de um julgamento na “praça pública”.
Se Pedro Nuno considera que “todos” os eleitos do PS “estão comprometidos com a lei, com a Constituição, com o objetivo da reinserção social e com os princípios do humanismo, do respeito pelo outro e da empatia”, falha que aponta a Leão, o líder socialista considera também que podia ter lidado com a situação sem decapitar a FAUL.
“Outra coisa diferente é o secretário-geral do Partido Socialista fazer julgamento na praça pública, nas televisões, nos jornais, de eleitos pelo PS” e esta, argumenta o secretário-geral socialista, “não é” a sua “forma de liderar” o partido e de se “relacionar com aqueles que são eleitos em nome do PS”.
Pedro Nuno deixa mesmo implícito que gostava de ter lidado com o assunto de outra maneira e com outro final que não a demissão de Leão da distrital. “É possível conciliarmos uma posição clara, firme sobre matérias que são identitárias do PS e, ao mesmo tempo, nós sabermos lidar com estas questões, mas lidar com elas internamente, sem fazer julgamentos públicos ou na praça pública”.
Aliás, o líder socialista fez questão de garantir que Leão lhe comunicou a demissão da FAUL na noite de terça-feira e que esta “resulta de uma reflexão do próprio” presidente da distrital, dando a entender que não houve pressão de Pedro Nuno Santos na decisão.
Ainda sobre o artigo de Costa, é lançada outra farpa. “Não tem nenhum novo argumento face àquilo que eu disse na segunda-feira”. Garantindo que há absoluta “sintonia total” entre o que disse no início da semana quando criticou Leão e com “quem escreveu este artigo”, Pedro Nuno refere que “não há nenhum dado novo, nenhum argumento novo invocado” pelo texto.
Perante o artigo de Costa, o líder do PS vem mesmo em socorro de Ricardo Leão, referindo que “obviamente, há um conjunto de outras reflexões que não têm nada a ver com a declaração que o Presidente da Câmara Municipal de Louros fez”, argumentando que “obviamente, naquela declaração não vi nenhuma declaração ou comentário sobre a imigração”.
A defesa de Leão por parte de Pedro Nuno vai ao ponto de salientar que “o combate à extrema-direita faz-se com a resolução dos problemas concretos de muitos portugueses”, ideia que o presidente da Câmara de Loures vem defendendo ao longo do mandato e que o tem levado, por exemplo, a decisões como os despejos por falta de pagamento das rendas municipais.
Há um eleitorado que tem fugido para o Chega e que o PS quer reconquistar. “Temos perdido muitos portugueses que têm desistido, têm deixado acreditar nos partidos que têm governado em Portugal e nós temos que os reconquistar”, assume Pedro Nuno Santos. Ora, “esse trabalho faz-se conseguindo reganhar a sua confiança e mostrar que temos as soluções para os seus problemas”.
O PS terá agora de eleger uma nova liderança para a distrital de Lisboa e apenas Ricardo Leão será substituído, todo o restante elenco da direção da FAUL irá permanecer em funções. Com este processo a ser resolvido nas próximas semanas, sobra o que irá acontecer ao autarca de Loures.
Em princípio nada, com um dirigente nacional do PS a recusar que o PS se possa dar ao luxo de perder Leão como recandidato a uma autarquia reconquistada em 2021 ao PCP. “O que seria”, assume a mesma fonte.
O mesmo fez publicamente Pedro Nuno Santos que, na conferência desta quarta-feira deu mesmo a entender que essa é uma decisão que já estava tomada e em que não se mexe.
“Ricardo Leão, aliás, foi escolhido pelo PS para ser candidato à Câmara Municipal de Loures, não era eu secretário-geral do PS”, começou por dizer Pedro Nuno, acrescentando que “ele foi eleito pelas suas populações e obviamente o julgamento político, a avaliação política do trabalho do autarca socialista deve ser feita pela população de Loures".
Questionado pelos jornalistas se mantém a confiança em Leão para se manter como candidato autárquico às eleições, Pedro Nuno Santos respondeu que Ricardo Leão é o atual presidente da Câmara Municipal de Louros e “obviamente, tem o direito de se poder apresentar perante a sua população e aí faz-se a avaliação do seu trabalho enquanto autarca”.
Questionado se, nas eleições autárquicas de 2025, o PS não corre o risco de ter Leão como candidato independente, Pedro Nuno recusou “elaborar sobre especulações”, tendo em conta que há um presidente de Câmara Municipal em Loures “como em muitos outros sítios no país e os nossos presidentes de Câmara em exercício, podendo ser reeleitos, serão recandidatos”, sendo esta, de resto, a regra de base para as candidaturas dos socialistas às autárquicas.
Quanto ao próprio Ricardo Leão, no comunicado em que divulgou a demissão da presidência da FAUL, fez saber que é recandidato à presidência da câmara de Loures.
“Focar-me-ei na recandidatura autárquica em Loures, ciente do importante trabalho que temos desenvolvido em prol de todos e de todas e que levaremos a sufrágio democrático nas próximas eleições autárquicas, confiantes de que o mesmo será favoravelmente avaliado pelo Povo de Loures”, escreve Leão, mas sem nunca dizer que o fará nas listas do PS.