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Entrevista

"Não consigo entender isto". Antigo chefe do SIRP estranha semanas de debate sobre ação do SIS

02 jun, 2023 - 19:45 • Pedro Mesquita

Júlio Pereira considera que seria "inútil", ou próximo disso, a constituição de uma nova Comissão de Inquérito, a partir da CPI à TAP: "Dali, provavelmente, pouco ou nada sairá. Só será prejudicial".

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Entrevista ao antigo secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira
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O antigo secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) sublinha, em entrevista à Renascença, que a atuação do Serviço de Informação terá que ser preservada porque "há interesses nacionais em causa".

E é exatamente por isso que Júlio Pereira olha "com muita estranheza" para o arrastar deste caso, na Comissão de Inquérito à TAP: "De facto, pôr esta questão do SIS no centro do debate político durante semanas, e envolvendo a quase totalidade dos órgãos de soberania, é uma coisa muito estranha".

Já sobre a atuação do Serviço de Informações, no caso do computador, o antigo secretário-geral do SIRP considera que nada houve de ilegal e que interessa pouco saber se foi "A", "B" ou "C" a comunicar com o SIS, porque: "Qualquer pessoa pode fazê-lo, não é preciso ser ministro, secretário de Estado ou chefe de gabinete".

O chamado caso Galamba, do computador recolhido pelo SIS, já se arrasta há mais de um mês. Foi secretário-geral do SIRP e, antes disso, também diretor-geral adjunto do SIS. Como vê este arrastar do tema?

Olho com muita estranheza. De facto, pôr esta questão do SIS no centro do debate político durante semanas, e envolvendo a quase totalidade dos órgãos de soberania, é uma coisa muito estranha. Não consigo entender isto.

Isto está a fazer mossa ao SIS?

Os serviços exteriores congéneres têm uma boa impressão do trabalho do SIS e das suas capacidades. Portanto, penso que a esse nível não gera grandes problemas.

Na opinião pública, em Portugal, isto faz mossa...

Sim. Aí sim, de facto, provoca um desgaste. Mas eu acho que as próprias pessoas, ao fim de algum tempo, começam a pensar: “Mas o que é que está por trás disto? O que é que isto significa?”.

Essa é a pergunta que se coloca. O que vemos no Parlamento, sobretudo no plano político, é uma série de contradições. Não seria melhor clarificar isto de uma vez por todas?

Não sei...eu, sinceramente, penso que as coisas estão no essencial esclarecidas. Houve alguém que comunicou a situação ao SIS. Não sei que interesse tem saber se foi A, B ou C. Qualquer pessoa pode fazê-lo, não é preciso ser político, não é preciso ser ministro, secretário de estado, chefe de gabinete, seja quem for. E, portanto, é na sequência de uma notícia destas que o SIS atua.

Em que lei é que se baseia para dizer que a atuação do SIS, neste caso, terá sido legal?

Na lei-quadro do SIRP e na respetiva regulamentação.

Mas nada indica que ir buscar um computador a casa de alguém é uma atuação legal.

A lei não faz previsões desse tipo, porque a realidade tem muito mais imaginação do que as leis. Aquilo que a lei diz é, por um lado, o âmbito de atuação: A produção, pesquisa, tratamento e disseminação de informações. Diz, por outro lado, simplesmente aquilo que o SIS não pode fazer.

Está no âmbito da sua atividade, ir buscar o computador a casa de um cidadão?

Ouça, não foi buscar um computador, foi buscar informação classificada que estava num computador. Portanto, a partir do momento em que há informação classificada numa situação de comprometimento, e que a informação é classificada para prevenir ações de sabotagem e de espionagem...é evidente que está dentro das missões dos Serviços de Informações de Segurança. A Polícia Judiciária trata de assuntos de investigação criminal e o Serviço de Informações de Segurança, trata de assuntos relacionados com a preservação da informação classificada.

Só que o SIS não é uma polícia e, portanto, o cidadão estranha. Ainda para mais à noite.

Não sei se estranha. Quer dizer, os Serviços de Informação e Segurança, tal como a polícia, quando chega a determinada hora não fecham a sua atuação? Agora, o SIS não atuou como polícia. Não atuou como polícia em vertente nenhuma.

Seria também suposto que atuasse de uma forma coordenada, creio eu. Como é possível um agente do SIS ir buscar um computador à noite e a Polícia Judiciária que, segundo o próprio ministro Galamba, tinha sido alertada por ele, só achou importante ir buscar o computador na manhã seguinte? E quando lá chegou, o elemento da Polícia Judiciária não sabia que o computador já tinha sido entregue, na noite anterior, ao SIS. Isto não é estranho?

A coordenação? Não vejo...não vejo necessidade nenhuma até porque, no âmbito das suas competências, o SIS tem competência exclusiva. É evidente que se houver uma situação em que, manifestamente, seja relevante também para a polícia, deve haver uma comunicação entre ambas as instituições. Agora, se disseram que alguém sai com um computador que tem lá informação classificada...por parte do Serviço de Informações de segurança, o que releva é o facto de haver uma informação classificada em situação de risco. É só isso, mais nada.

Mas, sendo diversas entidades alertadas pelo governo e pelo Chefe de Gabinete, como é que uma entidade como o SIS entende ir lá naquela noite, porque era muito importante, e a Judiciária só lá vai no dia seguinte?

Uma informação classificada é aquela cujo conhecimento, por pessoas não devem a ela aceder, põe em risco os interesses ou a segurança nacional. E, portanto, no que diz respeito ao Serviço de Informações de Segurança, atuação deve ser a mais rápida possível.

E que, como disse Frederico Pinheiro - o adjunto exonerado - também poderia estar num telemóvel dele.

Claro.

Mas aí já não houve preocupação.

Que eu saiba, aquilo que foi reportado ao Serviço de informações de Segurança foi o levar de um computador. Não foi telemóvel, ou fosse o que fosse.

Posto isto, será então, do seu ponto de vista, acertado que não se avance para uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao “Caso Galamba”, ao caso deste computador que foi recuperado pelo SIS?

Eu creio que será, mais ou menos, próximo do inútil. Só será prejudicial, porque repare: É evidente que numa Comissão de Inquérito a atuação do SIS terá que ser preservada. São os interesses nacionais que estão em causa. Dali, provavelmente, pouco ou nada sairá.

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