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PS recusa "decapitar" Montenegro e vai à Comissão Nacional em "clima de distensão"

13 jan, 2023 - 06:30 • Susana Madureira Martins

Na véspera da Comissão Nacional, o PS olha com cautela para os efeitos da operação Vórtex que atingiu em cheio o agora ex-autarca socialista de Espinho e expôs Pinto Moreira, um dos "homens de mão" do líder do PSD. No partido da maioria absoluta, reconhece-se que a situação "está pior" para Luís Montenegro, mas ninguém arrisca a aproveitar a vantagem.

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A operação Vórtex pôs um autarca do PS na cadeia, Miguel Reis, suspeito de corrupção que, entretanto, renunciou ao mandato na Câmara de Espinho. O caso é considerado "grave" pelos socialistas, mas a ideia instalada no partido é que a situação "está pior para o PSD. Foram atingidos mesmo na cabeça", conclui um deputado da bancada da maioria em declarações à Renascença.

Um alto dirigente socialista admite à Renascença que "é possível" que esta investigação tenha aliviado a pressão do PS e do Governo e tenha colocado tensão no PSD. "A desgraça de alguns engraça outros", conclui.

A operação foi mesmo ao coração da direção nacional do PSD, envolvendo o agora ex-vice-presidente da bancada social-democrata Joaquim Pinto Moreira, antigo autarca de Espinho e um homem muito próximo de Luís Montenegro.

O caso envolve suspeitas de corrupção com negócios imobiliários e no PS já se questionava em surdina que o deputado pudesse manter-se como presidente da comissão de revisão constitucional recentemente instalada, função a que Pinto Moreira já renunciou também, de acordo com o próprio líder do partido.

Esta semana, os jornais "Correio da Manhã" e "Público" noticiaram a existência contratos por ajuste direto entre a sociedade de advogados de Montenegro e as autarquias de Espinho e Vagos. Em entrevista à SIC, o líder social-democrata considerou que essa prestação de serviços "do ponto de vista legal e ético não tem problema".

Os socialistas notam que o líder do principal partido da oposição está em dificuldades, mas recusam que se comece "a matar líderes políticos por causa de nada", como refere à Renascença um membro do Secretariado Nacional. O mesmo dirigente do PS conclui que "pode-se decapitar um partido político importante com base em coisas que depois não são nada".

E a questão para os socialistas é delicada. O mesmo dirigente nacional salienta que o PS já teve "casos de tentativa de decapitação de líderes", referindo-se ao processo Casa Pia e ao então secretário-geral do partido, Eduardo Ferro Rodrigues. "Temos de partir do princípio" que estes casos "não são nada".

O facto de este tema não ter servido de arma de arremesso entre PS e PSD no debate desta semana no Parlamento com o primeiro-ministro resulta também da conclusão que o que fosse dito teria ricochete.

"Há maçãs podres, mas sabemos o efeito de ter um ex-secretário-geral no estado em que está e isso é um peso permanente", conclui este dirigente socialista, referindo-se ao trauma do partido com o antigo líder José Sócrates.

O facto de um autarca do PS estar envolvido numa investigação por suspeitas de corrupção é só por si incómodo suficiente para manter o partido com cautelas e caldos de galinha, sobretudo depois de a maioria ter sido encharcada com casos polémicos.

Este membro do Secretariado Nacional reconhece que "há desconforto com quem quer que seja em cada caso grande". A novidade agora é ter o PSD envolvido no mesmo incómodo socialista. "A ideia de que nos sujamos todos e está tudo bem arrepia-me um bocado", conclui. E é recusada a ideia de "o que tem graça é começar a cavar nos outros, também".

Um outro dirigente socialista e deputado assume também ter "dificuldade" em ver vantagem para o PS com a investigação Vórtex estendida ao PSD. "A ideia que dá é que são todos iguais e isso não é bom".

É assumido por este dirigente nacional do PS que se esta investigação "se arrasta, Montenegro passa a ter mais problemas" e "Passos, Moedas e Relvas ficam mais tensos e a julgá-lo mais", mas a "distribuição" do problema pelo maior partido da oposição não é, de todo, bem-vinda. "Não consigo", despacha este socialista.

Um deputado do PS resume à Renascença que esta investigação Vórtex "tira o exclusivo ao PS e ao Governo, mas não é bom para ninguém".

Mais seco ainda é outro dirigente nacional do PS. "É mau reflexo intelectual achar uma vantagem que isto se espalhe para o PSD", para além de que seria "irresponsável ir por aí". O caso que envolve Pinto Moreira e Miguel Reis é considerado "grave" e para este socialista "não há nem um relaxamento nem um alívio" do partido. Na verdade, "não muda nada e é a democracia que perde".

No Secretariado Nacional do PS há quem saliente que mesmo os ajustes diretos da autarquia de Espinho à sociedade de advogados de Luís Montenegro nem sequer é tema recente. "O que se fala agora já se falava há mais tempo".

Se há alguma coisa a apontar, diz um dirigente socialista à Renascença, é o "abuso exagerado dos ajustes diretos". Fica a questão se "os mecanismos de controlo são os adequados".

"É mau reflexo intelectual achar uma vantagem que isto se espalhe para o PSD"

Ninguém quer ir à jugular do líder do PSD neste caso e este membro do Secretariado socialista desabafa que quer "ganhar eleições ao Montenegro, mas na base de as pessoas escolherem um projeto político".

Há ainda um misto de irritação e incómodo no PS com Miguel Reis, o autarca de Espinho detido esta semana por suspeita de corrupção na operação Vórtex. "Espanta-me como é que um tipo num ano monta um esquema de corrupção", resume o mesmo dirigente, concluindo, sardónico, que isto "nos cargos públicos demora tempo".

Incómodo com o ex-autarca de Espinho que o líder do PS e primeiro-ministro não escondeu, pelo contrário. “Sempre que um político é preso, todos ficamos envergonhados", atirou António Costa esta semana no debate no Parlamento, concluindo com um "ninguém está acima da lei”.

Socialistas satisfeitos com Costa. Houve "condenação importante" a ex-secretárias de Estado

"A semana está a correr bem ao Governo", resume um deputado e dirigente do PS à Renascença. O debate no Parlamento com o primeiro-ministro foi especialmente importante para a bancada socialista que nos últimos dias andava "nervosa".

Na quarta-feira, António Costa condenou a atuação das duas ex-secretárias de Estado - Alexandra Reis e Rita Marques - e isso foi visto pelos deputados como "passos muito importantes para que os militantes e eleitores tenham mais confiança" no PS e no Governo.

A bancada não andava confortável em ter de defender duas pessoas alheias ao partido, ambas sem cartão de militante e os deputados socialistas questionavam-se "como é possível as coisas acontecerem e não reconhecer que estão a acontecer", como admite à Renascença um parlamentar e dirigente do PS.

Um membro do Secretariado Nacional refere ainda que "o raciocínio de um militante do PS é que esta gente não tem nada a ver connosco e isto cai em cima de nós", referindo-se sempre às duas ex-secretárias de Estado, que "depois vão à sua vida e nós é que ficamos mal".

João Leão fala de "erro" da TAP e rescisão devia ter passado por "trabalho conjunto" com Pedro Nuno
João Leão fala de "erro" da TAP e rescisão devia ter passado por "trabalho conjunto" com Pedro Nuno

Já na terça-feira tinha sido dado um primeiro passo, com o líder da bancada do PS a demarcar-se da ex-secretária de Estado do Turismo. Eurico Brilhante Dias falou em nome dos deputados e do próprio partido:"nem o Grupo Parlamentar do PS, nem o PS, se vinculam ou sentem vinculados a quem não quer cumprir a lei. Todos devem cumprir a lei".

Desta maneira, resume um deputado e dirigente do PS, houve uma "sintonização do Governo com o que as pessoas pensam", tendo até em conta o desconforto interno. "Estava tudo com o coração desfeito com isto".

"A chuva parou, o convés está molhado, mas já estamos a pensar que o pior já passou". A frase é do mesmo dirigente nacional e é neste espírito que o PS vai para a Comissão Nacional deste sábado, em Coimbra. A lamber as feridas depois de ter perdido Pedro Nuno Santos no Governo e ver demissões atrás de demissões de secretários de Estado.

É esse "o sentimento dos pedronunistas e dos não tão pedronunistas", nas palavras deste dirigente socialista. Ou seja, o partido vai reunir o órgão máximo entre congressos num "clima de distensão" pelo facto de António Costa e Eurico Brihante Dias terem promovido o desanuviamento.

Essa é, de resto, a mensagem que Costa "pode ter" na Comissão Nacional : o "reconhecimento de que isto foi um capítulo diferente" e que "o PS não se barricou na sala das máquinas", assume este dirigente do PS.

Trata-se da primeira reunião do partido após a demissão de um peso pesado do Governo, como é Pedro Nuno Santos, mas este dirigente socialista acredita que o ex-ministro e potencial candidato à sucessão de Costa "será um tabu voluntário por todos" na Comissão Nacional.

"Mesmo que alguém fure" o tabú, este dirigente nacional acredita que o caso "será rematado como um assunto encerrado", acreditando que "para todos os efeitos a situação está sanada", por não ter "mais história para desenrolar".

Se isto é convicção ou puro desejo que aconteça, é uma incógnita. A realidade é que o PS quer sair de um pesadelo. "A vontade que temos todos é ultrapassar isto com a coesão possível".

A "coesão possível", tendo em conta que a saída de Pedro Nuno do Governo deixou feridas abertas dentro do partido, deixando antever nos próximos tempos a alta tensão entre o ex-ministro das Infraestruturas e Fernando Medina, à boleia do caso TAP/Alexandra Reis, que provocou a abertura de uma comissão de inquérito.

Um membro do Secretariado Nacional diz-se convicto que "estes disparates sucessivos do Governo, esta torneira há-de fechar" e que a "grande aflição devia ser a inflação", conter "uma crise que não sabemos quanto tempo vai durar".

Para o PS o futuro imediato passa por "fazer o reset e retomar a iniciativa política". Um deputado e dirigente nacional do PS resume à Renascença: "ultrapassados os casos, voltamos à política", porque "sempre que se discutem políticas e programas o PS tem vantagem". Fica o apelo ao Governo: "tem de ter iniciativa política".

Mesmo com a torrente de casos e polémicas, os estudos internos do PS não dão sinal de perda de eleitorado. Um destacado dirigente socialista diz à Renascença que "era bom" as sondagens do partido "darem pelo menos um pequeno alarme para os governantes estarem mais atentos, mas não há alterações atendíveis". Mais um recado, mais um apelo ao Governo.

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