23 jul, 2024 - 14:23 • Filipa Ribeiro , Ricardo Vieira
O chefe da Casa Civil do Presidente da República garante que não existiu qualquer favorecimento no caso das gémeas por parte do Palácio de Belém. Fernando Frutuoso de Melo admite ser desconfortável estar a tratar de um pedido do filho do Presidente e que omitiu o email com um pedido de Nuno Rebelo de Sousa, para que o Governo não desse tratamento preferencial.
“Não houve qualquer tratamento de favor da parte da Presidência da República”, afirmou Frutuoso de Melo, na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Na sua declaração inicial, Frutuoso de Melo garantiu que responderá "a todas as perguntas" dos deputados "referentes a este assunto e a factos dos quais tenha tido conhecimento direto nas funções de chefe da Casa Civil do Presidente da República".
O chefe da Casa Civil descreveu, de seguida, uma sequência dos factos desde o momento em que Nuno Rebelo de Sousa, o filho do Presidente da República, enviou um email ao pai, a 12 de outubro de 2019.
O Presidente da República pode decidir prestar, ou(...)
Poucos meses antes, a sociedade portuguesa tinha-se mobilizado e conseguiu juntar o dinheiro para um medicamento inovador para tratar a bebé Matilde, que sofria de atrofia muscular espinhal. Na sequência deste caso, o medicamento acabou por ser financiado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No email de 12 de outubro de 2019, Nuno Rebelo de Sousa perguntava ao Presidente da República "se não se podia ajudar no sentido das crianças [as gémeas lusobrasileiras] que tinham a mesma doença e a nacionalidade portuguesa podiam ter acesso ao mesmo tratamento em Portugal", explicou Frutuoso de Melo, no Parlamento.
Nuno Rebelo de Sousa adiantou na mesma mensagem que o Centro Hospitalar de Lisboa Central já tinha sido contactado, mas não tinha dado qualquer resposta.
O Presidente da República reencaminhou o email do filho para o chefe da Casa Civil, com a mensagem: "será que a Maria João Ruela [assessora para os Assuntos Sociais e Comunidades ]pode perceber do que se trata?", disse Frutuoso de Melo aos deputados.
Maria João Ruela "pediu mais detalhes ao doutor Nuno Rebelo de Sousa, designadamente se as crianças estavam em Portugal". Ficou a saber que estavam em São Paulo, no Brasil.
"Na posse destes elementos, a assessora para os Assuntos Sociais e Comunidades, como fez e faz em muitos outros casos que nos chegam, procurou saber mais dados sobre os procedimentos das entidades competentes nestes casos, com base na referência ao Hospital de Dona Estefânia (Lisboa Central), que constava do email do Dr. Nuno Rebelo de Sousa."
No dia 22 de outubro, o chefe da Casa Civil enviou um email ao Presidente sobre o caso das gémeas. "Ao que sabemos, o processo foi recebido e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo, estando a ser analisados doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é naturalmente muito limitada e depende inteiramente de decisões médicas, do hospital e do Infarmed", referia na mensagem eletrónica para Marcelo Rebelo de Sousa.
A mesma informação foi enviada ao filho do Presidente, a 23 de outubro, perante a insistência de Nuno Rebelo de Sousa numa resposta.
A 24 de outubro Nuno Rebelo de Sousa voltou a perguntar, via email, para a assessora Maria João Ruela se não era possível fazer nada para "acelerar a análise e o processo" das gémeas.
De acordo com o chefe da Casa Civil, cinco dias depois, a 29 de outubro, Nuno Rebelo de Sousa enviou-lhe um email "perguntando o que podia responder aos pais das bebés, muito angustiados com a situação das filhas, sobre quando seriam contactados".
"Respondi-lhe que, cito, “a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses, daí que ainda não tenham sido contactados, nem é previsível que o sejam rapidamente. O SNS cobre em primeiro lugar as situações de pessoas que residam ou se encontrem em Portugal. Os portugueses residentes no estrangeiro têm direito a ser tratados pelos sistemas de saúde dos países onde residam, nos termos das convenções de segurança social, ou, no caso da UE, da legislação europeia”, segundo Frutuoso de Melo.
Depois desta troca de emails, a 31 de outubro de 2019, o assunto foi remetido para o chefe de gabinete do então primeiro-ministro, António Costa, "utilizando a fórmula habitual que deixa ao Governo a decisão sob a forma de agir, caso o entenda". O chefe de gabinete do secretário de Estado das Comunidades também foi informado.
Frutuoso de Melo revela que omitiu o email de Nuno Rebelo de Sousa - apenas transcreveu o conteúdo na mensagem ao Governo -, "anexando dois relatórios médicos e os cartões de cidadãs nacionais das duas crianças". O objetivo foi evitar qualquer pressão ou cunha.
"Não dei conhecimento ao Governo, nem ao chefe de gabinete do primeiro-ministro, nem a nenhuma outra entidade, de quem tinha transmitido tal solicitação à Presidência da República, de modo a evitar que tal pudesse eventualmente ser considerado por algum interlocutor como qualquer forma indireta de pressão ou de tratamento de favor", sublinha.
Nuno Rebelo de Sousa e os pais das gémeas foram informados que o caso foi relatado ao Governo e que "a decisão sobre o tratamento era exclusivamente médica, que cabia ao hospital dar resposta quando achasse adequado".
"E assim terminou a intervenção da Casa Civil", sublinha Frutuoso de Melo.
“Em resumo: sim, a Presidência da República foi contactada pelo Dr. Nuno Rebelo de Sousa; sim, a competência para decidir sobre estes tratamentos depende inteiramente de decisões médicas, do hospital e do Infarmed, e foi isso que foi comunicado àquele; e não, não foi dado tratamento de favor a este caso, havendo até cuidados acrescidos com o procedimento, para evitar que houvesse qualquer interpretação nesse sentido”, argumenta o chefe da Casa Civil.
De acordo com a mesma fonte, não foi encontrado qualquer outro registo na Presidência da República de qualquer diligência efetuada depois de 31 de outubro de 2019 sobre o caso das gémeas lusobrasileiras.
O chefe da Casa Civil do Presidente da República garantiu, também, que nunca falou com a ex-ministra da Saúde Marta Temido sobre o caso das gémeas luso-brasileiras, dizendo que não havia lista de espera.
"Nunca falei com a ministra da Saúde [Marta Temido] sobre o caso. O caso foi tratado como qualquer outro caso. A questão da lista de espera foi um erro de perceção da minha parte e tratámos o caso como muitos outros", referiu Frutuoso de Melo.
Questionado pelo líder do Chega, André Ventura, sobre a indicação, num "mail", de haver possibilidade de haver lista de espera no atendimento das crianças em Portugal, o chefe da Casa Civil do Presidente da República disse que se enganou.
Frutuoso de Melo assegurou que o Presidente da República não fez qualquer pedido de consulta para as gémeas. "O contacto foi feito para o Hospital Dona Estefânia. Não sabíamos do Santa Maria. Não houve nenhum contacto entre o Presidente da República e o Santa Maria", frisou.
De acordo com o chefe da Casa Civil do Presidente da República, o único hospital que tinha como referência era o Dona Estefânia, depois de Nuno Rebelo de Sousa referir num 'mail' o Centro Hospitalar de Lisboa Central.
"O objetivo do contacto [com o Dona Estefânia] foi saber como se faz, como este tipo de situações são tratadas, que são decisões tomadas pelo hospital e pelo Infarmed", disse, esclarecendo que "é habitual" a Presidência da República pedir indicações às entidades para poder responder às várias pessoas que enviam 'mails' e telefonam todos os dias a pedir ajuda.