Legislativas 2022

Com maioria absoluta fora de cena, Pedro Nuno Santos vira discurso à esquerda

26 jan, 2022 - 08:12 • Susana Madureira Martins

Num ápice, a maioria absoluta desapareceu da lista de pedidos. E isso já se vê dentro do PS: os olhos estão novamente na esquerda. Terça à noite, num discurso marcadamente ideológico, o ministro das Infraestruturas e cabeça de lista por Aveiro definiu as clivagens entre a esquerda e a direita, apresentando um autêntico modelo social e a sua visão própria para o país. António Costa, que também estava presente, foi quase eclipsado.

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Discursaram um a seguir ao outro e notou-se a diferença. E muito. Pedro Nuno Santos subiu ao palco do centro de congressos de Aveiro e definiu uma autêntica agenda de esquerda para o PS por oposição à agenda de direita. A de esquerda que diverge das propostas do PSD para a Segurança Social, a do cheque-ensino do CDS ou ainda a da Iniciativa Liberal sobre a taxa única de IRS.

Todas essas propostas mostram uma única coisa para o ministro das infraestruturas: "uma determinada visão da sociedade”. Ou como Pedro Nuno Santos detalhou: "estas propostas da direita portuguesa têm uma visão profundamente individualista da sociedade".

E aqui começou o encadear de clivagens entre direita e esquerda, num autêntico posicionamento ideológico pessoal dentro do próprio PS. Pedro Nuno a acusar a direita de defender um modelo em que na sociedade é "cada um por si, sem querer saber dos outros", que "dá tanta centralidade ao mercado e não fala de desigualdades".

E ficou a partir daqui a fronteira definida: no PS acredita-se "em valores diferentes, é a casa comum" de quem crê que cada um "faz parte de uma grande comunidade", para acabar a dizer que "quando a direita ambiciona incutir valores de competição".

Cabe, então, aos socialistas "proteger os valores da cooperação". E o centro de congressos de Aveiro, cheio que nem um ovo, ficou ao rubro interrompendo várias vezes Pedro Nuno.

Sem nunca declarar apoio a António Costa, que estava na sala mesmo à frente a ouvir o discurso, Pedro Nuno optou por falar de si próprio, da obra feita na ferrovia, no concurso de compra de comboios, para depois "malhar" outra vez a direita: "a nossa casa comum é o Estado social".

Logo a seguir a ter falado o cabeça de lista do PS por Aveiro, entrou em cena o líder do partido num discurso em tudo diferente. O mais próximo que o líder do PS esteve do tom do seu ministro das Infraestruturas foi quando disse que "não há economia sem empresas e não há empresas sem trabalhadores".

Aqui Costa acrescentou: "o que faz uma sociedade ser uma sociedade decente, uma sociedade onde há justiça social, é os ganhos da riqeuza que o país produz serem justamente repartidos", arrancando aplausos da plateia que também já tinha delirado com Pedro Nuno.

Seria preciso chegar à reta final do discurso, para o líder socialista radicalizar e definir uma fronteira absoluta entre governar à esquerda ou à direita: o Chega.

O PS "nunca" terá "um governo refém da extrema direita" e que nunca ninguém verá o partido a "traduzir por palavras meigas as palavras do André Ventura", garantiu.

Uma bicada ao PSD que foi ainda mais notória quando disse que nunca se verá o PS a "ficar dependente do Chega e nunca nos verão a mitigar que a prisão perpetua não é prisão perpétua". Mais simples ainda: “A fronteira é não depender do Chega para coisa nenhuma".

Maioria absoluta, a desaparecida em combate

Abandonado que está o discurso da maioria absoluta, que desapareceu por completo da campanha socialista, a agulha é agora virada para os entendimentos com todos menos com o Chega, tal como já tinha avançado na entrevista à Renascença. Porquê a mudança de estratégia? Devido ao que ouviu nas ruas, contou Costa.

Falando em Coimbra, a meio da tradicional arruada entre o Largo da Portagem e a Rua Ferreira Borges, o líder socialista assumiu que é preciso "saber ouvir as pessoas também" e o que tem ouvido "é que as pessoas querem uma solução de governo estável, mas que assente no diálogo e na criação de consensos". Ou seja, foi preciso tomar o pulso à rua para perceber que a estratégia inicial não estava a resultar.

Sendo assim, Costa promete agora que falará "com todos os partidos" deixando ainda, durante as declarações aos jornalistas na arruada no centro de Coimbra, um certo ar de que a segunda semana de campanha está a ser dura para a caravana socialista.

Ao ser questionado se o PSD está na iminência de vencer estas eleições, como alega Rui Rio, o líder socialista responde que "quem sabe quem vai ganhar as eleições são os portugueses, eles é que sabem em quem vão votar no domingo".

Costa joga ainda à defesa e recusa comentar as declarações do líder do PSD que o aconselhou a terminar o mandato de primeiro-ministro com "dignidade", uma provocação que Rio foi buscar ao passado, usando palavras de Cavaco Silva sobre o mandato presidencial de Mário Soares.

A isto, o líder do PS responde secamente que não vai "estar a jogar pingue-pongue com o doutor Rui Rio" e que o "diálogo é com os portugueses", limitando-se a acrescentar que "a campanha deve assentar em cada um apresentar o seu programa, não o esconder, porque não deve haver gato escondido, deve haver tudo às claras".

Norte em mobilização total

A lota é coisa do passado - e de má memória - e Luísa Salgueiro, a autarca de Matosinhos, meteu o líder socialista no mercado municipal no meio das peixeiras e das vendedoras de legumes e frutas e, claro o caos foi total. De resto, habitual nas ações de campanha do PS a norte do país. As peixeiras apareceram com aventais brancos com um sol ao meio e a legenda 'Costa é fixe'.

Costa falou às massas a partir do primeiro andar do mercado e sacou da máxima de Manuel Alegre, "quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS", enquanto recebia um pequeno barco em madeira com a palavra "vitória" inscrita a bombordo.

Aos gritos de "PS, PS, PS" da pequena multidão no mercado, Costa respondia, já não com pedidos de maioria absoluta no próximo domingo, mas com apelos à mobilização e a "uma grande vitória" no próximo domingo.

As sondagens dão a margem entre PSD e PS cada vez mais curta e Costa insiste em todo o lado onde ouve "vitória, vitória" que "nada está ganho" e que "nunca há vitórias antecipadas". E o lema do líder socialista agora é "votar, votar, votar". Tem sido assim o apelo, três vezes "votar".

A norte, a máquina socialista mexeu-se e na Afurada, freguesia de Vila Nova de Gaia, Costa teve um pequeno banho de multidão, com o líder socialista a surgir como o construtor de pontes e aquele que resolve problemas e dialoga.

Foi nesta linha que surgiu a conversa com uma senhora, casada com um pescador, que abordou António Costa no meio da arruada queixando-se que a ligação fluvial entre a Afurada e o Porto deixou de existir. "Deixei de ir trabalhar porque não tinha barco", disse a mulher, levando como resposta um "vou ver".

Quando o líder do PS subiu ao palco, mais uma vez, explicou que a questão envolve a Administração do Porto de Leixões (APDL): deixou caducar a concessão da travessia. O melhor, segundo Costa, é tirar esta competência à APDL. E lá ficou resolvido logo ali.

"Não há nenhuma razão para que esta pequena ligação entre estas duas margens do Douro tenha de ser decidida em Leixões e não possa ser decidida aqui em Vila Nova de Gaia, e aqui a câmara vai resolver este problema", disse, com Eduardo Vítor Rodrigues, o autarca local mesmo ao lado no palco.

O ataque mais duro a Rui Rio na Afurada nem sequer foi do líder socialista, mas do presidente da distrital do Porto, com Manuel Pizarro a atirar a José Silvano, o secretário-geral do PSD envolvido num processo judicial devido a presenças falsas no parlamento.

"Então, quando o atual presidente da câmara do Porto, o doutor Rui Moreira se candidatou às eleições autárquicas, não é que o líder do PSD o doutor Rio disse que ele não se devia candidatar porque era acusado num processo judicial?", questionou Pizarro, para depois concluir que o processo judicial acabou em absolvição.

Daqui o líder da distrital partiu para outra pergunta à plateia: "Mas não é o doutor Silvano, secretário geral do doutor Rio que o doutor Rio pôs a candidato às eleições legislativas?", lançando mais um par de perguntas. "Então, afinal que reforma da justiça quer o doutor Rio? Uma reforma para acusar os seus adversários e uma reforma para salvar os seus amigos?" "Nisso é que nós não vamos", garantiu Pizarro.

Comentários
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  • Petervlg
    26 jan, 2022 Trofa 12:11
    Nunca mais maioria absoluta, Antonio Costa é quase igual a Jose Sócrates
  • Cidadao
    26 jan, 2022 Lisboa 11:10
    Ena, perceberam agora, algo que o comum dos mortais já tinha percebido há semanas: o Povo quer consensos, não quer Maiorias absolutas de 1 só partido - está "escaldado" com as que houve, fosse do Cavaco, fosse do Sócrates. Mais vale tarde ...

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