Cavaco chefe de fação? “Não, mas aprendeu alguma coisa com Mário Soares”, diz Paulo Rangel

21 mar, 2023 - 09:38 • João Carlos Malta

Paulo Rangel defende Cavaco Silva da chuva de críticas que se seguiu à intervenção que fez na comemoração dos 30 anos do Programa Especial de Realojamento, no fim de semana. Mira Amaral, ex-ministro da Cavaco, usa a expressão de Costa para avisar os socialistas: “Habituem-se.” Já para o politólogo António Costa Pinto o ex-PR já não tem a mesma eficácia porque "a história é impiedosa e uma parte da sociedade portuguesa já não se lembra de Cavaco Silva".

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Aos que acusam Cavaco Silva de se portar como líder de fação, após nos últimos meses ter desferido vários ataques ao Governo de António Costa, em cada uma das intervenções públicas que foi fazendo, Paulo Rangel, vice-presidente do PSD, responde através de uma comparação com uma das personagens políticas com quem Cavaco mais se antagonizava. Nada mais, nada menos do que Mário Soares.

“Se olhar para o que dizia Mário Soares, era exatamente igual. Talvez seja uma certa ironia: acho que Cavaco Silva aprendeu alguma coisa com Mário Soares. Conhecendo as duas personalidades, e conheci e conheço melhor o professor Cavaco Silva, não acho nada que eles façam isso com espírito de fação”, defende Rangel.

Para o eurodeputado social-democrata, tanto Soares como Cavaco “são pessoas que se habituaram a pôr o interesse nacional à frente, ou, melhor: a sua visão do interesse nacional.”

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"Isto pode ser uma certa ironia, mas o professor Cavaco Silva aprendeu alguma coisa com Mário Soares. Não acho que façam isto ou tenham feito por espírito de fação", Paulo Rangel, vice-preidente do PSD.

E, portanto, “quando entendiam que há algo que lhes parece ir no mau caminho, não deixam de o dizer”.

No sábado, na comemoração dos 30 anos do Programa Especial de Realojamento, organizada pela câmara de Lisboa, o antigo Presidente da República defendeu que a crise no domínio da habitação "é resultado do falhanço da política do Governo", manifestando "muitas dúvidas" quanto ao sucesso do pacote do executivo, que considerou ter um "problema de credibilidade".

Em relação à intervenção de Cavaco e às críticas que suscitaram entre os socialistas como a ministra Mariana Vieira da Silva, ou o secretário-geral adjunto do PS, Hugo Torres, Rangel defende que era o que mais faltava que Cavaco estivesse “remetido a um voto de silêncio”.

E mais uma vez lembra o exemplo de Soares que criticou ferozmente Passos Coelho, e que até teve uma vida partidária depois de deixar a Presidência da República. “Eu acho que nós temos que ter todo o fair-play para criticar, para ser criticado e que é normal numa democracia”, afiança Rangel.

O vice-presidente do PSD diz que Cavaco criticou algumas das opções do atual Governo na área da habitação, mas até elogiou as câmaras socialistas que implementaram o PER quando era primeiro-ministro. “Não vejo nenhuma partidarite. O Governo e o PS é que está com tiques autoritários (…) O que seria estranho é que houvesse um coro de elogios a um partido e, depois, ninguém pudesse dizer nada”, defende.

No sábado, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, e a presidente da Câmara de Matosinhos e também líder da Associação Nacional de Municípios, Luísa Salgueiro, abandonaram a sala enquanto Cavaco arrasava o programa “Mais Habitação” lançado recentemente pelo Governo socialista.

Ricardo Leão garantiu que o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, lhe pediu desculpas após o discurso de Cavaco Silva pautado por críticas ferozes ao Governo.

“Habituem-se”, diz Mira Amaral

Já Luís Mira Amaral, ministro em dois governos liderados por Cavaco Silva, não entende as vozes que se levantam contra Cavaco e estabelece novamente uma comparação com o fundador do PS.

“Lembro-lhe que Mário Soares, como Presidente da República, foi um autêntico líder da oposição ao Governo de Cavaco Silva e, depois, após deixar a Presidência, criticou muitas vezes violentamente, os governos Passos Coelho”, recorda.

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"Se tem preocupações sobre os interesse nacional pode e deve fazer intervenções. Há quem não goste, mas como diz o doutor Costa: ‘Habituem-se´’”, Mira Amaral, ex-ministro da Energia.

Para Mira Amaral, as pessoas ligadas ao PS “estão mal habituados, não gostam de ouvir críticas, têm já tiques de poder absoluto e, portanto, este Governo reage sempre com grande nervosismo às intervenções do professor Cavaco, que tem toda a competência técnica e política para as fazer”.

Mira Amaral diz ainda que ao ex-Presidente da República e ex-primeiro-ministro não lhe foram “cortados os direitos cívicos”. “Se tem preocupações sobre os interesse nacional pode e deve fazer intervenções. Há quem não goste, mas, como diz o doutor Costa: ‘Habituem-se'”.

Logo de seguida, Mira Amaral regressa ao passado para recordar que nos governos em que serviu como ministro, e que Cavaco liderou, sempre conviveram “com a comunicação social toda contra”, “atacados pela CIP, de Pedro Ferraz da Costa” e “como já tinha dito, Mário Soares como líder da oposição”.

“Este Governo não tem tido nada disso e está mal-habituado. Cavaco é uma figura com inegável prestígio, mas o PS não gosta de ouvir”, acrescenta.

O ex-ministro da Energia não alinha na tese de que são interesses partidários que movem Cavaco Silva. “É mesmo o interesse nacional”, contrapõe.

O politólogo António Costa Pinto enquadra as palavras do antigo Presidente da República e diz que este “tem sido, basicamente, o modelo das intervenções de Cavaco Silva”.

Na perspetiva deste especialista, Cavaco Silva escolheu um modelo de intervenção política, desde que saiu do poder, que passa por intervir através de artigos de jornal ou sobre a forma de curtas declarações, sempre de cariz político misturado com uma tónica económica.

Costa Pinto diz que este não tem sido apenas crítico com governos socialistas e recorda a história da" boa e da má moeda", com Santana Lopes.

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"Podemos dizer que este modelo de intervenção tem um impacto muito reduzido na sociedade portuguesa , quer seja da autoria de Cavaco Silva, quer fosse da autoria, digamos assim, de qualquer outro ex-Presidente da República com a idade Cavaco Silva", António Costa Pinto, politólogo.

No entanto, Costa Pinto pensa que a eficácia destas intervenções e o impacto delas “é que cada vez mais pequeno”.

“Em grande parte, porque a história é impiedosa e uma parte da sociedade portuguesa já não se lembra de Cavaco Silva, quem era Cavaco Silva no poder, sobretudo Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro”, afiança.

“Mas podemos dizer que este modelo de intervenção tem um impacto muito reduzido na sociedade portuguesa , quer seja da autoria de Cavaco Silva, quer fosse da autoria, digamos assim, de qualquer outro ex-Presidente da República com a idade Cavaco Silva”, refere.

Ainda assim, Costa Pinto diz que entre Soares e Cavaco há diferenças, porque o primeiro não deixou nunca de jogar no tabuleiro partidário, tendo até sido candidatado ao Parlamento Europeu e tentado uma reeleição para a Presidência.

“São dois presidentes com estratégias diferentes de intervenção no espaço público”, remata António Costa Pinto.

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