Jerónimo de Sousa, o líder do PCP que ajudou a criar a "Geringonça"

05 nov, 2022 - 23:00 • Ricardo Vieira, com Lusa

De metalúrgico a secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa deixa os comandos do Partido Comunista ao fim de 18 anos. Fica para a história como o líder que derrubou o "muro" com o PS.

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Jerónimo de Sousa, de 75 anos, está de saída da liderança do Partido Comunista Português. Metalúrgico/proletário, sindicalista e deputado, o secretário-geral do PCP nos últimos 18 anos fica para a história como o homem que “derrubou o muro” histórico com o PS que permitiu a criação da “Geringonça”.

O PS só não é Governo se não quiser”. Com esta frase, proferida na noite das eleições legislativas de 2015, Jerónimo de Sousa deu um passo que outros líderes comunistas nunca tinham dado. Para virar a página da austeridade e tirar do poder a coligação de direita liderada por Passos Coelho, colocou uma pedra em cima de quatro décadas de diferendos e hostilidade entre os dois partidos. Ajudou a derrubar um muro erguido nos tempos do PREC.

As negociações duraram semanas e terminaram com a assinatura de um acordo histórico. Em conjunto com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista apoiou o Governo do PS liderado por António Costa no Parlamento, sem abrir mão das suas bandeiras e de uma “política patriótica de esquerda”.

A “Geringonça” durou até 27 de outubro de 2021, quando a proposta de Orçamento do Estado para 2022 foi chumbada no Parlamento, com o voto contra do Partido Comunista e do BE.

Portugal foi para eleições antecipadas e o PS chegou a uma inesperada maioria absoluta. Em sentido inverso, foi o pior resultado de sempre para a CDU, a coligação liderada pelo PCP, que conseguiu uma votação de 4,36% e eleger apenas seis deputados, metade dos de 2019.

Durante a corrida eleitoral, Jerónimo de Sousa sofreu um susto de saúde e foi operado de urgência a uma estenose na carótida. O líder comunista esteve alguns dias em recuperação e ainda participou na reta final da campanha.

Num balanço dos tempos da “Geringonça” e do chumbo do Orçamento em 2021, Jerónimo de Sousa admitiu, em entrevista à Lusa, uma “mágoa política” com António Costa, pelo que disse ser uma “oportunidade perdida” para o país.

De metalúrgico a líder do PCP

Jerónimo de Sousa deixa a liderança do Partido Comunista ao fim de 18 anos e vai passar os comandos a Paulo Raimundo. Foi eleito líder comunista no XVII Congresso Nacional, em 2004, sucedendo a Carlos Carvalhas, que fora o escolhido para substituir o histórico Álvaro Cunhal, em 1992.

Antigo afinador de máquinas numa empresa metalúrgica e dirigente sindical, Jerónimo Carvalho de Sousa, nasceu em 13 de abril de 1947. Residiu sempre na aldeia de Pirescoxe, na cintura industrial norte de Lisboa, no concelho de Loures.

Batizado pela Igreja Católica e com o quarto ano do antigo curso industrial, ao mesmo tempo que trabalhava (desde os 14 anos de idade), após ser um dos mais assíduos às passagens da carrinha-biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, Jerónimo casou-se aos 19 anos com Ovídia e é pai de duas filhas, Marília e Lina.

Ajudou a fundar e dirigir Associação Cultural e Desportiva local em Pirescoxe e ainda hoje exerce o seu direito de voto no Grupo Desportivo da terra, aproveitando para jogar às cartas e conviver com velhos amigos dos tempos de teatro e dança na coletividade 1.º de Agosto de Santa Iria de Azóia.

Entre 1969 e 1971, Jerónimo de Sousa cumpriu o serviço militar na Guiné-Bissau. Regressou da guerra colonial e aderiu ao PCP em 1974.

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O líder afável que aprecia provérbios populares

No ano seguinte, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e continua, ainda hoje, como deputado na Assembleia da República.

Por duas vezes foi candidato à Presidência da República. Primeiro, em 1996, quando desistiu em favor do socialista Jorge Sampaio. Depois, voltou a entrar na corrida a Belém, em 2006: ficou em quarto lugar numas eleições ganhas por Cavaco Silva.

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Benfiquista e fã da banda inglesa The Beatles, Jerónimo de Sousa é conhecido pela sua atitude cordial e afável mesmo nos momentos mais quentes em debates no Parlamento, o que lhe vale o respeito de políticos de outros quadrantes.

Nas suas intervenções gosta de utilizar provérbios populares, num estilo que o aproxima das populações. Os membros do partido elogiam-lhe a capacidade política e de comunicação, mas também o sentido de humor, sempre com uma "estória" ou piada na ponta da língua.

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