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Legislativas 2022

Quem sai em campanha perde e ganha. Nas ruas, Costa é “flexível", Rio “espontâneo”

12 jan, 2022 - 21:33 • Fábio Monteiro

Em campanha, nada é melhor que o político da casa. Rio é “espontâneo”, fica mais “solto” e consegue ser “mais incisivo”, enquanto Costa toma uma postura “mais distante” e faz um discurso “mais plástico”, diz José Silvano, social-democrata que está a coordenar a campanha do PSD. Sem surpresas, Ascenso Simões, que em 2015 foi um dos diretores de campanha de Costa, tem uma visão contrária: “Costa gosta genuinamente das pessoas”, Rio “não tem empatia nenhuma”. A poucos dias da campanha chegar às ruas, eis o que esperar.

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Se as pessoas costumam dar pouca atenção à prata da casa, nos partidos políticos, especialmente quando há uma ida às urnas no horizonte, a lógica é inversa: não há nada melhor que o candidato que têm para oferecer. E nenhum é mais sagaz e genuíno no terreno. Rui Rio e António Costa sofrem desta sina. Os dois são pesos pesados políticos, que já trilharam milhares de quilómetros em campanha. Ambos têm provas dadas, umas quantas peripécias de rua no currículo e estilos diferentes.

O líder do PSD é conhecido por ser mais sóbrio e controlado, mas ainda assim por mover massas. Por sua vez, o primeiro-ministro quando tem que saltar no palanque, para deleite dos militantes, salta; fá-lo, claro, porque sabe bem a imagem de pessoa acessível que quer projetar. A menos de uma semana do início da campanha das eleições legislativas, a Renascença conversou com José Silvano, social-democrata que está a coordenar a campanha do PSD, e Ascenso Simões, que em 2015 foi um dos três diretores de campanha de António Costa, para perceber como é que os dois (principais) candidatos a primeiro-ministro se comportam no terreno.

Ora, no entender de Silvano, nas legislativas de 2019 e nas autárquicas de 2021, Rui Rio já deu provas de que “é melhor que Costa” em campanha. “É mais próximo das pessoas, faz uma campanha mais próxima, e no contacto com as pessoas acho que é uma mais valia, ao contrário do que as pessoas podiam imaginar. E também tem outra qualidade: é mais espontâneo na campanha e no aproveitamento das mensagens televisivas”, diz.

Não é que Rio vá “picado”, mas é, sem dúvida, “animado pela presença das pessoas, pelo contacto com a população”; fica “mais solto, mais incisivo”. Enquanto Costa, que se “refugia” nos comícios tradicionais para passar a mensagem, “dá um ar mais distante” e faz “um discurso mais plástico de mensagem televisiva”, atira o social-democrata.

Sem surpresas, Ascenso Simões tem um entendimento oposto. “Costa gosta genuinamente das pessoas, Rio não tem nenhuma empatia com as pessoas, não vai à procura das pessoas, não tem uma atitude de saber o que elas querem. Costa tem sempre uma palavra. Rio não tem. Costa é flexível, Rio não é”, afirma.

De acordo com o socialista, “as campanhas são momentos de grande conflito, de grande nervosismo, porque há muitos interesses em jogo”. “Por exemplo, faz-se um programa [de campanha]. Depois, há sempre um tipo local que diz: ‘Ó António, podes vir ali?’ Isso cria grandes limitações na organização e até na capacidade de concentração do candidato.” Chegados a 2022, contudo, tudo é diferente, por causa da pandemia. “Tudo agora pode ser planeado, pensado, executado de forma completamente diferente.”

Em campanha

Nos currículos de Rui Rio e de António Costa, não há só vitórias. Há derrotas com sabor a triunfo (o caso das autárquicas de 2021, para o líder do PSD) e corridas aquém das expectativas, mesmo quando deram tudo em campanha (o caso de Costa).

Em 1993, António Costa, então candidato à presidência da Câmara de Loures, organizou uma corrida entre um burro e um Ferrari, na calçada de Carriche, para evidenciar os problemas de circulação de trânsito. Protagonismo e holofotes à parte, esta peripécia em campanha não granjeou uma vitória para Costa nas urnas.

Segundo Ascenso Simões, as eleições de 1993 foram “muito diferentes”: as televisões privadas estavam a dar os primeiros passos. Ainda a comunicação social era muito marcada por uma desconfiança pelo poder local. Para alguém que queria ter uma posição, chamar à atenção num concelho grande, como era Loures, tinha que ter uma coisa diferente”, explica.

Poderia a mesma técnica ser aplicada hoje? A resposta a esta pergunta é outra pergunta: para quê? “Hoje é possível fazer todos os dias uma corrida entre um burro e um Ferrari, é possível. Porquê? Os instrumentos e formas de comunicar o permitem, inovar a cada minuto.”, aponta o socialista.

Desde 1993, tudo mudou. Melhor, nem é preciso recuar tão longe para se verem as mudanças. Basta pensar no discurso de Costa em 2015 e comparar com 2019. “As frases são mais curtas, as ideias mais concentradas.” Um discurso para o Twitter? “Não, para o tempo. As pessoas aceleraram. A forma como as pessoas vivem a política e a vida é diferente.”

A principal dificuldade de Costa em 2022, porventura, poderá estar nas sondagens. Tanto nas legislativas de 2015 como nas de 2019, as intenções de voto no PS tenderam a cair consoante a data de ir às urnas se aproximava. Poderá, então, a campanha não ser o ponto forte de António Costa? Ascenso Simões rebate esta ideia com recurso ao exemplo de 2015.

Se então não prosperou nas sondagens, foi porque ocorreu uma “transição do modelo de candidatura de presidente de câmara para primeiro-ministro”. “Os modelos de campanha não são iguais, nem o discurso é igual, nem a forma de atingir os objetivos é igual. Por isso é que houve alguns atritos em 2015. Em 2019, isso já não existiu”, diz. (A campanha de há sete anos passou pelas mãos de três diretores; Ascenso Simões demitiu-se após um cartaz mal conseguido e apropriado pela oposição ter ido parar ao lixo.)

Ascenso Simões lembra ainda que na ida a votos de 2015 José Sócrates havia sido preso ainda há poucos meses. “Todos os dias lhe perguntavam [a Costa]: quando é que vai ver Sócrates? Quando é que vai ver o Sócrates? Nós é que já não temos memória disso.”

Em 2019, com uma conjuntura muito diferente, a campanha de Costa correu de forma muito mais tranquila. Mas não foi perfeita. O primeiro-ministro perdeu a cabeça no Terreiro do Paço: um reformado acusou-o – falsamente - de ter ficado de férias com o país a arder em Pedrógão. “É mentira, é mentira”, rebateu Costa, visivelmente descontrolado. Neste episódio, o líder do PS teve mesmo de ser travado pelos homens da candidatura.

Tudo igual, tudo diferente

A pandemia veio mudar sobre que falamos quando falamos de campanha eleitoral, isso é inegável, tanto para o PSD como PS. Durante as duas próximas semanas, a presença de António Costa e Rui Rio nas ruas vai ser mínima. Numa altura em que os ajuntamentos são má ideia, comícios ou arruadas não se fazem. Segundo Ascenso Simões, a campanha destas legislativas será muito diferente das anteriores. “Quem fizer uma campanha como as anteriores, não terá sucesso”, avisa.

O que o PS vai fazer nas próximas semanas? A poucos dias do início da campanha, a agenda do líder do PS ainda não é conhecida, nem o modelo que será adotado no terreno. Pelo que a Renascença apurou, neste momento, a única certeza é que Costa vai visitar as regiões autónomas, enquanto Rio ficará pelo continente.

Da parte do PSD, os habituais almoços e jantares com militantes foram descartados. E isso é bom para Rio, defende José Silvano, para quem o líder social-democrata “não é homem de falar em comícios, de berrarias. Não é homem de se sentir confortável com jantares e almoços onde as pessoas, em vez de estarem a ouvir quem está a falar, estão a falar uns com os outros.”

Rui Rio visitará os 18 distritos do Continente, mas não fará comícios. Tal como em 2019, irá adotar o modelo de “talks” , sessões de esclarecimento em que responde a perguntas de uma audiência. Há três anos, as audiências destas sessões variaram entre 100 e 400 pessoas. Desta feita, o modelo será “ampliado” e será executado na “rua”, adianta José Silvano.

“Vamos ter um camião que serve de palco e que tem tendas acopladas para depois se fazerem as talks. Tem muito mais animação, tem muitos mais vídeos para projetar. Tem muito mais meios audiovisuais com transmissão de cada talk para todo o país”, conta à Renascença.

O debate decisivo

Num passado assim não tão distante, uma campanha eleitoral bem conseguida, com “soundbytes” bem colocados, poderia virar um resultado eleitoral. Rui Rio é, porventura, prova disso: em 2001, contra todas as sondagens e com muito trabalho no terreno, conseguiu conquistar a Câmara Municipal do Porto. Nestas eleições legislativas, porém, o resultado dos debates deverá ter mais peso. Pelo menos, é aí, tudo indica, que os partidos estão a depositar a maioria das fichas.

José Silvano diz que “decisivo é tudo junto [debates e campanha], não é uma coisa”, mas não hesita também em afirmar que o frente a frente televisivo entre Rio e Costa, na quinta-feira, pode dar embalo para uma campanha “mais ou menos motivada”. Aos olhos do social-democrata, o debate de quinta-feira, que terá a duração de uma hora e quinze minutos, “é mais propício” a Rio, pois o candidato “gosta de explicar as propostas que tem”. “Sendo mais explicativo e mais profundo nas análises dos temas, precisa de mais tempo”, diz.

O homem de Rio afirma ainda que o líder do PSD, que quer ser primeiro-ministro, é melhor preparado que Costa. Costa sabe mais assuntos, mas Rio discute as matérias mais profundamente.” “Não é homem de slogans, é homem de explicação consolidada”, sublinha.

Ascenso Simões concorda que o debate de quinta-feira será “decisivo”, dado que este ano “não há terreno”. Mas alerta que uma vitória não é garantia de nada, pois em 2015, no primeiro embate Costa-Passos, foi o líder do PS que “ganhou”. “O problema é que há um conjunto de outras coisas que acontecem”: a conjuntura no terreno, o que é discutido mexe com as marés dos eleitores. Dia 30 de janeiro os portugueses farão a sua escolha.

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