12 set, 2023 - 22:24 • Susana Madureira Martins, enviada da Renascença a Estrasburgo
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que esta quarta-feira faz o discurso sobre o Estado da União, "tem que mostrar que não quer arrastar os pés” como a direita e desbloquear reformas e medidas importantes para o presente o futuro da União Europeia, defende o eurodeputado socialista Pedro Marques, em entrevista à Renascença.
Pedro Marques considera que a esquerda tem que ganhar as eleições europeias do próximo ano "para que as políticas da extrema-direita não ganhem força na Europa".
O eurodeputado socialista garante que o primeiro-ministro está concentrado em governar Portugal, mas também admite que "muitos colegas" seus perguntam "recorrentemente" se António Costa poderá ocupar um cargo europeu.
Falta menos de um ano para as eleições europeias. O contexto do mandato de Ursula von der Leyen foi avassalador?
Sim, este foi um mandato a todos os títulos extraordinário. Qualquer Comissão Europeia que enfrentasse este mandato tinha que ter uma capacidade de resposta muito grande, enfrentámos pelo menos duas enormes crises totalmente inesperadas, nomeadamente a crise da Covid-19 e, agora, a guerra na Ucrânia.
Enfrentámos uma crise esperada que já está aí, mas essa sim, estávamos a preparar-nos para ela e começámos a trabalhar desde logo no início do mandato, a emergência climática em que já estamos. Nós, socialistas e democratas europeus, preparámo-nos para este mandato. Claro, não nos podíamos preparar para crises destas inesperadas, mas preparámos a questão da transição climática, para os direitos das famílias no contexto dessa transição e também da transição digital, para a necessidade de uma Europa que tivesse uma governação económica que não estivesse sempre a empurrar-nos para crises orçamentais e para recessões. E conseguimos, mesmo se a presidente da Comissão não vinha da nossa família política, porque precisou dos nossos votos, conseguimos influenciar significativamente a sua agenda.
Com os nossos comissários, implementámos finalmente ao fim de tantos anos que lutamos por uma lógica de uma resposta mutualizada às crises, uma dívida mutualizada. As chamadas bazucas. Tivemos uma resposta europeia forte na dimensão social, nomeadamente com a questão dos salários mínimos, mas também o próprio apoio aos Estados-membros, nas necessidades sociais na altura da crise Covid. São exemplos de políticas com a forte marca da nossa família política. A implementação do 'Green Deal", de que fomos os campeões com o Franz Zimmermann.
Que causou fraturas até entre a própria família política de Ursula von der Leyen, o PPE.
Exatamente, e esse é talvez o grande desafio deste momento e deste estado da União. Ainda não fechámos o mandato. Nós temos desafios muito grandes ainda neste último ano, um deles, exatamente a implementação do 'Green Deal', desta agenda climática, que ainda tem ficheiros importantes do ponto de vista legislativo para fechar e para aprovar, e vemos o PPE a tentar arrastar os pés.
E a senhora Von der Leyen tem que mostrar que não quer arrastar os pés como o líder do seu partido a nível europeu. A senhora Von der Leyen tem que mostrar vontade de fazer aprovar até ao final do mandato e de ajudar o Conselho e o Parlamento a fazerem aprovar regras orçamentais que não afundem a economia europeia.
A economia europeia está agora em risco por causa da situação dos preços, há muitos países agora em risco de recessão. Não é ainda o caso de Portugal, mas a situação está a ficar significativamente mais difícil.
Entrevista Renascença
O vice-presidente do PPE faz um balanço "muito pos(...)
E Von der Leyen tem tido abertura para isso?
Temos encontrado abertura até agora. Esperamos que o resto do mandato vá nesse sentido. Ainda esperamos acabar um pacto para as migrações que seja decente e humano. Portanto, o mandato ainda não terminou, há muito trabalho para fazer e há claramente aqui escolhas a fazer entre um caminho que é esse do centro de direita do PSD e do CDS, que são esses muros nas nossas fronteiras, que é o caminho da rigidez nas regras orçamentais, que é o caminho de travar o 'Green Deal' ou o nosso caminho, que é o caminho de continuar a proteger os trabalhadores no contexto das transições, o caminho de políticas sociais humanas, o caminho de proteger os trabalhadores, por exemplo, das plataformas digitais que estão a ser brutalmente desprotegidos no contexto da transição digital. Essa é a escolha com a qual vamos confrontar Von der Leyen. Esperamos, de facto, respostas afirmativas.
Dá uma boa vantagem para a presidente da Comissão Europeia querer renovar o seu mandato e para os socialistas europeus lhe darem a mão?
Na altura vamos ver. Neste momento, diria que é um pouco prematuro falar de nomes em relação ao novo mandato. O mais importante é, nesta fase, falar de políticas, quer deste mandato, quer já o lançamento do próximo mandato.
Pelas previsões que agora vimos, da própria Comissão Europeia, chegaremos a 2024 ainda com uma situação económica muito complexa. O que interessa a nós, mais socialistas e democratas europeus, é focarmo-nos nestas políticas que voltaremos a propor nas próximas eleições. Depois teremos tempo para discutir quem são as pessoas que protagonizam essa agenda. Vamos continuar a trabalhar e, já agora, vamos obviamente trabalhar para ganhar as eleições europeias. Está perfeitamente ao alcance dos socialistas e democratas europeus.
O grupo dos Socialistas europeus não está destinado a ser a eterna segunda família política mais votada?
Acreditamos simplesmente que sim. Somos uma família política presente na generalidade dos países europeus. Temos políticas que fizeram a diferença. Olhando para as projeções que são feitas da votação para as eleições europeias estamos muito próximos, não estamos empatados, estamos um pouco atrás, mas muito próximos do PPE, portanto, não há nenhuma boa razão do meu ponto de vista para não ambicionarmos ganhar as eleições.
Temos que ganhar estas eleições para que as políticas da extrema-direita não ganhem força na Europa. O PPE, como se viu nestes meses, desde o início de 2023 quando se sentiu em crise ou em risco de não conseguir ganhar as eleições europeias, procurou copiar as políticas da extrema-direita para tentar ir buscar votos a essa extrema-direita. É muito perigoso para a Europa esta nova coligação em vários governos europeus. Queremos ganhar estas eleições para que não vingue essa viragem à extrema-direita do centro-direita europeu.
Prevê-se que o novo Parlamento que irá sair dessas eleições fique ideologicamente mais radicalizado, quer à esquerda, quer à direita?
Queremos sobretudo acreditar, como família política europeísta, que teremos, por todas as indicações que temos, um bom resultado e acreditamos, apesar de tudo, que as maiores famílias políticas europeias, europeístas, continuarão a ter os melhores resultados, continuarão a ser os maiores. Mas há, de facto, um risco de um crescimento da extrema-direita.
Pode de alguma maneira estar em risco o acordo tácito existente entre as grandes famílias políticas que permite, por exemplo, a escolha da presidência do Parlamento Europeu, dividida depois por mandatos?
Essa pergunta tem que ser colocada ao senhor [Manfred] Weber [presidente do PPE]. Tem uma visão, por vezes, demasiado radical das políticas e menos compreensiva, porventura das dificuldades dos outros. Mas Manfred Weber não é só isso, é de facto, o homem que está a liderar o PPE em direção às políticas da extrema-direita.
Se o PPE se apresentar às eleições europeias e depois das eleições europeias com essa espécie de coligação de políticas com a extrema-direita, de facto, a grande maioria europeísta poderia ficar em causa. Quero acreditar que o PPE seja chamado à razão porque há lá partidos europeístas e espero que aqueles que dentro dessa família política recusam essas coligações com a extrema-direita tenham ganho de causa no futuro.
Ao PS causa efeito negativo a conversa da ida ou não do primeiro-ministro, António Costa, para um cargo europeu, é algo que atrapalha o percurso dos socialistas?
Ocupa espaço mediático, é evidente e é recorrente. E aqui, também não vou esconder, que muitos colegas meus me perguntam recorrentemente se António Costa poderá vir agora a seguir às eleições europeias ou até nesse contexto antes.
O primeiro-ministro tem sido bastante claro, liminarmente claro a dizer que tem um compromisso com os portugueses para este mandato e não lhe damos mais atenção do que isso nesta fase. Apresentar-nos-emos como socialistas e democratas europeus, com fortes candidatos às eleições nos vários países. Isso não nos ocupa mais tempo do que de facto esse tempo mediático.
Como tem sido óbvio em Portugal, ele está absolutamente concentrado na governação em Portugal. Mesmo se obviamente isso implica assumir as suas responsabilidades que são muito grandes no contexto europeu onde ele é uma das vozes mais ouvidas.
Não é um caminho que esteja a ser preparado neste momento?
É normal que os líderes mais destacados das várias famílias políticas, e estando em funções há mais tempo, que se fale dos seus nomes para a possibilidade de ajudarem a fazer continuar a crescer esta Europa. António Costa está a desempenhar o mandato e foi tão claro quando obtivemos a maioria absoluta a dizer que tem um compromisso com os portugueses. Há pouco tempo voltou a falar nisso. Portanto, António Costa está absolutamente concentrado nessa governação.
E em relação ao seu futuro, tendo em conta que foi o cabeça de lista nas últimas eleições?
Não é um assunto que tenha discutido ainda com o primeiro-ministro e secretário-geral do Partido Socialista, com quem o discutirei em devido tempo, não lhe vou dizer que que não é um assunto sobre o qual já tenha refletido, com certeza que sim.
Tenho trabalhado muito aqui no contexto do Parlamento Europeu e, de facto, com os vários líderes europeus aqui no contexto do Parlamento Europeu, com todos os líderes dos grupos parlamentares com a minha própria líder, a quem tem apoiado muito. Tenho feito um trabalho que, de facto, num mandato tão desafiante, me tem dado muito prazer fazer, mas também adorei trabalhar no Governo em Portugal.
Não estou nada angustiado com essa matéria. Há de ser matéria que certamente nos próximos meses, discutirei com o secretário-geral do PS.