Tempo
|

Mortágua "complica" diálogo com PS. PCP descreve "relações bem mais distendidas" com Bloco

03 mar, 2023 - 14:30 • Susana Madureira Martins

Socialistas veem no discurso de Mortágua um fecho de portas ao diálogo, tornando mesmo complicada a relação com a ala mais à esquerda do PS. Do lado do PCP o atual tom e posições da candidata à liderança do Bloco é visto como "moderado". Entre os comunistas, as relações com os bloquistas são vistas como "bem mais distendidas" do que no tempo da geringonça. A maioria absoluta ajuda.

A+ / A-

"Fecha demasiado a porta". É assim que um dirigente do PS resume a entrevista de Mariana Mortágua ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, onde a candidata à liderança do Bloco de Esquerda condicionou o diálogo com os socialistas: "é sempre possível", mas depende do projeto político. E o da maioria absoluta não serve para os bloquistas.

À Renascença, o mesmo dirigente socialista diz que viu na entrevista uma Mariana Mortágua "muito agressiva" e com um "endurecimento da linguagem" que, de resto, é considerado "próprio dela".

O chove não molha de Mortágua, com a tese de um diálogo "sempre possível" com o PS, mas com um enorme "mas", é lamentado pelos socialistas conotados com a ala mais à esquerda do partido.

"Para quem se preocupa e para os que acham que precisamos do BE, isto deixa-nos órfãos da geringonça, que em vez de duas pernas [BE e PCP] fica só com uma", assume um dirigente nacional.

Se é "o tempo político que inviabiliza o diálogo, isto deixa qualquer um dos socialistas de fora", quer seja agora o líder do PS António Costa, quer seja, eventualmente, no futuro, Pedro Nuno Santos. Fica fora "do nosso alcance a capacidade de construir diálogo", conclui o mesmo dirigente.

Aliás, é feito o paralelo entre a posição de Mariana Mortágua e a do líder do PCP, vistas como diametralmente opostas no que diz respeito à relação com o PS.

Este dirigente nacional socialista refere que a bloquista "é diferente do Paulo Raimundo, sobre quem é difícil ouvir algumas coisas que diz sobre a guerra, por exemplo, mas ele diz que estão sempre disponíveis para o diálogo e aproximou-se do PS dois ou três meses depois" de ser eleito secretário-geral do PCP. E isso é visto com "uma pena" pelos socialistas que veem Mortágua "como uma das figuras da geringonça".

Mariana Mortágua. "Há sempre diálogo possível com PS", depende é do projeto político
Mariana Mortágua. "Há sempre diálogo possível com PS", depende é do projeto político

O "incómodo" do PS em ter o Bloco a medir quem "é mais ou menos à esquerda"

Para os socialistas, Mariana Mortágua tem "suficiente credibilidade, até mais do que Catarina Martins, mas não tem vontade" de fazer a ponte. E para os adeptos da geringonça ouvir o BE a acusar a maioria absoluta de ser "arrogante" ou de ser chegada à direita é tido como "um incómodo".

À Renascença, Porfírio Silva, membro do Secretariado Nacional do PS, diz que "da mesma maneira" que não quer ensinar ao BE como fazer política, também fica "um pouco incomodado quando o BE acha que lhe cabe a ele batizar-nos se somos mais à esquerda, menos à esquerda, se somos de esquerda ou não somos de esquerda".

Entre os socialistas mantém-se a tese de que o BE "ainda não conseguiu fazer uma leitura das eleições" e não percebeu que "a maioria absoluta não surge de nenhuma magia. Os portugueses fizeram uma escolha". Porfírio Silva ironiza: no Bloco "ainda não se libertaram do estereótipo da vanguarda do proletariado" ao tentarem definir "quem é de esquerda e quem não é de esquerda".

Se Mariana Mortágua aposta na "maioria social", como refere na entrevista à Renascença e ao Público, os socialistas dizem-se de consciência tranquila, com Porfírio Silva a referir que "se o BE ou o PCP fossem as únicas forças de esquerda, a esquerda seria larguissimamente minoritária, seria quase residual em termos de representação política".

Aqui a discussão entra no patamar do "nós e eles". Porfírio assume: "Não temos a mesma leitura do mundo. Vimos de muitas décadas a juntar o público, o privado e o social, de percebermos que as desigualdades têm de ser combatidas", mas é assumido pelo dirigente socialista que "a sociedade não é uma máquina em que se carrega num botão e se carrega noutro e está tudo resolvido".

Fica a acusação ao BE de ter "uma visão um pouco simplista do que se pode fazer". O dirigente socialista assume que "é evidente" que há dificuldades no país e que "a contestação social faz parte da democracia, mas há uma diferença entre perceber as mensagens da rua que também são legitimas em democracia ou achar que isso é tudo".

Um outro deputado e dirigente nacional do PS acrescenta à Renascença o apelo que a oposição interna do BE tem feito à direção bloquista: "têm de fazer a reflexão depois das legislativas" de há pouco mais um ano. E para fecho de conversa o mesmo socialista conclui: "os portugueses quando precisam de governar à esquerda só podem confiar no PS".

PCP vê melhorias na relação com BE: "As coisas estão bastante mais distendidas"

O tempo da geringonça provocou alta tensão entre PCP e BE, tendo em conta a compita entre ambas as direções partidárias por ganhos nas negociações com o Governo minoritário do PS. A atual maioria absoluta veio basicamente ajudar a relação entre comunistas e bloquistas e isso é assumido.

Em declarações à Renascença, um dirigente nacional comunista explica que na relação com o Bloco "as coisas estão bastante mais distendidas" e "sobretudo com a maioria absoluta, mal seria que ela estivesse nesse patamar" de tensão que existiu na altura da geringonça.

Algo irónico, o mesmo dirigente do PCP conclui que "isto está mau para todos" e atira que Mariana Mortágua "não tem grande espaço para falar de forma altiva e arrogante". Para os comunistas a dirigente bloquista foi "muito pouco radical" na entrevista que deu à Renascença e ao Público.

Os comunistas registam que não houve propriamente uma hostilidade de Mortágua ao PCP. Aliás, a dirigente blqouista fez questão de dizer que os dois partidos "encontram-se em muitos lugares da vida democrática, temos muita coincidência em votos no Parlamento, em matérias essenciais e certamente também nos encontramos em muitas reivindicações nos movimentos sociais".

Este dirigente do PCP considera significativo que Mortágua não tenha tocado em questões sobre a União Europeia, "coisas de que falamos sempre" e que costumam "condicionar" a relação entre as duas direções partidárias. "Acho que nem era preciso perguntar sobre política europeia e orientações, falta ali no discurso dela", atira este comunista.

A guerra na Ucrânia é outro exemplo. Não foi uma questão abordada na entrevista à bloquista e constitui foco de divisão, mas os comunistas registam. Numa farpa à dirigente do BE, este dirigente do PCP atira: "Vamos ver se se confirma esta tendência para a moderação".

Aliás, é o que os comunistas notam em Mortágua. Ao contrário dos socialistas que veem um endurecimento no discurso do Bloco, o PCP considera que a dirigente bloquista "traz essa imagem de moderação para acentuar a diferença em relação à Catarina".

E sobre o relacionamento do BE com o PS, o PCP vê abertura ao diálogo onde os socialistas veem a porta fechada. Este dirigente comunista considera que "percebe-se que não quer hostilizar" a ala mais à esquerda afeta a Pedro Nuno Santos, "para manter essa ligação".

Fica, entretanto, o lamento dos comunistas em relação à presença mediática da candidata à liderança do BE. Mariana Mortágua "não precisa de trabalhar a notoriedade, não é como nós que tivemos de trabalhar isso", admite este dirigente.

Ou seja, é claro e admite-se entre os comunistas que está a ser necessário expor ao máximo o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, que ainda por cima não tem lugar no Parlamento, para criar esse músculo mediático.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+