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Legislativas 2024

Os círculos eleitorais entre 1976 e 2024: cinco curiosidades e uma viagem no tempo

23 fev, 2024 - 19:00 • Salomé Esteves

A Assembleia da República encolheu de 262 para 230 deputados desde as primeiras legislativas do pós-25 de abril. Entre um crescimento de quatro deputados em Braga, uma menor distância entre Lisboa e o país, e mais eleitores no estrangeiro, o que mudou nos círculos eleitorais portugueses nos últimos 48 anos?

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Os Açores já estiveram divididos em três círculos eleitorais. E os eleitores da Europa aumentaram mais de 1000% entre 2015 e de 2019. Nestas legislativas, Viana do Castelo perdeu um deputado para Setúbal. Normal ou exceção à regra? Como são calculados os deputados pelos círculos eleitorais? E que mudanças ocorreram desde as primeiras eleições do pós-25 de abril? A Renascença responde a todas estas perguntas, através de cinco curiosidades sobre os círculos eleitorais.

A 5 de abril de 1976, fazia-se história: a distribuição final dos deputados pelos círculos eleitorais era feita, pela primeira vez, por decreto de lei, vinte dias antes das primeiras legislativas pós-25 de abril. Nesta altura, o parlamento tinha 262 assentos. Mas a decisão era anterior. O princípio de que os deputados portugueses são definidos em proporção com o número de eleitores inscritos em cada círculo eleitoral foi definido desde 15 de novembro de 1974. Neste dia, foi publicada a lei que cria a Comissão Nacional de Eleições.

Este documento também estabelece as normas para as eleições que se seguiriam em 1976. Muitas permanecem até hoje - a definição dos círculos eleitorais não se alterou, e ficou decidido que deviam coincidir com os “distritos administrativos” e ter o mesmo nome.

Na lógica dos círculos eleitorais portugueses, cada deputado correspondia, em 1976, a 25 mil eleitores, ou, “resto superior a 12.500”. Esta proporção, e até o número de deputados, mudou: em 1979, o parlamento foi reduzido a 250 deputados e, em 1991, fixou-se nos atuais 230.

Cada eleitor elege os deputados consoante o seu círculo eleitoral. Segundo o método de Hondt, que é aplicado na distribuição dos assentos parlamentares desde 1976 (e até antes, na eleição da Assembleia Constituinte, em 1911, nos círculos de Lisboa e do Porto), os deputados são eleitos por cada círculo eleitoral em proporção ao número de votos que o seu partido recebe num dado distrito ou círculo eleitoral. Mas, a partir do momento em que são eleitos, deixam de corresponder aos milhares eleitores do círculo eleitoral, e do colégio eleitoral, por que concorreram, mas passam a ser “representantes do Povo Português”.

Enquanto os círculos eleitorais podem parecer apenas uma definição administrativa ou uma confusão burocrática no exercício de voto, há (pelo menos) cinco curiosidades escondidas na sua história desde 1976.

Há quatro círculos que cresceram desde 1976 (e o que mais encolheu foi Lisboa)

Aveiro, Braga, Porto e Setúbal têm hoje mais deputados do que em 1976, quando a Assembleia da República tinha 262 deputados. Mas estes distritos também têm mais deputados agora do que tinham em 1991, quando o número de assentos no parlamento foi reduzido para 230.

Dos quatro, foi Braga que mais cresceu. Em 1976, o distrito correspondia a 15 deputados. Nas próximas legislativas, serão 19 os deputados a concorrer por este círculo eleitoral.

Braga tem crescido em representação parlamentar desde os anos 80, e fixou-se no número atual de deputados em 2009.

Já Setúbal manteve-se em 17 deputados entre 1976 e 2015, quando ganhou um. Este ano, voltou a crescer, com um deputado que "rouba" a Viana do Castelo.

Os mapas oficiais da distribuição de deputados pelos círculos eleitorais, publicados em Diário da República, só começaram a listar os números de eleitores para as eleições legislativas de 2009. Desde então, Setúbal foi o círculo que mais eleitores ganhou.

Aveiro e Porto têm mais dois deputados hoje do que em 1976 e ambos perderam durante o caminho. Nos anos 90, Aveiro chegou a ter 14 e o Porto, 37. Hoje, Aveiro fixa-se nos 16 e o Porto, nos 40, como segundo maior círculo eleitoral.

O distrito que perdeu mais deputados foi Lisboa. Em 1976, tinha 58, em 1991, passou para 50, e hoje tem 48 representantes. Esta queda não representa uma menor representação do distrito mais populoso do país no parlamento, mas uma diminuição da diferença para os restantes círculos eleitorais.

A distância entre Porto e Lisboa em 1976 era de 20 deputados. Hoje é de oito. Nessa primeira eleição, a diferença entre Lisboa e Braga, que hoje tem 19 deputados, era de 43 representantes, enquanto nestas legislativas, é de 29. Já para Setúbal, que hoje também elege 19 deputados, a discrepância passou de 41 para 29.

Nove círculos eleitorais perderam 10% de eleitores ou mais nas últimas seis eleições

Desde 2009, quando os mapas oficiais da distribuição de deputados passaram a incluir o número de eleitores por círculo eleitoral, há oito círculos eleitorais que perderam mais de 10% dos seus eleitores.

Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre e Vila Real são também os círculos eleitorais com menos deputados No grupo está ainda Viseu, que, com oito deputados, elege mais dois do que a Madeira e os Açores, que acumularam eleitores desde 2009, e do que Viana do Castelo, que perdeu 8%.

Cada um dos restantes seis elege entre dois e cinco deputados. Portalegre é o círculo eleitoral em solo nacional a eleger apenas dois deputados.

No total, há mais 14% de cidadãos nacionais eleitores para as legislativas de 2024 do que havia em 2009. As perdas de eleitores nestes círculos eleitorais são compensadas pelo aumento no número de eleitores nos círculos eleitorais do estrangeiro.

Bragança, Portalegre e Vila Real perderam dois deputados cada desde 1976. Já os círculos eleitorais de Beja, Castelo Branco, Évora, Guarda e Viseu perderam três.

Em 1976, Viseu e Leiria correspondiam ao mesmo número de deputados, 11. Hoje, Leiria elege 10 deputados, mais dois do que Viseu.

Desde que o parlamento tem 230 assentos, só Leiria e os Açores estão na mesma

Em 1991, o parlamento foi reduzido de 250 para 230 deputados, fixando-se na estrutura que tem hoje. Nessa eleição, havia, em Leiria eleitores correspondentes a 10 deputados. Hoje, esse número mantém-se. O mesmo aconteceu com os Açores, que elege cinco deputados, como em 1991.

Nas 11 eleições que decorreram desde então, os dois círculos eleitorais não perderam nem ganharam nenhum deputado.

Desde as legislativas de 2009, o eleitorado de Leiria decresceu 2% e o dos Açores aumentou 6%, mas nenhuma das alterações é suficiente para alterar o número de representantes.

Se esquecermos que o parlamento encolheu, o cenário é diferente.

Apesar de em 1991 ter perdido um deputado, a Madeira vai eleger, nas legislativas de 10 de março, seis deputados, o mesmo número que elegeu nas eleições de 25 de abril de 1976, quando o parlamento era composto por 262 assentos.

Durante 11 eleições, a Região Autónoma perdeu um deputado, mas voltou a subir na representação em 2011.

Os Açores já foram divididos em três círculos eleitorais

Nas eleições de 1976, os Açores não tinham um círculo eleitoral único, mas eram representados na Assembleia da República por políticos de Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta.

Individualmente, e excluindo os círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa, os três círculos eleitorais açorianos eram os mais pequenos do país.

A dimensão diminuta destes círculos levou à inscrição de uma exceção na lei de 15 de novembro de 1974, onde se referia que “somente no distrito da Horta” o número de eleitores “se supõe inferior a 37.500”. Por isso, a eleição seguinte seria feita por “sistema maioritário” para eleger um deputado, ao contrário dos outros distritos, que elegeriam dois ou mais, segundo o método de Hondt.

Estes três círculos correspondiam aos três distritos autónomos definidos em 1895. Ponta Delgada agrupava as ilhas de Santa Maria e São Miguel; Angra do Heroísmo incluía a Terceira, a Graciosa e São Jorge; e a Horta abarcava as ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo.

Esta divisão manteve-se até agosto de 1975, quando tomou posse a Junta Governativa dos Açores. Mas as primeiras eleições legislativas regionais só viriam a acontecer a 27 de junho de 1976, depois das eleições nacionais. O primeiro governo regional tomou posse em setembro desse ano.

Em 1976, os três distritos dos Açores somavam seis deputados - três para Ponta Delgada, dois para Angra de Heroísmo e um para a Horta.

Nas eleições seguintes, em 1979, os Açores aparecem já como um círculo eleitoral único, como acontecia com a Madeira, elegendo não seis, mas cinco deputados.

A Europa tem o mesmo número de deputados do que Portalegre, mas 10 vezes mais eleitores

O número de eleitores nos territórios fora de Portugal continental e ilhas aumentou subitamente, entre as legislativas de 2015 e de 2019: passaram de 78.253 para 895.515, de acordo com os mapas oficiais. Isto representa um aumento de 1044%.

O mesmo aconteceu para os países fora da Europa, ainda que com um declive menos acentuado. Em 2015, havia 164.273 eleitores fora da Europa. Em 2019, estes eram 570.435, um aumento de 247%.

Mas este aumento (repentino) no número de eleitores não se traduziu num aumento proporcional nos deputados eleitos. Este aumento é explicado por uma alteração na lei do recenseamento eleitoral. Até 2019, o recenseamento era voluntário para “os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro” e para os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal. A partir de 2019, com a inscrição automática de “todos os cidadãos nacionais, maiores de 17 anos”, os residentes no estrangeiro passaram a ter a opção - em vez de se recensear -, de cancelar a sua inscrição no recenseamento automático ao obter ou renovar o cartão de cidadão.

Esta alteração da lei não levou a um aumento da abstenção, mas a uma participação mais ativa dos cidadãos portugueses no estrangeiro nas eleições legislativas.

Em 2022, votaram 11,42% do milhão e meio de eleitores inscritos no estrangeiro. E nas de 2019, esta percentagem foi de 10,79%, o que se traduz em pouco mais de 158 mil votantes. Antes da alteração da lei, em 2015, votaram 11.68% dos eleitores inscritos nos dois círculos eleitorais do estrangeiro – uma proporção semelhante. Acontece que esta percentagem representou perto de 28 mil cidadãos.

Enquanto a percentagem de votantes se manteve a mesma antes e após a implementação da nova lei do recenseamento face ao total de eleitores inscritos, o número de cidadãos que votou na Europa e fora da Europa aumentou 458%.

Mesmo com esta alteração, houve sempre dois deputados em cada um destes círculos e, hoje, há mais de um milhão e 500 mil eleitores nestes territórios combinados.

Então, como são feitas as contas dos deputados nos círculos do estrangeiro? Em 1976, definiu-se que os círculos da Europa e de Fora da Europa teriam “um deputado se o número de eleitores inscritos não atingir 37.500, e dois, se esse número for igualado ou excedido.”

Antes das eleições legislativas de 1991, quando o parlamento foi reduzido para 230 deputados, o número de eleitores por deputado nos círculos do estrangeiro passou para 55 mil, mas mantiveram-se os dois deputados por cada um destes círculos.

Este ano, cada deputado do círculo eleitoral da Europa corresponde a pouco mais de 460 mil eleitores, enquanto um deputado do círculo eleitoral de Fora da Europa corresponde a cerca de 300 mil eleitores.

Se a conversão destes eleitores em deputados seguisse o mesmo cálculo do que os círculos nacionais, a Europa seria o terceiro maior círculo eleitoral a seguir ao Porto e Lisboa e o círculo de Fora da Europa viria a seguir a Aveiro, Braga e Setúbal.

Ao fazer uma conversão direta entre o número de eleitores que cada um destes deputados deveria representar e os eleitores registados nestes territórios, a Europa teria 17 deputados e os países fora da Europa, 11. Mas as contas a estes dois círculos nunca foram feitas da mesma maneira.

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