06 mar, 2024 - 07:00 • Beatriz Pereira
Já com muitos quilómetros acumulados, em plena segunda semana de campanha eleitoral, os líderes dos vários partidos mostram, num périplo apressado pelo país, tudo o que têm para conquistar o eleitorado no próximo dia 10 de março.
Dois anos depois das últimas eleições, os beijinhos aos curiosos, os abraços aos apoiantes, os cânticos e as bandeiras continuam a invadir as televisões, rádios e capas de jornais. Mas, por mais estrada que façam, há um terreno que nenhum partido pode negligenciar: as redes sociais.
A par da visibilidade conseguida com os meios de comunicação tradicionais, os líderes, em conjunto com os gabinetes de comunicação, formulam estratégias e estudam conteúdos para serem partilhados nas várias plataformas — e assim chegarem diretamente aos eleitores, controlando a mensagem sem intermediários. Dos "tiktoks" às "threads" do X, dos "reels" e às "stories" do Instagram, sem esquecer o “velho” Facebook, cada partido, à sua maneira, tem-se servido dos recursos virtuais do momento.
Mas entre gostos, partilhas e comentários que se avolumam nas páginas dos candidatos e das forças partidárias, há "bots" [aplicações que simulam ações humanas, de forma repetida e padronizada] e contas falsas. Quem vê de fora nem sempre se apercebe — são concebidos para isso mesmo.
A Renascença questionou os gestores de redes sociais e diretores de campanha e comunicação dos vários partidos com assento parlamentar sobre o tema. Dos oito, a Iniciativa Liberal e a Aliança Democrática foram os únicos que não se mostraram disponíveis para responder.
Desbloqueie o telemóvel e entre, por exemplo, na aplicação do Instagram. Se não seguir a conta de algum partido político, pesquise o nome de qualquer um. O que vê? Fotografias e vídeos, é certo. E mais?
Vai certamente encontrar trechos de vídeo de debates e comícios, acusações de “mentiras” proferidas por outros líderes, recortes de notícias e propostas - tudo isto misturado com doses ponderadas de seriedade e de humor.
“As redes sociais deram alguma autonomia aos partidos na forma como comunicam com os eleitores e como constroem os eventos de campanha”, o que significa “que têm a possibilidade de gerir completamente a imagem que querem passar com os eventos e que, muitas vezes, não coincidem em absoluto quando nós vemos a mesma cobertura no jornalismo”, afirma à Renascença Rita Figueiras, investigadora na área da Comunicação Política e professora na Universidade Católica.
Segundo a especialista, as redes sociais funcionam “como uma extensão do trabalho que acontece num determinado lugar físico”, permitindo “construir uma imagem mais protegida e galvanizante, e claro, mais positiva”, tendendo “a personalizar ainda mais a política”.
Os políticos têm apostado a sério nas redes sociais, com conteúdo próprio e até diferenciado para cada plataforma.
Fabian Figueiredo, dirigente nacional e responsável pela comunicação do Bloco de Esquerda, explica à Renascença que o partido procura “que todas as iniciativas e propostas sejam comunicadas num formato mais adaptado a cada uma das plataformas — seja o YouTube, Instagram, Facebook, TikTok, LinkedIn ou os canais no WhatsApp”.
Com contas nas diversas redes sociais “praticamente desde que elas existem”, o Bloco de Esquerda diz que “sempre valorizou a sua presença na internet” e que a “preocupação é que a comunicação seja o mais direta e eficaz possível” com os eleitores.
Um objetivo partilhado pelo Partido Socialista. “Somos um grande partido com uma grande história e, portanto, tentamos que os conteúdos sejam também eles reflexo disso, tentando adaptar as nossas mensagens às plataformas, não entrando às vezes em algumas coisas mais na moda, que não se adequam à mensagem do partido”, refere à Renascença o gabinete de comunicação do PS.
Quando uma publicação é feita, independentemente do formato, os resultados podem medir-se no imediato. Se o algoritmo ajudar, chega a mais pessoas e, acreditam os partidos, pode ter a capacidade de influenciar mais tarde os votos nas urnas.
Legislativas 2024
O algoritmo pode afetar as nossas escolhas na hora(...)
“As redes sociais têm uma importância significativa, porque nos permitem medir resultados e métricas e saber o sucesso da nossa comunicação”, partilha com a Renascença Hugo Alexandre Trindade, diretor de campanha nacional do partido PAN. “Queremos que as causas que definem o PAN acabem por ser transpostas também para as redes sociais”.
Navegando entre os meios tradicionais e os digitais, o eleitorado tem na mão o poder de escolher o que quer ver e ouvir e o que quer partilhar.
Sem a intermediação dos jornalistas, os partidos podem publicar, sem filtros, o que querem, quando querem, da forma que querem.
“O significado dado aos eventos já não está exclusivamente do lado dos jornalistas, porque o conteúdo vai sendo construído em partilha com os eleitores”, adianta a investigadora Rita Figueiras.
À Renascença, Patrícia Carvalho, diretora de comunicação do Chega, dá um exemplo: “As redes sociais, seja em altura de campanha ou fora dela, têm uma importância acrescida, na medida em que não podemos estar só dependentes daquilo que é o espaço mediático que a imprensa nos proporciona, que não é muito e muitas vezes não passa a mensagem que nós queremos efetivamente passar, porque preferem passar 'fait divers'” [expressão usada para descrever as notícias com carga de sensacionalismo e pouca informação}.
O partido liderado por André Ventura destaca-se em número de seguidores em três plataformas. Recorrendo ao humor ou ao ataque cerrado aos opositores, o Chega, partido fundado em 2019, é o partido que acumula mais "likes" e interações, segundo um estudo feito pelos investigadores Gustavo Cardoso e José Moreno, que coordenam um projeto do MediaLab, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e a Empresa (ISCTE), em parceria com a agência Lusa.
No caso do Partido Comunista (PCP), há contas separadas para a Coligação Democrática Unitária (CDU). Já a Aliança Democrática (AD), coligação que junta PDS, CDS-PP e PPM, foi assinada a 7 de janeiro, altura em que foram criadas novas contas, distintas das contas oficiais de cada um dos partidos.
No final da primeira semana de campanha, Bloco de Esquerda llidera no TikTok; Iniciativa Liberal no X, Chega no Facebook, Instagram e Youtube.
Infografia: Beatriz Pereira e Salomé Esteves
O que explica os números das redes do Chega? A diretora de comunicação do Chega, Patrícia Carvalho, acredita que a resposta está na “autenticidade", que diz faltar aos "partidos mais antigos". "Eles estão muito presos ainda àquilo que é a comunicação política de há 20 anos”, afirma.
“Nós olhámos para o cenário político e para o cenário social que temos atualmente, em que as pessoas veem cada vez menos televisão e leem vez menos jornais e procuram cada vez mais a informação nas redes sociais. Se as pessoas estão nas redes sociais, é nas redes sociais que nós temos de estar para podermos passar a nossa mensagem”, explica.
Rita Figueiras, investigadora na área da Comunicação Política, dá ainda outra justificação. “A sua comunicação tem sido constante e contínua ao longo do tempo. Não é ativada de uma forma mais intensa em época eleitoral”, diz. “O partido continua com produção exclusiva para determinadas redes sociais”, juntando “o humor e a agressão”, que numa “rede organizada de conteúdos e perspetivas, direta ou indiretamente, consegue-se associar ao partido”.
Enquanto o partido de extrema-direita lidera no Instagram, Facebook e Youtube, através do canal ChegaTV, o Bloco de Esquerda, liderado por Mariana Mortágua, ganha em número de seguidores no TikTok. Já a Iniciativa Liberal, a que preside, desde 2023, um dos seus mais ativos elementos no antigo Twitter, Rui Rocha, ~´e o partido que congrega mais utilizadores no X.
E o que é que a todos une, mas também separa? O humor.
@blocodeesquerdaoficial Alerta a todos os gatos! A direita não deixou de ser o que sempre foi. Para não voltarmos ao século passado, é preciso votar Bloco. #Legislativas2024 #FYP ♬ som original - Bloco de Esquerda
Vídeo da conta do Bloco de Esquerda no TikTok
Vídeo da conta da Iniciativa Liberal no X.
Há pouco mais de quatro meses, a 7 de novembro de 2023, o primeiro-ministro António Costa apresentou a sua demissão, na sequência de investigações no âmbito da Operação Influencer. Dois dias depois, o Presidente da República convocava eleições para daí a quatro meses. Depois da surpresa inicial, rapidamente os partidos arregaçaram as mangas já com a campanha eleitoral em vista.
À Renascença, o Partido Socialista, agora liderado por Pedro Nuno Santos, sublinha que a estratégia nas redes em nada se alterou “com a mudança de liderança”. A única "mudança", sublinha o partido, tem a ver com o "contexto de campanha eleitoral”.
“Tudo se torna mais presente e mais visível no momento de campanha e obviamente o número de publicações e iniciativas é muito maior.”
Também o Partido Comunista, encabeçado por Paulo Raimundo, assinala o impacto do contexto de campanha.
À Renascença, Carina Castro, responsável pelo departamento de propaganda do PCP, explica que as redes da CDU “estão desativadas, não são alimentadas fora do período eleitoral". "Colocando-se a campanha, passámos a ter uma dinâmica quer nas contas do PCP, quer nas da CDU.”
“Há um trabalho de denúncia, de esclarecimento, de proposta que fomos fazendo ao longo da legislatura. Nós colocamos intervenções que fizemos na Assembleia da República a denunciar este ou aquele problema, ou a responsabilizar este ou aquele partido pela falta de soluções. Isso é um elemento de esclarecimento nas redes sociais”, afirma. “Nós não vemos o trabalho desta campanha apenas medido pelo número de votos”.
Já Paulo Muacho, responsável pela equipa de comunicação do Livre, diz à Renascença que, depois da saída de António Costa e com o processo eleitoral em curso, "as coisas acabam por ser trabalhadas de forma diferente”.
“Há partidos que são muito mais centrados no líder ou no candidato a primeiro-ministro. Para o Livre faz sentido mostrar essa diversidade que temos, até porque estávamos até este momento só representados pelo Rui Tavares no Parlamento e, portanto, só temos essencialmente uma cara pública que as pessoas reconhecem”, sublinha.
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Mas há quem admita uma mudança de tática. Hugo Alexandre Trindade, do PAN, revela que foi necessário “afinar ligeiramente a estratégia e a mensagem para conseguir chegar ao maior número possível de pessoas, para aumentarmos a nossa rede de simpatizantes e conseguimos ter o melhor resultado possível nas eleições”.
“O PAN é o partido da oposição com mais medidas aprovadas e, portanto, isso é uma coisa que nós, nas nossas redes sociais, exploramos muito e que os outros partidos não conseguem explorar”, diz.
Também o Chega aproveitou os chamados “casos e casinhos” do Partido Socialista para comunicar nas redes sociais.
“A partir do momento em que António Costa se demitiu, começámos a falar já numa estratégia de campanha, portanto toda a nossa comunicação estava já direcionada para as eleições”, explica a diretora de comunicação do Chega.
O fenómeno da política nas redes sociais é claro: geram-se "likes", acumulam-se interações, crescem os comentários e criam-se os chamados “memes”.
O X (antigo Twitter), por exemplo, é a rede que continua mais politizada. Segundo o estudo feito pelo MediaLab do ISCTE, na lista de 20 publicações com mais interações (soma de partilhas, comentários e gostos), a política é dominante, a par do desporto.
À mercê de cada partido, com ou sem assento parlamentar, estão inúmeras ferramentas digitais para explorar. Mas são também notórias as diferenças entre os grandes e os pequenos partidos, neste terreno.
Segundo a investigadora Rita Figueiras, embora as ferramentas sejam as mesmas, “não há o mesmo alcance”.
“Há pequenos partidos que estão muito próximos dos seus eleitores e muito vinculados àquela mensagem" mais circunscrita, porque "não têm muito espaço nos grandes media”, esclarece.
O partido Reagir Incluir Reciclar (RIR), fundado em 2019 por Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, é um desses exemplos.
Embora a líder seja agora Márcia Henriques, é Tino de Rans quem continua a fazer sucesso nas redes.
Para estes pequenos partidos, as redes sociais podem ser o palco mais eficiente para se mostrarem os protagonistas e as ideias, mas isso não significa que os resultados nas urnas se traduzam positivamente.
"Podem gerar muita interação, 'likes', comentários, muitas partilhas. Serem um grupo coeso e dinâmico internamente. Isso é bom para manter a base de apoio galvanizada, para mantê-la também mobilizada. No entanto, não significa necessariamente a capacidade de ultrapassar esse grupo que já está próximo, que já está convencido a votar nesse partido mais pequeno, tendo a dificuldade de conseguir fazer espalhar mais a sua mensagem", fundamenta Rita Figueiras.
Tal como Tino de Rans, também Ossanda Liber, líder do partido Nova Direita, tem apostado nas redes sociais.
Já reparou, por exemplo, em publicações com comentários a sugerir conteúdo sexual ou investimentos em mercados digitais e criptomoedas? Achou estranho? Têm um nome: "bots" [abreviatura de robots].
“Os 'bots' são programas que podem ser criados usando a Inteligência Artificial e a análise de dados, sendo desenvolvidos para simular ou imitar o comportamento humano nas redes sociais”, explica à Renascença Nuno Antunes, partner na agência de publicidade Milford. “Disseminam as suas mensagens e podem fazer-nos acreditar que são pessoas de 'carne e osso' mas, na realidade, é como se fossem uma mão invisível ou mestres das marionetes que, nos bastidores, manipulam as discussões com mestria”.
O professor de Marketing do ISCTE Executive Education admite que é no X que mais 'bots' operam, na medida em que é a rede social “mais associada às notícias”, “muito frequentada por jornalistas, líderes de opinião, políticos. É o 'viveiro' ideal para a implantação dos bots”, diz.
E qual a diferença entre "bots" e contas falsas? Como funcionam e influenciam a política?
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Uma fonte ligada à área do marketing explica à Renascença como tudo se processa. No passado foi gestor de contas de redes sociais de futebol e prefere manter o anonimato por causa do sigilo associado a esse trabalho. Conta que, "escondendo-se" por detrás de um nome e fotografia falsa (ou até de um ídolo do desporto), produzia conteúdo de forma recorrente, apoiando um determinado treinador ou jogador.
No seu caso, não eram os "bots" a “trabalhar”, mas sim as contas falsas, por si criadas.
“Há que distinguir entre o que são 'bots' e o que são contas anónimas, que são coisas completamente diferentes. O que há muito em Portugal são contas anónimas, nomeadamente no Twitter, porque a utilização de 'bots' nas redes sociais existe, mas é caro”, explica.
E dá um exemplo: “Imagine-se uma empresa em Singapura, que vende milhares de 'bots', para 100 seguidores, mil ou cinco mil seguidores, por 'packs'. São perfis criados em catadupa, com fotografias de perfil geradas por Inteligência Artificial ou roubadas a outras pessoas. Numa determinada publicação, ao ver a referência à palavra racismo, por exemplo, o 'bot' tem indicações dentro do seu código para espoletar determinado comentário.”
Uma vez implementada a estratégia, o fenómeno é difícil de travar, “porque quando cortas a cabeça de um 'bot', aparecem cinco a seguir”.
No seu caso, nunca recorreu ao uso de 'bots', diz, “até porque isso prejudica gravemente o algoritmo do Instagram”.
Enquanto que um 'bot' é “difícil que pareça legítimo”, por recorrer a linguagem e imagens menos verosímeis, os perfis falsos facilmente passam despercebidos, seja pela forma como comunicam, pelo conteúdo que partilham ou pelas fotografias que usam.
Há quatro anos, apenas um ano depois da fundação do Chega, a revista Visão revelou, numa reportagem sobre os bastidores do partido, que tinham sido detetados perto de 20 mil perfis falsos, que serviam de exército digital por trás do partido.
Os partidos de esquerda acusam a direita de continuar a recorrer a estes sistemas. “Investigações jornalísticas já denunciaram mais do que uma vez que há partidos de direita que recorrem a 'bots'. Portanto, é do conhecimento público que a direita radical portuguesa recorre a 'bots', histórias de boatos utilizados pelo PSD, pela Iniciativa Liberal e pelo Chega”, nota Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda. “Achamos condenável e não recorremos a isso”.
Também o Livre faz as mesmas acusações. “Tem sido uma estratégia, principalmente da extrema-direita internacional, de utilizar essas contas falsas para empolar aquilo que são os seus números nas redes sociais, para mostrar um bocadinho essa sensação de vaga de fundo, quando na verdade estamos a falar de contas falsas”.
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Paulo Muacho sublinha que “a partir do momento em que o período eleitoral começou, sentiu-se nas redes sociais um aumento bastante grande desse tipo de contas”.
Já o PAN aponta o dedo aos “lóbis da caça ou tauromaquia”, já que “é o único partido que os enfrenta”. “Para se protegerem, recorrem a 'bots' nas redes sociais que acabam muitas das vezes por invadir as nossas publicações”, refere Hugo Alexandre Trindade.
Do outro lado do espectro político, Patrícia Carvalho, do Chega, defende-se das acusações.
“Tenho a certeza que o Chega é um partido que não utiliza 'bots'. Tudo o que nós temos nas redes sociais são pessoas que realmente existem, não são perfis falsos. Agora, se me disser que há pessoas que criam perfis falsos? Possivelmente, nós não controlamos aquilo que as pessoas fazem”, adianta. “Sou eu que faço as publicações manualmente em cada uma das nossas redes. Portanto, não há aqui qualquer perfil falso nem qualquer 'bot'”.
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Estes sistemas, automatizados (no caso dos 'bots') ou com dedo humano por trás, produzem inúmeros conteúdos, com um propósito específico — seja defender uma causa ou gerar confusão em torno de um determinado tema.
Há terreno fértil para isso? “O Twitter é um lamaçal de informação, portanto, até pode ser valioso para o próprio Twitter ter estes perfis. Quanto mais confuso for um determinado 'thread', mais tempo vou passar a lê-lo se tiver interesse no assunto. Com 'bots', perfis anónimos e pessoas legítimas, todos a discutir uns com os outros, o Twitter só tem a ganhar”, diz o antigo gestor de redes futebolísticas à Renascença.
No mundo da política, o recurso a estas “máquinas” pode “manchar a reputação de indivíduos ou associações políticas, espalhando críticas negativas, conteúdo difamatório ou falsas acusações” e ainda “contribuir para a polarização do discurso político”, sublinha Nuno Antunes, da agência de publicidade Milford.
Se tem algum perfil numa rede social, ou até em várias, alguma vez pensou o quanto “viaja” todos os dias? Segundo um estudo realizado por uma equipa de investigadores da Universidade Lusíada, intitulado “Scroll, Logo Existo", fazemos, em média, cerca de quatro quilómetros de "scroll" por dia.
São milhares de perfis, fotografias, vídeos, notícias, "stories", comentários, "likes", partilhas. E no meio desta torrente de informação, como distinguir o que é ou não é verdade?
Segundo o professor de marketing Nuno Antunes, “os 'bots' evidenciam, habitualmente, lacunas evidentes nas suas informações. É o caso da falta de fotos de perfil, biografia limitada ou frases repetitivas”.
Para além disso, no campo da política, as mensagens que um "bot" profere "são incisivas e andam sempre à volta do mesmo tema, como é o caso de propaganda política relativa a um ato eleitoral específico”.
Contrariamente aos perfis falsos, onde há interação com outros perfis, “os 'bots' não se envolvem com outros utilizadores das redes sociais. São genéricos, mas quando respondem fazerem-no automaticamente, revelam que é um 'mecanismo' que está por trás e não uma pessoa, passando a ideia de SPAM”.
Num ano em que milhões de pessoas em todo o mundo vão às urnas, a empresa Meta, que engloba o Instagram, Threads, Facebook e WhatsApp, vai permitir que os utilizadores escolham se querem ou não continuar a receber sugestões de publicações com caráter político.
A proposta, anunciada no início de fevereiro, abrange, numa primeira fase, o Instagram e o Threads, e mais tarde o Facebook.
Segundo o comunicado da plataforma, os temas como a atividade de governos, eleições ou tópicos sociais vão passar a ter um tratamento diferenciado e só chegarão aos utilizadores que assumam de forma explícita que querem obter sugestões relacionadas com esses conteúdos.
Os partidos lamentam a decisão da empresa e criticam o comportamento dos algoritmos. “A Meta devia era preocupar-se em criar um ambiente de debate democrático nas suas plataformas”, defende Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda. “O algoritmo não é segredo. Várias investigações e análises já demonstraram que promove o discurso de ódio, a polarização, e as ideias da direita radical. Deviam era garantir que não são agentes de difusão de desinformação”.
Mudanças nas plataformas são “medidas preventivas”(...)
Também Paulo Muacho, do Livre, partilha o desagrado. “Os algoritmos têm sido uma grande ajuda ao crescimento da extrema-direita, porque acabam por ser um campo fértil para discursos de ódio, portanto é importante que haja regulação também no mundo digital”. No entanto, “uma limitação de conteúdo político só porque é conteúdo político é sempre um tópico bastante polémico e desagradável para estas empresas. Não nos parece que seja o melhor caminho esse tipo de censura”.
Já Carina Castro, do PCP, afirma que “o algoritmo tem mistérios pouco transparentes” e, portanto, “à boleia de medidas para conter as 'fake news' e a desinformação, acabam por entrar em linhas perigosas do ponto de vista democrático, sem que, no concreto, combatam efetivamente aquilo a que se propõem”.
O Chega, por outro lado, acredita que não vai sentir um impacto negativo na sequência desta medida, pelo facto de ter, na soma de todas as redes sociais, “talvez mais de meio milhão de seguidores”.
“São pessoas que nos seguem diariamente e mesmo que a Meta faça esse trabalho — que julgo que não deveria ser feito porque não se coaduna com a democracia em que vivemos —, os seguidores vão continuar a vir à procura dos nossos conteúdos e saber o que é que nós estamos a fazer e que mensagem que estamos a transmitir”, defende Patrícia Carvalho.
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Para Paulo Dimas, coordenador do Centro para a Inteligência Artificial Responsável, “o maior risco neste momento é o risco da desinformação, portanto as redes sociais têm a obrigação de impedir a propagação de notícias que sejam falsas, embora seja difícil haver esse controlo”.
Embora a nova proposta da Meta deixe o utilizador decidir a que quer ter acesso, o também responsável pela área da inovação da Unbabel recorda à Renascença que a empresa criada por Mark Zuckerberg “tem feito grandes avanços para detetar notícias falsas e já o consegue fazer a uma escala bastante grande", cobrindo "cerca de 90%" dos conteúdos de desinformação. "Mas isso não quer dizer que consigam a 100%.”