29 ago, 2024 - 19:05 • Tomás Anjinho Chagas
Afastou-se dos cargos públicos depois de ser mencionado em vários processos judiciais (não é arguido) e para já, Duarte Cordeiro não quer voltar atrás com a decisão. Em entrevista à Renascença, o antigo ministro do Ambiente e dirigente socialista assegura que está focado na sua nova empresa e garante que não planeia ser candidato a nada nos próximos tempos.
À margem da Academia Socialista, do qual é reitor, que decorre até domingo em Tomar, Duarte Cordeiro considera "natural" o PS vir a formar coligações com partidos à sua esquerda para conquistar algumas autarquias nas autárquicas do próximo ano. Ele não parece fazer parte dessa luta, pelo menos não na linha da frente.
Sobre o Orçamento do Estado, critica a falta de disponibilidade do Governo da AD para negociar, e vinca que não há acordos sem diálogos.
Duarte Cordeiro é reitor da Academia Socialista, foi ministro do Ambiente no último Governo de António Costa e é também dirigente no Partido Socialista. No discurso de ontem avisou que o Governo da AD não vai conseguir aprovar acordos através da “submissão do PS”. Acha que tem sido essa a estratégia de Luís Montenegro?
Eu desempenhei funções de secretário de Estado de Assuntos Parlamentares, entre outras coisas com a responsabilidade de negociar orçamentos de Estado com outros partidos políticos. Quando estamos num processo de negociação, há coisas que são elementares, a existência de reuniões, a partilha de informação, a capacidade e a disponibilidade para ouvir.
Como nada disto está a acontecer neste momento, obviamente temos todas as razões para duvidar que exista verdadeiramente vontade ou mesmo uma negociação em curso. O bom senso leva-nos a, nos momentos certos, antes das consequências serem inevitáveis e evidentes, alertar para que, com seriedade, tem de se adotar determinados procedimentos formais.
A formalidade na política não é um pormenor. Também não achámos elegante o facto de o secretário-geral do Partido Socialista ter sido avisado à última hora da escolha da personalidade portuguesa que vai assumir o papel de comissária europeia. Estes pormenores e formalidades contam, e é muito importante numa democracia valorizar as formalidades e o diálogo formal, porque é dessa forma que nós conseguimos atingir os objetivos que pretendemos. Outras vezes, simplesmente sinalizamos que temos objetivos, mas na realidade não os queremos cumprir. É o que nos parece que neste momento está a acontecer.
Acha que Luís Montenegro e os dirigentes do PSD e do Governo da AD estão a desrespeitar o papel da oposição do PS?
Não se trata de desrespeitar o papel da oposição do PS, trata-se de ser consequente ou não com os objetivos que aparentemente dizem querer ter. Ninguém espera que exista a possibilidade de qualquer tipo de entendimento se não existir uma negociação. E as negociações exigem aspetos formais que não estão a acontecer.
Então concorda com Carlos César, que ontem aconselhou o partido a contribuir para que o Orçamento do Estado do próximo ano seja “menos mau”?
Convém ouvir bem as declarações das pessoas antes de as citar, porque o que o Carlos César disse não é muito diferente do que eu disse, que o Partido Socialista é um partido responsável, que tem sinalizado através do seu secretário-geral a sua posição, mas como é óbvio que nós não podemos iludir-nos que há qualquer disponibilidade de algo se ele de facto não existir. O Carlos César não disse nada diferente do que eu disse na minha intervenção.
Acha que, com o que se tem visto até agora, a legislatura vai ser cumprida até ao fim?
Quando nós éramos Governo e tínhamos responsabilidades desta natureza, sabíamos que compete ao Governo essencialmente fazer por isso. Se realmente quer promover estabilidade, entendimento e diálogo, o Governo deve procurar ser responsável nesse sentido. O Governo é que sabe quais são as perspetivas que tem, os cenários, a capacidade e a disponibilidade financeira. Parece-nos, que foi dito também ontem pelo presidente do partido, que há demasiados compromissos a serem assumidos por um partido que tem uma minoria na Assembleia da República e que sozinho não consegue assegurar, naturalmente, que as suas propostas avancem.
Quando assim é, em democracia, nós falamos com os outros partidos, procuramos entendimentos para que algumas das nossas propostas avancem, mas também tendo consciência que não temos a maioria e possamos também negociar para que as propostas dos outros partidos também avancem. É assim que funciona quando não existe uma maioria no Parlamento e é assim que deve ser, não estamos a dizer nada de novo, não queremos ser paternalistas neste processo, simplesmente não podemos aceitar é que se ignorem regras básicas do funcionamento democrático.
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Ontem Carlos César estabeleceu a vitória nas eleições autárquicas como um dos objetivos do partido para os próximos anos. Acha que em algumas Câmaras faria sentido fazer acordos à esquerda?
O PS é um partido que assume responsabilidades de poder, de transformar a realidade, de melhorar a vida das pessoas. Quando nós somos oposição procuramos preparar-nos para assumir responsabilidades a seguir no exercício dessas funções. O Partido Socialista atualmente tem a responsabilidade de dirigir os destinos de muitos dos municípios do nosso país, procuramos fazê-lo com essa vontade, ambição de transformação e desde logo temos a vontade de renovar os mandatos e dar continuidade a esses projetos transformacionais que temos conseguido nos últimos anos, que se traduzem em muitos aspetos concretos, ao nível das políticas de habitação, de mobilidade, do ambiente, de natureza social e isso é uma marca clara que o Partido Socialista tem.
Nas Câmaras onde nós somos oposição e há algumas que têm muita dimensão e que são muito importantes no nosso país, o PS tem de construir projetos ambiciosos, e isso deve ser feito de forma aberta à sociedade, envolvendo cidadãos envolvidos em partidos políticos ou não, mas também estando disponível a conversar com outros partidos políticos onde possamos partilhar perspetivas de desenvolvimento daqueles territórios. Quando assim é, de forma natural devemos procurar entendimentos.
Isso fará sentido, por exemplo, em Lisboa?
Se existir essa avaliação. Em Lisboa, o PS deve estar aberto no envolvimento da sociedade, com todos aqueles que, como nós, não estão satisfeitos com os a qualidade de vida da cidade, de problemas que não se conseguem ultrapassar, de uma certa inação e apatia da parte da Câmara Municipal relativamente aos problemas, ou mesmo aquela postura de procurar sempre encontrar outro responsável. Portanto, é muito natural quando existe uma partilha de perspetivas, seja com a sociedade em geral, cidadãos independentes, seja com outros partidos, se procurar esse entendimento. Ainda estamos na fase em que o Partido Socialista obviamente está nessa fase de disponibilidade, de abertura, de diálogo. Se daí resultar, ótimo, juntaremos forças nesse sentido.
E tem-se falado de vários nomes para encabeçar essa eventual coligação a Lisboa. O Duarte Cordeiro já se afastou várias vezes nos últimos tempos por várias razões de cargos políticos. Não está em cima da mesa vir a encabeçar uma candidatura pelo PS?
Já várias vezes tive a oportunidade de referir-me relativamente a essa matéria e não há absolutamente nada de diferente.
Isso quer dizer que não vai?
Já respondi "n" vezes. Tem de compreender que não é pela pergunta se repetir várias vezes que a resposta será diferente. Já decidi, afastei-me da vida política e dos cargos políticos, portanto, não tenho intenção de me candidatar a nenhum cargo político.
Nem se tiver um processo parecido com o de António Costa, que conseguiu livrar-se de todos os empecilhos judiciais que tinha à sua frente para se tornar a Presidente do Conselho Europeu?
Eu não organizo a minha vida com base em suposições, reorientei a minha vida para uma vida profissional, constitui uma empresa, no setor privado, tenho essas preocupações neste momento na minha vida, participo na vida política e partidária através da direção nacional do Partido Socialista, é esse o meu espaço de participação.
E não tem saudades dos cargos políticos?
Ainda há pouco tempo desempenhei cargos políticos, não passou assim tanto tempo…
Ainda não teve tempo para ter saudades?
(Ri-se) Tenho uma noção da importância do desempenho de cargos públicos, da capacidade que temos de poder melhorar a vida das pessoas, transformar e melhorar o nosso país, poder responder a grandes desígnios nacionais, ficará comigo naturalmente sempre essa caracterização, vontade, capacidade de olhar para a vida pública de forma positiva. Isso não me tirarão certamente. Agora, tomei uma decisão para a minha vida, que manterei certamente por um período de tempo, que eu também não tenho de caracterizar, porque felizmente tenho a liberdade de poder determinar a minha vida quando me apetecer.
Por isso é que eu perguntei, podia ter mudado de ideias…
(Ri-se) Não, tenho a minha decisão tomada, está tomada por um período de tempo que eu analisarei em função da minha vida.
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