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Entrevista à Renascença

Cativações? "Não abdicarei de nenhum instrumento", avisa Fernando Medina

14 abr, 2022 - 07:00 • Sandra Afonso , Susana Madureira Martins

Em entrevista à Renascença, o ministro das Finanças fala da vontade de "nesta legislatura" alienar a TAP a um grupo internacional, afasta ainda o aumento intercalar de salários da Função Pública, recusando a "ideia de que simplesmente o aumento seria melhor política" do que os apoios aos rendimentos como a redução do ISP.

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Cativações? "Não abdicarei de nenhum instrumento", avisa Fernando Medina
Cativações? "Não abdicarei de nenhum instrumento", avisa Fernando Medina

Fernando Medina garante que não irá abdicar de "nenhum instrumento" como as cativações, cuja utilização considera como "normal" e admite que no Orçamento do Estado de 2023, a apresentar ainda este ano, será possível manter propostas como o aumento extraordinário das pensões ou do mínimo de existência.

O Governo aponta para uma inflação este ano de 4%. Com este Orçamento do Estado os portugueses mantêm o poder de compra?

Este Orçamento de Estado vai-nos permitir aprovar e pôr em vigor as medidas de mitigação dos preços dos combustíveis e de outras categorias de bens que têm sofrido maiores aumentos.

Nós estamos perante uma crise com origem externa, que resulta quer do fim da pandemia, quer da situação da guerra da Ucrânia. A melhor forma que nós temos de agir é tomar medidas para limitar estes aumentos.

Este orçamento tem uma medida da maior importância, que é a diminuição do Imposto sobre Produtos Petrolíferos na dimensão do que é a diminuição do IVA, que nós queremos aplicar, mas que ainda não tivemos autorização para isso. Vai fazer com que as pessoas paguem menos 72% do aumento que teriam se não houvesse esta medida. Conseguiremos também no gasóleo baixar cerca de 52% esse aumento.

A aprovação deste Orçamento vai-nos permitir pagar o aumento extraordinário de pensões, para todas as pensões até 1108 euros, com retroativos ao mês de janeiro. Também permitirá o desdobramento dos escalões de IRS, que vai ter um impacto na diminuição de imposto de famílias das classes médias, classes médias baixas. Vamos aumentar o chamado mínimo de subsistência, isto é, o número de famílias que não estão sujeitas à tributação por IRS. Também o apoio à majoração do segundo filho. A criação do apoio aos filhos para as famílias que não descontam para efeitos de IRS.

Descreve uma série de medidas, mas muitas já vêm da primeira versão do Orçamento, apresentada em outubro, quando a inflação estava em 0,9%, antes da escalada dos preços Há margem para um uamento intercalar dos preços, à semelhança do que fez a Alemanha?

Permita-me uma correção, a maior parte destas medidas destinadas à mitigação dos preços não estavam previstas no orçamento anterior. Falo da medida relativamente à redução do ISP, do apoio às empresas intensivas em energia com a subsidiação de uma parte dos custos da energia, a taxação em nível zero das rações e fertilizantes.

Mas são medidas pontuais?

É verdade, não compensam a totalidade dos orçamentos, mas compensam uma parte importante.

Admitiu que a redução do ISP é temporária mas depois de junho será avaliada. Qual pode ser a alternativa?

Nós estamos num momento de grande volatilidade, de grande incerteza, muito marcada pela guerra na Ucrânia. Não sabemos quanto tempo irá demorar. Como vão ficar os mercados de energia. Vamos vendo. Vivemos um momento de volatilidade, tomamos as medidas que são necessárias para cada momento do tempo.

Vários estudos estão a indicar que as famílias mais carenciadas ou com menos rendimentos são as mais atingidas pelo agravamento dos preços. Vários economistas apontam o aumento dos rendimentos até à produtividade como a resposta mais eficaz à inflação. Como economista, como avalia esta medida?

Quando nós falamos da urgência que tivemos na aprovação deste Orçamento de Estado foi para poder pôr em vigor um conjunto muito vasto de medidas de apoio ao rendimento, que não podíamos aplicar sem orçamento. Um deles tem a ver com o aumento extraordinário das pensões com retroativos. Não tem significado sobre o poder de compra? Pode-me dizer que gostaríamos que fosse mais, gostaríamos todos, mas o mundo ideal funciona com restrições e é um apoio importante para um milhão e 900 mil pensionistas.

Mas deixe-me ir diretamente à sua pergunta: não seria melhor os aumentos salariais e outros países já o fizeram? Convém ter atenção, quando se vê os números e quando se vê as políticas.

Eu tenho a memória muito viva dos anos 80 e dos anos 90, na altura havia aumentos salariais muito significativos, mas a perda do poder de compra era sistemática, porque a inflação era muito superior e por isso podia-se aumentar 18% e a inflação era 25 ou 30%. A isto chama-se uma espiral inflacionista e por isso a ilusão de que o aumento do salário resolvia a perda do poder de compra de inflação foi sempre uma miragem.

Mas neste momento não corremos esse risco.

Neste momento é diferente. A compensação integral da inflação é outra coisa diferente, porque não tem a ver com aquilo que o setor produz, não tem a ver com a riqueza que se gera no setor, tem a ver simplesmente com os custos.

O que nós não podemos fazer é colocar um motor interno a alimentar e a criar um processo inflacionário de natureza doméstica. A nossa estratégia é a que melhor defende o poder de compra, porque a ilusão dos aumentos sistemático acabará por alimentar um processo que terá como conclusão os aumentos serem sempre inferiores ao aumento da inflação.

O que está a dizer é que não será possível dar um sinal intercalar aos funcionários públicos, neste momento?

Os funcionários públicos beneficiarão, como todos os trabalhadores do Estado e do setor privado, deste conjunto vasto de medidas que nós estamos a aprovar.

Num ano em que há subidas de custos nós, não só estamos a agir para controlar esses custos, mas também com um conjunto de benefícios em múltiplas áreas que vão atingir diferentes segmentos da sociedade portuguesa, com uma atenção muito grande aos mais desfavorecidos e que apoiará o rendimento das famílias. Obviamente, num contexto em que todos percebem que o Estado, só por si, não tem capacidade, nenhum Estado por mais rico e poderoso que seja, não tem possibilidade de compensar todos por uma crise energética com a dimensão da que estamos a viver.

Como é que explica aos portugueses, sobretudo àqueles que estão a perder poder de compra, a prioridade que este orçamento dá à descida do défice, no actual contexto? E tendo em conta que não há pressão de Bruxelas para cumprir as metas orçamentais. Lembro que na anterior proposta estava previsto um défice de 3,2 e agora compromete-se com 1,9.

A razão fundamental da redução para um patamar inferior do défice prende-se com o facto de 2021 ter acabado bastante mais favorável do que era estimado. O défice acabou bastante mais baixo, em 2,9. O que nós estamos a fazer é prosseguir essa descida.

O nosso objetivo orçamental é também uma medida de proteção das família. Já estamos a assistir no mercado de dívida e também o próprio banco central já anunciou que poderá em breve iniciar um processo de aumento da trajetória das taxas de juro. Se Portugal tiver um défice elevado ou uma dívida que não dá sinais de redução, nós sentiremos imediatamente essa decisão errada na subida das taxas de juro da dívida portuguesa. Leia-se, na subida das taxas de juro que os bancos portugueses têm que pagar. Leia-se, na subida que os portugueses têm que pagar nas taxas que pagam aos bancos. Tudo isto é uma cascata direta.

Uma política orçamental que aumentasse o défice e que não nos permitisse a redução da dívida, iria colocar de novo o país numa situação de risco, provocando aumentos nas taxas de juro que iriam ter uma repercussão direta nos portugueses.

Reduzir o défice para termos mais margem do ponto de vista orçamental é a melhor política para proteger o país, para proteger os portugueses das intempéries e imprevistos, em particular no ciclo que se vai iniciar, de subida de taxas de juro, espero de gradual, do BCE.

Os ministros de António Costa têm superado as metas orçamentais, ano após ano. Vai manter esse desempenho, tem como objetivo recuperar o excedente orçamental?

Eu tenho o objetivo de que a política orçamental seja adequada, a melhor política para apoiar a economia portuguesa e para apoiar as famílias portuguesas em cada momento.

Mas com um excedente orçamental é mais confortável?

O que temos que ter é a política orçamental adequada ao ciclo que estamos a viver.

Não faz sentido, quando estamos em recessão, uma política que acentua essa reação - foi o grande erro dos anos de Vítor Gaspar. O que também não faz sentido é quando temos uma economia muito aquecida, termos défices elevados que aceleram esse processo e até podem causar inflação interna.

O caminho que nós prosseguimos é, num ano em que antevemos, apesar das incertezas, um crescimento económico significativo - 4,9 é um dos maiores valores que tivémos na história recente portuguesa - se esse valorse vier a concretizar, não faria sentido adotar uma política orçamental excessivamente expansionista. Implica uma política orçamental de rigor, que permita reduzir o défice, prosseguir a redução da dívida. Para quê? O mundo não acaba neste orçamento, o país tem que se precaver para o futuro, nós temos que ganhar margens de segurança.

Mas não podemos ir mais longe nas medidas?

Nós temos 2,9% de défice, neste momento. Não há decisão europeia ainda aprovada sobre as regras que vigoraram no próximo ano. Não é uma decisão portuguesa. Admitamos que não é dada flexibilidade adicional, se Portugal não tivesse, autonomamente, uma trajetória de redução do défice para ficar bem confortável dentro dos limites a que estamos obrigados, nós ficaríamos perfeitamente no limiar. Se o excedêssemos, teríamos um procedimento por ultrapassagem do défice, seria uma muito má notícia para todos, porque seria introduzir outra vez as incertezas sobre a política orçamental.

Defende a revisão das regras orçamentais?

Defendo que as regras relativamente ao ano de 2023 não deviam ser aplicadas, devia-se prolongar a derrogação que vigorou durante a pandemia. Tendo afirmado eu, quer no Eurogrupo, quer na reunião do Ecofin, não nos contactos com a Comissão, que Portugal cumpriu, mesmo com as regras derrogadas, temos um orçamento agora para 22 que continua a cumprir. Mesmo assim, é visado que continue a existir essa derrogação.

Com que almofada é que gostava de chegar até ao próximo Orçamento do Estado?

O meu objetivo vai ser trabalhar para atingir os resultados deste orçamento, que são obviamente exigentes, num ano muitíssimo exigente, porque é marcado pela incerteza e pela volatilidade e nós estamos dependentes de muitos fatores externos que não controlamos.

Cativações, aumentos de pensões, TAP e Novo Banco. O essencial da entrevista de Fernando Medina
Cativações, aumentos de pensões, TAP e Novo Banco. O essencial da entrevista de Fernando Medina

Os ministros das Finanças têm sido criticados pela política de cativações. Vai seguir por esse caminho também?

Eu não abdicarei de nenhum instrumento que esteja ao dispor do ministro das Finanças, no sentido de assegurar o equilíbrio da gestão dos objetivos que me comprometo.

A utilização das cativações tem uma dimensão que é normal. Corresponde à criação de pequenas margens de segurança, em várias rubricas da despesa, de diferente tipo. Tem variado, de ano para ano. No global da despesa, não é uma verba particularmente significativa. Vai-se fazendo a gestão ao longo do ano, em função do andamento da economia e do andamento da despesa.

Qual é a verba prevista para este ano?

Ainda não foi aprovado o decreto-lei de execução orçamental, que espero levar em breve a Conselho de Ministros. Permita-me que não partilhe, antes de partilhar com os meus colegas no Conselho de Ministros.

É sempre um tema que anima muito as oposições. Está preparado para as críticas sobre as cativações?

Sim. Estou preparado para essas e estou preparado para outras, porque imagino também que a oposição também vai evoluindo. Possivelmente comigo arranjarão outras novas.

Faz sentido financiar empresas que não saem do vermelho?

Casos concretos, por favor?

Por exemplo, a TAP?

Não estava no Governo quando a decisão da TAP é tomada, mas a alternativa de não termos a TAP sempre me pareceu pior, mais negativa. O plano de reestruturação que foi aprovado é um bom plano, do ponto de vista do saneamento da empresa e do ponto de vista da sua recuperação.

O plano está numa fase já avançada, relativamente ao seu desenvolvimento, e espero que nesta legislatura, possamos fazer, no melhor tempo e no melhor modo para a defesa do interesse nacional, a alienação de uma parte do capital da TAP, para inserção da TAP num grupo económico. Um grupo de aviação sólido, respeitado, capaz de preservar o hub que Portugal tem, que é essencial para nós, na ligação a África, na ligação à América Latina, na ligação à América do Norte, que seja capaz de o preservar, que seja capaz de preservar a TAP como companhia de bandeira, que seja capaz de progressivamente ir melhorando o desempenho operacional e a rentabilidade da TAP.

Para quando?

Uma vez passado este período de saneamento, uma vez passado este período do Covid, desenvolveremos os trabalhos para que a TAP possa ser gerida adequadamente entre um grupo internacional de aviação. É difícil de imaginar a viabilidade de uma empresa como a TAP fora da sua inserção em um grande grupo, porque é uma empresa que, pela sua forma de operar, a sua dimensão, precisa de ser integrada dentro de um grupo. Pode valorizar muito mais a sua especificidade e o seu valor: ter passageiros de toda a Europa ou de outros lugares a partir de Lisboa.

Quando fala da alienação de parte do capital é a maioria?

É um debate que teremos no seu tempo próprio, não quero estar a antecipar porque acho que a antecipação deste debate não é o que melhor defende o interesse nacional. Faremos a seu tempo, no modelo, no modo e no tempo que melhor defende o interesse nacional.

Acredita que haverá um pretendente para a TAP?

Sim, tenho essa convicção, pelas múltiplas fontes de valor que a empresa tem e um muito em particular: no mapa do território, se repararem na inserção geográfica de Portugal na Europa, face ao Atlântico, nós temos uma posição única, estando na ponta ocidental da Europa, somos aqueles que estamos mais perto dos destinos da América Latina, da África, da América do Norte. Isso é uma grande vantagem que o país tem, que a nossa companhia de bandeira tem, é um ativo que nos dá a confiança de que seja valorizado como tal, por quem está hoje no mercado de aviação, mas que não tem acesso a esta ponta ocidental da Europa.

Agora, convém não nos anteciparmos, porque uma precipitação pode não ser o que assegura melhor o interesse nacional. Venderemos no modo e no tempo que melhor defenda o interesse nacional, nem antes, nem depois.

Em relação ao Novo Banco, já disse que não há lugar para mais injeções. Nem mais um cêntimo, até ao final do seu mandato?

O Ministério das Finanças não gere a relação pública com o Novo Banco, a informação que o Fundo de Resolução tornou pública e que o governador do Banco de Portugal também secundou é que não via como adequado qualquer nova injeção no Novo Banco. Só posso dizer que, como Ministro das Finanças, fiquei muito satisfeito com isso.

Mas para o Orçamento de 2023 não se sabe?

Do que está previsto, relativamente às regras, veremos o que o Fundo dirá. Mas o banco irá entrar numa nova fase, não antecipo.

Podemos esperar surpresas das duas auditorias que deverão ser conhecidas este mês ao Novo banco, uma da Deloitte e a outra do Tribunal de Contas?

A auditoria da Deloitte é sobre as contas de 2020. Já tive oportunidade de remeter, quer ao Parlamento, quer também ao Ministério Público, para que possam fazer o seu juízo sobre essa auditoria.

Muito em breve, creio que nos próximos dias, estará disponível no site do Parlamento.

No próximo Orçamento do Estado, já com a sua assinatura integral, vai ser possível manter este desempenho, por exemplo, os aumentos extraordinários de pensões ou aquele aumento do mínimo de existência? Muitas destas respostas eram para os parceiros de esquerda.

Uma política que seja capaz de robustecer a capacidade competitiva da economia, que seja capaz de robustecer o nosso tecido económico, que seja capaz de dar mais condições às empresas para produzir, ao mesmo tempo que desenvolvemos uma política de proteção dos mais vulneráveis, de redução das desigualdades, de melhoria progressiva das condições de vida de todos os cidadãos - é a matriz do partido socialista, onde eu me inscrevo.

Isso é um 'sim'?

Sim, isso é um sim. Porque, enquanto nos partidos à nossa esquerda há muitas vezes uma sobrevalorização da dimensão redistributiva, mas há uma grande desvalorização da dimensão da produção de riqueza. Enquanto à nossa direita muitas vezes há uma aparente grande maior preocupação com a produção da riqueza, embora por caminhos que eu não partilho.

O Partido Socialista tem na sua matriz política, na sua matriz de princípios, questões tão simples como o facto de nós termos de ter uma economia pujante para podermos sustentar um Estado social eficaz, e a convicção profunda de que só um Estado social forte e eficaz é capaz de assegurar a igualdade e a melhoria de condição de todos, que são um mínimo necessário a uma sociedade digna e também a uma economia mais produtiva.

O Partido Socialista não se define por contraste com os outros partidos, tem uma matriz de valores fundadores, que persegue quando exerce funções de poder.

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