Convenção do BE

Bloco de Esquerda. Direção acusada de criar partido "de pensamento único"

24 mai, 2023 - 19:26 • Tomás Anjinho Chagas

Pedro Soares, ex-deputado do Bloco e adversário de Mariana Mortágua, queixa-se de falta de debate e acusa direção de ir à Ucrânia a convite de uma pessoa de "extrema-direita, com práticas neonazis".

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Entrevista a Pedro Soares, adversário de Mariana Mortágua

Pedro Soares, ex-deputado do Bloco de Esquerda e adversário de Mariana Mortágua, acusa a direção de Catarina Martins de criar um cordão sanitário em torno de todos os que "pensam de forma diferente" e de estar a "corroer o percurso de construção" do partido.

Em entrevista à Renascença, Pedro Soares diz que a direção "não deu nenhuma justificação séria" para o facto de Mariana Mortágua ter abandonado a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP para se dedicar à corrida à liderança, e assume estar contra a participação do Bloco de Esquerda na visita que a Assembleia da República fez no início de maio.

O ex-deputado é das figuras mais conhecidas da oposição interna à atual direção, a Plataforma Convergência, e porta-voz da Moção E, que vai embater com a Moção A, de Mariana Mortágua, este fim de semana na Convenção do Bloco de Esquerda. Relata um partido "desmotivado" e não compreende porque é que Mariana Mortágua não aceitou debater num meio de comunicação social.

A Moção A, representada por Mariana Mortágua tem mais de 80% dos delegados à Convenção. Continua a fazer sentido ir a votos, mesmo com estes dados?

A Convenção é no próximo fim-de-semana próximo e é aí que nós vamos ter que fazer um debate e contar os votos. Há uma questão que para nós é essencial: nós não estamos aqui para derrotar ou fazer vencer lideranças. Não é por acaso que nós nos assumimos apenas como porta-voz da moção. É porque não é isso, de facto, que está em debate nesta Convenção. Ou melhor, dito, não era isso que devia estar em debate nesta Convenção.

O que devia estar em debate eram as propostas políticas, o conteúdo político das moções. Infelizmente, a moção A procurou concentrar tudo na definição de uma pessoa para futuro líder. No nosso ponto de vista, acho que isso é errado e de certo modo sintomático o facto de Mariana Mortágua, não ter querido fazer qualquer debate com a Moção E.

Eu entendo isto como cumprir o calendário e eleger uma nova líder, quando de facto a Convenção não tem esse objetivo. O que me preocupa não é haver mais ou menos votos de um lado ou de outro, a questão principal é que nós, na Convenção, queremos constituir uma nova direção que queremos que seja o mais plural e representativa possível. Em termos de representatividade há logo um problema: nesta eleição para delegados houve mais de 80% de abstenção. Isso é que é preocupante, é o espelho de um certo estado quase catatónico da organização do Bloco, depois de um ciclo eleitoral de derrotas consecutivas que esta direção e Mariana mortágua se recusou a fazer balanço.

Esses 80% de abstenção, mostram que o Bloco de Esquerda está a perder força mesmo dentro do partido, e não apenas para os eleitores?

Há desmotivação interna, porque caso contrário, não haveria 80% de abstenção. Nas eleições gerais temos convivido com níveis de abstenção à volta dos 50%. Mas nessas eleições gerais estão todos os eleitores portugueses, pessoas que estão alheadas da política, que estão aborrecidas com a política que não estão viradas para aí. Mas quem está filiado num partido não está alheado da política, tem um compromisso político e sabe o que quer. Por isso está filiado no Bloco de Esquerda e não noutro partido qualquer. Pessoas que têm esse compromisso político e optam por não ir a uma eleição interna do Bloco, é porque alguma coisa não está bem. No período da pandemia, quando se realizou a anterior Convenção, tivemos uma abstenção relativamente elevada, mas foi inferior a esta. Nós tivemos, salvo erro, à volta de 70% da da abstenção, e agora fora da pandemia, aumentou para 80%…

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"Quem tem posições diferentes é-lhe lançado um cordão sanitário"

Há uma tendência de crescimento...

Sim, e isso devia ser uma fonte de grande preocupação desta direção, mas não faz balanço nenhum desse ciclo eleitoral e que leva necessariamente a essa desmotivação. Não quer também estabelecer uma linha de diálogo com as várias sensibilidades que compõem o Bloco e que são a marca genética do partido. O Bloco não nasceu para ser um partido monolítico, nem para ser um partido de pensamento único, a sua génese é múltipla.

Esta direção e a moção de Mariana mortágua tem responsabilidades especiais nesta questão. Estão a querer transformar o Bloco de Esquerda num partido com essas características que não são as características iniciais genéticas do partido.

Acha que a atual direção do Bloco de Esquerda perdeu o sentido inicial do partido?

Sim, eu acho que há uma série de aspetos que estão a corroer, degradar, e erodir aquilo que foi o percurso de construção do Bloco de Esquerda até há meia dúzia de anos. O esforço que foi feito no sentido de procurar encontrar um espaço de cooperação entre diversas sensibilidades que, aliás, fez escola na Europa.

O Bloco de Esquerda quando surge no final dos anos 90, começa a demonstrar que é possível uma afirmação da esquerda, não com base em ideologias únicas, mas com base na conjugação dos vários contributos à esquerda.

Quem tem posições críticas, quem tem posições e diferentes que procura debatê-las internamente, é-lhe lançado uma espécie de cordão sanitário à volta, como, aliás, está demonstrado nesta Convenção. Mariana Mortágua, certamente porque teve muito trabalho na CPI da TAP, não conseguiu ter um minuto de descanso para a debater connosco publicamente, com a intermediação de jornalistas. Foi convidada várias vezes por estações de rádio, televisão, jornais. Recusou todas.

Dizia com alguma ironia que Mariana Mortágua não tem tempo no meio da Comissão Parlamentar de Inquérito para debater....

Bem, entretanto, já saiu ...

Era isso que lhe perguntava. Como é que olha para essa saída de Mariana Mortágua para, segundo o partido, se dedicar à corrida à liderança do Bloco de Esquerda?

Acho que não havia necessidade, sinceramente, mas foi a opção da direção do partido. Possivelmente foi uma opção pessoal, estaria cansada, estaria muito assoberbada, não sei. Não houve qualquer justificação séria para isso, nem qualquer debate connosco sobre essa questão, tivemos conhecimento através da imprensa que ela ia sair da CPI. O que nos interessa é a avaliação da gestão da TAP e acho que a Mariana [Mortágua] tinha boas condições para continuar.

Decidiu sair com um argumento que era preciso dedicar-se à Convenção. Bem, eu ainda não recebi nenhum convite para fazer um debate, portanto, parece que talvez tenha sido para outro objetivo qualquer.

Em entrevista à Renascença, Mariana Mortágua admitiu voltar a conversar com o PS - dependendo do projeto político. Acha que este é um princípio errado, tendo em conta que aquilo que foi culminar da geringonça para o Bloco de Esquerda?

Não temos uma posição de que a alternativa em Portugal é só o Bloco de Esquerda e não tem que fazer conversações com mais ninguém. Temos consciência de que não estamos sozinhos no mundo, não andamos na estratosfera, temos que ter disponibilidade para conversar para eventualmente encontrar formas de de entendimento com outras forças políticas.

O que nós achamos é que quando vamos para a afirmação de um programa eleitoral, ele não pode ser baseado num eixo principal, que é um acordo com o Partido Socialista. Isto diluí-nos, retira-nos as nossas bandeiras e a acutilância do nosso programa eleitoral.

O meu problema não é a Mariana dizer que vamos olhar para essa hipótese de conversar com o PS depois das eleições. Não temos nenhum problema com isso. O nosso problema é não haver compromissos políticos, não haver linhas vermelhas para esse processo pós-eleitoral e para a definição do nosso programa político.

A vossa noção criticou o facto de o Bloco de Esquerda ter ido à Ucrânia com o Presidente da Assembleia da República. O Bloco está a aproximar-se, na vossa interpretação, de uma posição mais tolerante à NATO com este tipo de participações?

Não é uma questão de interpretação, é uma questão factual. Há declarações públicas de Catarina Martins, Mariana Mortágua, e inclusivamente de Joana Mortágua, a dizer que, relativamente à guerra na Ucrânia, a posição do Bloco é a mesma posição do Governo. Ora a posição do Governo português é a mesma posição da NATO, portanto, isso preocupa-nos porque põe em causa toda a tradição política histórica do posicionamento do Bloco sobre a questão da NATO. Em relação à participação do Bloco de Esquerda na visita à Ucrânia, digo-lhe sinceramente, foi uma das coisas que mais me chocou nas últimas semanas.

A visita foi a convite de uma pessoa implicada em crimes contra a oposição e um dos organizadores do famoso Massacre de Odessa, onde morreram dezenas de sindicalistas, de opositores ao regime. Veio de pessoa da extrema-direita, há quem diga mesmo nazi- eu não o conheço pessoalmente, felizmente- mas a sua prática é essa. Como é que o Bloco de Esquerda substitui o Chega na delegação e assume a responsabilidade de não abrir a boca durante todo o processo da delegação de visita? Depois poderia dizer alguma coisa, fazer uma crítica às condicionantes extremas, em termos democráticos, que aquele regime tem.

Se fosse o coordenador do Bloco de Esquerda há 2 meses, teria evitado que um deputado do Bloco de Esquerda fosse nesta delegação do Parlamento português à Ucrânia?

O Bloco nem sequer era para ir, só foi convidado por Santos Silva depois de ele ter repreendido o Chega e ter colocado o partido à margem. Bastava dizer ao senhor presidente da Assembleia da República: “Nós agradecemos muito, mas politicamente não estamos para aí virados”. Já me vieram dizer que se fizesse isso o Bloco de Esquerda arranjava um incidente diplomático, mas que incidente diplomático?

Desculpe-me a expressão, mas o Zelenskyi está-se nas tintas para que o Bloco vá ou não vá. É evidente que nós repudiamos a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, que estamos profundamente solidários com o povo ucraniano, massacrado todos os dias como vemos nos telejornais as condições em que vive.

É evidente que nós achamos que o povo ucraniano tem o direito de se defender, claro que sim. A questão que se coloca é: nós, como comunidade internacional, que papel devemos ter? Devemos defender uma escalada militar que não sabemos onde vai ter? A Rússia é uma potência nuclear. Defender uma escalada militar, onde começámos por aceitar o envio de algumas armas, depois passou para os tanques de guerra, agora já vamos nos F16...

Mas se não houvesse essa ajuda militar, não ficava comprometido o direito de a Ucrânia se defender?

Essa não é a questão que eu quero discutir. O que estou a dizer é que, independentemente da ajuda que deve ser prestada à Ucrânia, qual é papel essencial da comunidade internacional? É o de escalar a guerra, ou fazer pressão muito forte à Rússia para um cessar-fogo imediato, retirada das tropas e início de um processo de paz? Eu acho que é isto o centro da intervenção da comunidade internacional.

O Bloco de Esquerda deveria ter uma posição mais parecida com o PCP, neste tema?

Não. Devia ter uma posição menos parecida com a NATO e com o Partido Socialista. Mais autónoma, mais independente.

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  • Petervlg
    25 mai, 2023 Trofa 07:20
    este BE é o Chega da Esquerda.
  • Elviro Pereira
    25 mai, 2023 Lisboa 05:10
    Boa entrevista, este é o BE em que votei. Jurei a mim próprio que não voto mais no BE por causa da sua posição colada à NATO na guerra da Ucrânia. A NATO é o inimigo a Rússia de Putin é o inimigo.

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