Estado da Nação

Nuno Garoupa: “Cavaco e Sócrates tinham maiorias com projetos. Costa não tem”

20 jul, 2022 - 00:25 • José Bastos

“António Costa não faz reformas, mas tem um problema: questões estruturais não se resolvem sem reformas de fundo”, alerta o professor da George Mason University.

A+ / A-
Nuno Garoupa em antecipação do debate do Estado da Nação
Nuno Garoupa em antecipação do debate do Estado da Nação

Nuno Garoupa defende que o PS não tem uma agenda reformista para o país, desde logo, para superar o mais estrutural dos problemas: fazer crescer de forma consistente a economia, reduzindo a dependência dos fundos europeus.

Na análise ao ‘estado da nação', o economista lamenta que Portugal tenha passado de “país adiado” a “país suspenso no tempo” em que todos esperam que algo aconteça. Com a pandemia e a guerra na Ucrânia a proporcionar dois suplementos ao PS para novo período alargado no poder, “o governo está em modo de navegação à vista”.

“Este governo PS é um governo de continuidade. Está cansado porque não é um executivo de quatro meses, mas um governo de sete anos. Mas temos de elogiar António Costa: não mentiu aos portugueses ao dizer pretender dar continuidade ao que vinha de trás e não fazer reformas estruturais. Costa não faz reformas e tem um problema: as questões estruturais não se resolvem sem reformas estruturais”, alerta Nuno Garoupa.

O professor da Universidade George Mason de Washington afirma ainda que a atual maioria absoluta “é muito diferente da de Cavaco Silva ou de José Sócrates, porque – apesar dos defeitos endossáveis a Sócrates - essas maiorias tinham projetos concretos, o betão com Cavaco, a tecnologia com Sócrates. Este governo PS não tem. As coisas não se fazem, porque nunca houve intenção de as fazer”, conclui.

O álibi da geringonça acabou para o PS, mas as reformas não se fazem. Não se fazem porque nunca houve qualquer ideia de as fazer

Duas sondagens refletiram, há dias, sinais de distanciamento do eleitorado da maioria absoluta do final de janeiro. Instala-se a ideia de um desgaste precoce num governo de maioria absoluta ou é demasiado cedo para conclusões quanto ao encurtar de distâncias por parte do centro-direita?

Temos de começar pelo contrário: é objetivamente muito, muito cedo e saberemos nós onde estaremos daqui a quatro anos e meio? Basta pensar que só nestes últimos anos tivemos uma pandemia e agora a guerra na Ucrânia. Portanto não sabemos.

Agora, há coisas que podemos dizer: este governo é um governo de continuidade. Nesse sentido o governo está cansado porque não é um executivo de quatro meses, é um governo de sete anos. Obviamente é um governo cansado ao fim de sete anos. Parece que ainda vai ter de fazer mais quatro anos e meio. Vamos ver como.

A segunda questão é um ponto em que, na verdade, temos de elogiar António Costa. Costa não mentiu aos portugueses ao dizer aos portugueses que pretendia dar continuidade ao que vinha de trás: que era não fazer reformas estruturais. Nesse sentido, António Costa não faz reformas. Agora, o primeiro-ministro tem um problema: há questões estruturais e os problemas estruturais não se podem resolver sem reformas estruturais. Portanto o governo está nesse marasmo, nessa navegação à vista.

Mas sobre as sondagens eu acho que é possível terem algum sinal de que o Partido Socialista já não tenha a maioria absoluta, mas também, convenhamos, essa maioria foi uma coincidência geográfica e de distribuição de votos. Não se trata de uma maioria que reflita os 50% de Cavaco Silva ou os 45% de José Sócrates, sendo uma maioria absoluta construída quase 'aritmeticamente', mas, na minha opinião, as sondagens apresentam um problema grave para a direita. As três sondagens, duas esta semana e a outra na semana anterior, confirmam o Chega entre os 9 e os 10%. E o PSD tem um problema sério enquanto o Chega estiver entre os 9 e os 10%.

A 'geringonça' foi desculpa para o governo PS não avançar com reformas estruturais - Rui Rio mostrou disponibilidade para inúmeros acordos – mas agora parece continuar a não haver vontade para quebrar a inércia, talvez com exceção do aeroporto. Parece haver um problema...

Claro que há um problema. No fundo percebe-se que o Partido Socialista teve uma estratégia para o centro-esquerda e para o centro-direita. Para o centro-esquerda o discurso era: 'estamos à vontade com a geringonça, queremos a geringonça, queremos continuar com a geringonça, porque, na verdade, as propostas do PCP e do BE até são objetivos nossos a prazo'.

Durante muitos anos, lembre-se, o ponto de Costa era que a divergência entre o PCP e o BE, por um lado e o PS, por ouro, era apenas de timing, de velocidade, não era um problema de objetivos, defendia esta tese ao mesmo tempo que dizia ao centro-direita, em particular às empresas, que na verdade queria fazer certas coisas, mas a geringonça, o PCP e o Bloco de Esquerda, não deixava. Agora esse álibi acabou, mas as coisas não se fazem. Portanto, isso reflete que nunca houve qualquer ideia de as fazer.

O que, evidentemente, cria um problema: trata-se de uma maioria absoluta muito diferente da de Cavaco Silva e muito diferente da de José Sócrates - com todos os defeitos endossáveis a Sócrates - porque essas foram maiorias absolutas com projetos.

As maiorias de Cavaco e Sócrates tinham projetos concretos fosse na área das novas tecnologias, fosse na área do betão, na altura de Cavaco Silva - tanto se imputa 'a política do betão' a Cavaco e a Sócrates a obsessão do 'plano tecnológico' - a verdade é que este governo não tem nem uma coisa nem outra. Este é um governo cansado e com... uma maioria absoluta.

Então como descrever o "estado da nação" percepcionado na capacidade que o governo tem de responder aos problemas do país, quando não se deteta uma agenda transformadora voltada para o crescimento económico e para reduzir a dependência dos fundos europeus? A grande questão do "estado da nação" é ter de fazer mais e melhor para superar a estagnação económica, enquanto "o grande problema estrutural" das últimas duas décadas?

Claro que seria, mas Portugal passou de um país ‘adiado’ para um país ‘suspenso’ no tempo. Portugal está numa espécie de equilíbrio político com todos à espera de que qualquer coisa aconteça. Nesse sentido, o Partido Socialista teve dois argumentos que lhe conferem algum alento para um novo período de tempo alargado no governo: a pandemia e agora a guerra na Ucrânia. Portanto, o PS se não tiver mais nada até ao fim da legislatura tem de facto um problema porque não tem agenda.

Por outro lado, a direita continua presa a 2015, ainda não resolveu esse problema, e, enquanto não resolver esse problema não tem também uma alternativa. Já o Bloco de Esquerda e o PCP estão presos à geringonça, labirinto onde se meteram em 2015 e não sabem como sair, uma vez que, por mais que estejam na oposição, as últimas sondagens refletem que os votos não estão a voltar.

O Partido Socialista tem um grande desafio pela frente, perdido nas últimas tentativas, o de fazer a substituição do seu líder no poder, porque, obviamente, a substituição de António Guterres e de José Sócrates foi feita na oposição

No debate sobre a energia que o governo terá por mais quatro anos e meio, que legado pode deixar o incidente António Costa Vs Pedro Nuno Santos? Ou o eleitorado tende a desvalorizar estes incidentes?

Não. Parece ser um problema importante. O Partido Socialista tem um grande desafio pela frente, um desafio perdido das últimas vezes, fazer a substituição do seu líder no poder, porque obviamente a substituição de António Guterres e de José Sócrates foi feita na oposição.

Nesta altura com uma legislatura de quatro anos e meio e no estado em que se encontra a direita é provável que, em algum momento, o Partido Socialista queira fazer essa transição de liderança. Essa transição é complicada porque envolve escolhas internas que - todos estamos a perceber - não são consensuais e, por outro lado, envolve também, mais tarde ou mais cedo, a figura do presidente da República, seja o atual, seja o próximo.

Porque, evidentemente, alterações de liderança, enquanto no poder - como o PSD já fez ao contrário do PS - exigem uma colaboração do presidente da República.

Essa referência ao presidente da República faz-nos regressar às sondagens com o presidente Marcelo a passar de 'unânime' a 'consensual'. Deve ser lido como um indicador avançado de desgaste das instituições e esse desgaste pode marcar a futura relação do PR com o governo, até como resposta a outro indício, o do vice-almirante Gouveia e Melo muito à frente de Paulo Portas e Marques Mendes nas intenções do voto presidencial à direita?

São dois sinais distintos. Estamos a três anos das eleições presidenciais. É muito cedo. Não faz qualquer sentido estar a especular neste momento com resultados de sondagens. Eu acho mais interessante a reação muito negativa à esquerda e à direita. A esquerda e a direita reagiram muito negativamente à possibilidade de uma candidatura presidencial do vice-almirante Gouveia e Melo.

À direita isso tem a ver com o fato da direita não ter um candidato vencedor para as presidenciais e, portanto, tem de fazer uma escolha: ou apoia alguém que não é direita ou vem do espaço do centro-direita ou arrisca uma concentração ainda mais expressiva de poder no Partido Socialista. Este é um ponto sobre o qual a direita vai ter de pensar bem o que pretende fazer.

Agora em relação a Marcelo Rebelo de Sousa até diria que os resultados das últimas sondagens estão de acordo com os resultados das presidenciais. As anteriores sondagens é que não estavam porque Marcelo Rebelo de Sousa não teve 100% dos votos. Marcelo teve 60% dos eleitores que participaram nas eleições, dois milhões e meio de votos. Agora tem cerca de 12 valores na escala da sondagem que reflete exatamente esses 60%.

Finalmente as sondagens agora estão a começar a refletir a realidade do país e não a realidade imaginária do espaço mediático onde o presidente da República é amado e que se refletia nessas sondagens como se fosse uma figura unanimemente amada no país. Os resultados das eleições presidenciais não mostraram esse quadro e estas últimas sondagens refletem um cenário com um presidente relativamente consensual com apoios ao centro, mas claramente com muita desconfiança à esquerda e à direita.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+