Entrevista

Centeno rejeita nomeação do governador pelo Presidente da República proposta pelo PSD

05 dez, 2022 - 07:00 • Sandra Afonso , Susana Madureira Martins

A nomeação do governador do Banco de Portugal pelo Presidente da República por indicação do Governo é uma das alterações à Constituição proposta pelo PSD, mas é considerada desnecessária por Mário Centeno, que não vê "nenhuma diferença substantiva numa alteração dessa natureza". Em entrevista à Renascença, o governador afasta também a necessidade de reforço dos poderes do supervisor. "Não vejo nenhuma necessidade, neste momento", conclui.

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Mário Centeno critica que o Governo continue sem indicar um juíz para o Tribunal de Contas Europeu, considerando que não é uma "situação normal" e aponta João Leão como um bom nome para o cargo: "muito provavelmente Portugal ficaria bem representado".

Confrontado com a mini-remodelação no executivo, o ex-ministro das Finanças de António Costa desvaloriza o facto de o primeiro-ministro ter agora dois irmãos no gabinete: "É uma situação que tem a ver com a execução de funções de responsabilidade e cada um tem que se sentir capaz de as assumir".

Temos uma revisão constitucional à porta, o PSD propõe outro tipo de nomeação para o seu cargo, entre outros, propõe que seja o Presidente da República a fazer a nomeação do governador do Banco de Portugal. Isso seria um bom sinal, eventualmente, para os que vierem depois de si?

Eu percebo o interesse da sua pergunta e gostaria muito de participar desse debate. A minha posição relativa, nesta mesa, limita-me.

Mas poderia reforçar os seus próprios poderes, ou tornar o cargo ainda mais independente?

Deixe-me responder-lhe qual é a forma como eu vejo o posicionamento do Banco Portugal, no quadro das instituições nacionais. Há muito para fazer, ainda, no reforço daquilo que são hoje as funções e o papel que o Banco de Portugal tem na sociedade portuguesa.

Uma nota, quase mais interna mas de partilha com a sociedade, o plano estratégico que hoje está a ser implementado no Banco Portugal, que cobre o período de 2021 a 2025, tem como lema "proximidade e confiança". Nós temos muito ainda para fazer, no papel social e institucional que o Banco de Portugal tem na sociedade portuguesa: no trabalho com o Parlamento, no trabalho com o Governo, no trabalho com o Conselho Económico e Social, no trabalho com os outros supervisores.

Nós estamos a aprofundar todas estas dimensões, incluindo com a comunidade e com as empresas. Estamos a fazer e já fizemos vários e vamos fazer mais. Já em Janeiro, vamos para o Algarve, falar com o setor do turismo. Temos feito muito trabalho de base, de contacto com a comunidade, é aí que eu vejo a presença do Banco de Portugal e é aí que eu estou focado, para ela ser reforçada.

Em termos institucionais. O banco tem um enquadramento, hoje, que é totalmente alinhado com aquilo que é o papel dos bancos centrais, que têm as responsabilidades que o Banco de Portugal tem, porque nem todos têm na Europa tantas responsabilidades como o Banco de Portugal, face à supervisão e regulação do sistema financeiro em Portugal. O Banco Portugal tem um conjunto adequado, diria eu, de funções que tem que cumprir e que tem que cumprir cada vez melhor.

E que não precisa de ser reforçado?

Não vejo nenhuma necessidade, neste momento. Isso será uma dimensão política, que decorrerá por si, e que eu não me queria envolver. Mas eu não vejo essa necessidade.

Posso deduzir que é indiferente ser nomeado pelo Governo ou ser nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Governo?

Não vejo nenhuma diferença substantiva numa alteração dessa natureza, mas não acho também que seja uma novidade em termos europeus. Há situações na Europa em que isso também funciona dessa forma.

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Como é que fica a credibilidade do país junto das instituições europeias, tendo em conta que desde 2020 não temos um juiz português no Tribunal de Contas Europeu? Não houve ainda uma indicação. Há dois anos que estamos sem essa representação. Há sempre muitas queixas de que há poucos representantes portugueses em Bruxelas, por exemplo. Como é que o governador vê esta situação?

Esse é um lugar de nomeação do país.

A que o país tem direito...

Exatamente. É um lugar que, obviamente, deveria estar preenchido e deverá estar preenchido, espero, em breve. Não acho que seja uma situação normal. Acho que tem mesmo que ser preenchido. O seu não preenchimento fragiliza a presença de Portugal nas instituições europeias, não tenho dúvida sobre essa matéria e, portanto, acho que era importante fazê-lo.

Tem sido indicado o nome de João Leão, que foi seu secretário de Estado e sucessor no Ministério das Finanças. Seria um bom nome, depois do falhanço para o Mecanismo Europeu de Estabilidade?

Sobre contas, conheço muito poucas pessoas melhores do que o João Leão. Portanto, se é contas, muito provavelmente Portugal ficaria bem representado.

O primeiro ministro, entretanto, já processou o dr. Carlos Costa, ex governador do Banco de Portugal, seu antecessor, por alegadas pressões no processo Eurobic. Há alegações sobre o Banif no livro do jornalista Luís Rosa que também o envolvem a si. Admite também apresentar uma queixa na Justiça?

Não, não, não. Não faz parte das minhas prioridades. Já referi que, naquilo que se refere ao meu nome, o livro pauta-se por uma relação difícil com a verdade. Mas, é só isso. Não acho que se justifique mais do que esta frase.

E a existência de uma eventual comissão de inquérito à volta disto?

As comissões de inquérito são prerrogativas da Assembleia da República. Era só o que faltava que o governador do Banco de Portugal se pronunciasse sobre comissões de inquérito. Já houve comissões de inquérito sobre todas essas matérias. Como eu também já disse, na comissão de inquérito é suposto dizer-se toda a verdade. Como já houve várias comissões de inquérito, teria a presunção de que toda a verdade já tivesse sido dita. Não tenho mais a dizer sobre essa matéria.

Veja a entrevista a Mário Centeno na íntegra
Veja a entrevista a Mário Centeno na íntegra

A União Europeia defende a utilização dos capitais russos congelados na Europa para apoiar a Ucrânia. Nós temos alguns ativos congelados. Quantos e porque é que não podem ser reencaminhados para esta causa?

Quem gere essa conta é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em conjunto com o Ministério das Finanças. Eu creio ter ouvido o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros ter referido, recentemente, que estariam em causa 18 milhões de euros. Confesso que não sei mais detalhes sobre isso.

A única questão que eu gostava, num plano europeu, de referir e gostaria que Portugal se associasse, é que uma guerra nunca tem prazo para terminar, para quem não as inicia, como foi o caso da Europa, são eventos indesejáveis e negativos. Mas nós não podemos ter nenhuma hesitação quanto a este processo e estar sempre e permanentemente do lado da defesa dos interesses europeus e dos princípios europeus, que são totalmente invioláveis e não podemos mostrar fadiga nessa dimensão, uma única vez que seja.

Há mexidas importantes nalguns ministérios, nomeadamente no Ministério das Finanças. Com a saída de António Mendonça Mendes, já não resta nada do elenco formado por Mário Centeno como ministro das Finanças. Como é que viu a saída do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para o gabinete do primeiro ministro?

São decisões que cabem, em primeira linha, ao primeiro ministro, ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [atual secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro], trabalhou comigo e é uma peça importante daquele elenco governativo.

António Costa ficou a ganhar e Medina a perder?

Como tudo na vida evolui e quem tem que tomar as decisões toma e pronto.

Sendo que António Mendes é irmão de Ana Catarina Mendes. Não é ilegal, mas vê aí um problema político à vista?

As questões éticas são muito importantes, muitas vezes intangíveis, como acabou de referir, e têm de ser avaliadas por cada um, em cada momento. E ainda é mais difícil para quem está de fora, como é o meu caso neste momento e com outras obrigações, pronunciar-me sobre essa matéria.

Não é uma resposta fácil, de qualquer maneira.

É uma situação que tem a ver com a execução de funções de responsabilidade e cada um tem que se sentir capaz de as assumir. São intangíveis no sentido de que não há nenhuma norma que cubra essa dimensão e, portanto, não vejo nem um problema, nem algo que se possa assumir à cabeça. Cada um tem que tomar as suas decisões.

O facto de ambos terem um percurso autónomo, politicamente, facilita a interpretação?

Já disse, estou demasiado fora desse conjunto de decisões para poder, sequer, avaliá- las. Não sei.

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