14 jan, 2022 - 16:34 • Inês Rocha
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O líder do CDS-PP chamou-lhe “populista”, “racista” e “rei da bazófia”. Antes, António Costa tinha tentado explicar a tática “clássica” da sua família política: “Pega num caso, procura generalizar, divide o mundo entre bons e maus e isso depois leva-o a mostrar muitas fotocópias mas pouca realidade“. E acusou também: “O senhor deputado vai passando pelos debates debitando, debitando, debitando acusações, mas nunca falando sobre o seu programa”.
O líder do Chega, André Ventura, é muitas vezes acusado de trazer um discurso populista para o debate político português. Mas o que quer dizer essa acusação, concretamente?
Populismo é um termo usado na Ciência Política para definir uma estratégia de líderes carismáticos para apelar às massas, que separam a sociedade entre dois grupos homogéneos e antagónicos, o povo e a “elite corrupta”.
Susana Salgado é especialista em Comunicação Política e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, tendo vários trabalhos publicados sobre o populismo europeu. Questionada sobre quais as características deste tipo de discurso, faz uma lista:
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A investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa não tem dúvidas de que André Ventura “foi a grande viragem em termos do discurso populista do nosso país”.
Uma chegada tardia, em comparação com outros países da Europa, o que, para a especialista, “não significa que não existisse predisposição para votar neste tipo de discurso alternativo”. Recorda, por exemplo, a eleição de Marinho e Pinto para o Parlamento Europeu, em 2014.
Para Susana Salgado, a chegada tardia da direita radical a Portugal está também relacionada com a cobertura mediática, “que no nosso país sempre foi muito avessa a dar visibilidade a esses extremismos.”
Com o advento das redes sociais, “a possibilidade de transmitir as mensagens ao eleitorado sem passar pelos jornalistas” deu muito mais eco à proposta do Chega.
Por outro lado, a imagem de André Ventura, “um político mais tradicional, ainda que tenha um discurso diferente dos outros, pelo menos para uma parte do eleitorado tem alguma credibilidade, por ser uma pessoa que na prática vem do sistema, ainda que o negue”.
Em 2020, o investigador português Vicente Valentim quis perceber se o sucesso de partidos da direita radical tinham um impacto negativo no discurso político dos outros partidos - ou seja, se haveria uma contaminação dos discursos, a nível de emoções transmitidas.
Estudou então o caso alemão, onde a Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu eleger representantes em 14 dos 16 parlamentos regionais, em outubro de 2017.
O investigador da Universidade de Oxford compilou então uma lista de cerca de 30 mil palavras e categorizou-as conforme as emoções transmitidas, tanto negativas como positivas. Chegou a uma lista de termos a transmitir alegria, entusiasmo, orgulho, tristeza, raiva, medo, entre outros sentimentos.
Depois, analisou, a nível de emoções transmitidas, mais de 360 mil frases de discursos políticos proferidos no Parlamento alemão, e de publicações no Facebook de todos os partidos, entre outubro de 2017 e junho de 2019.
As conclusões surpreenderam-no. Os resultados mostraram que os outros políticos não copiam a negatividade do discurso da direita radical, pelo contrário - tornam o discurso político mais positivo.
“O meu co-autor estava mais à espera deste resultado do que eu. Eu estava à espera que fosse na direção oposta, mas depois de pensar nisto, a verdade é que faz sentido. Agora vendo os debates em Portugal, acho que se vê algo semelhante na resposta ao Chega”.
O investigador considera que os outros partidos fazem um esforço por desconstruir a narrativa populista do Chega, em vez de copiar as táticas. “Os restantes partidos reagem à direita radical dizendo que este discurso não é aceitável e não vou por aí. Vou de certa forma apresentar-me como um bastião das normas democráticas que a direita radical não segue.“
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Já Susana Salgado não vê táticas populistas apenas no discurso André Ventura. A investigadora da Universidade de Lisboa sublinha que há uma fronteira “muito ténue” entre “a vontade de ser mais popular e o que pode ser, em alguns casos, considerado como populista”.
Em campanha eleitoral, a tentação é ainda maior, com os partidos a quererem transmitir uma mensagem clara e simples ao seu eleitorado. No entanto, a especialista lembra que “não é preciso ser populista para usar táticas populistas”.
Dá o exemplo de Catarina Martins, que no debate tratou sempre André Ventura por “extrema-direita” e nunca pelo nome. Esta é “uma estratégia de simplificação excessiva do discurso e uma estratégia de menorização do adversário político a que os populistas recorrem muito frequentemente”.
A investigadora vê também António Costa, por vezes, a recorrer a estratégias de simplificação excessiva, não respondendo a perguntas diretas que lhe são colocadas para tentar passar com veemência uma mensagem forte, recorrendo também à “lógica do bode expiatório” - no debate com Catarina Martins, por exemplo, culpou o Bloco de Esquerda pela situação em que está o país.
Susana Salgado considera que isto é normal em campanha e não significa que estes sejam partidos populistas. “Se calhar temos exemplos em todos os candidatos, uns mais do que outros”.
Nesta pré-campanha eleitoral, os líderes partidários desdobraram-se em debates. Ao todo, serão 32 debates em 16 dias.