OE2022

Dissoluções já houve, chumbo do Orçamento nunca. Mas Marcelo não quer pântano político

25 out, 2021 - 15:15 • Fábio Monteiro

Em 47 anos de democracia, nunca uma proposta de Orçamento de Estado foi chumbada no Parlamento. Mesmo com a rejeição da proposta pelos partidos da esquerda, António Costa poderia continuar a governar. Marcelo já avisou, porém, que irá dissolver o Parlamento, caso o primeiro-ministro não consiga "dar a volta" ao Bloco de Esquerda ou ao PCP. A haver eleições legislativas, só para janeiro de 2022.

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Pode parecer que foi há uma eternidade, mas foi apenas há seis anos que a esquerda parlamentar se uniu para governar, dar o leme do país a António Costa, em vez de Pedro Passos Coelho.

Chegados às negociações para o Orçamento de Estado para 2022, é caso para dizer que longe vão os tempos da geringonça. No sábado, o Bloco de Esquerda anunciou que irá votar contra; já esta segunda-feira, foi o PCP a anunciar que irá votar no mesmo sentido. (O PAN, por sua vez, anunciou hoje que se irá abster.)

Ou seja, pela primeira vez em 47 anos, um Orçamento de Estado pode vir a ser, efetivamente, chumbado na Assembleia da República. “Nos Governos saídos de eleições nunca houve rejeição do Orçamento do Estado”, lê-se nos registos do Conselho das Finanças Públicas.

No histórico da democracia portuguesa, há apenas um episódio com semelhanças com o momento presente - mas este ocorreu já no IV Governo Constitucional liderado por Carlos Mota Pinto, entre 1978 e 1979. Na época, foram apresentados em simultâneo dois documentos: o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano (GOP). Mota Pinto conseguiu fazer passar a proposta de OE, mas as GOP foram chumbadas e o Governo caiu.

Segundo a lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, se o Parlamento não aprovar a proposta que está agora em negociação, “manter-se-á em vigor o orçamento do ano anterior, incluindo o articulado e os mapas orçamentais, com as alterações que nele tenham sido introduzidas ao longo da sua efetiva execução".

O Executivo de António Costa ficaria, então, obrigado a apresentar à Assembleia da República uma nova proposta de orçamento para o respetivo ano económico, no prazo de 90 dias sobre a data da rejeição".

Todavia, é pouquíssimo provável que, caso do OE para 2022 seja chumbado, António Costa apresente um segundo orçamento. O Presidente da República garantiu, ainda esta segunda-feira, que caso não seja possível chegar a um acordo, irá dissolver o Parlamento e convocar eleições. Com Marcelo, não haverá pântanos políticos.


De dissolução em dissolução

Desde 1974, já houve várias dissoluções do Parlamento em Portugal, na sequência de crises políticas. Aliás, o I Governo Constitucional português, liderado por Mário Soares, caiu em 1978 devido à rejeição de uma moção de confiança.

Mas há mais exemplos. Em 2015, o segundo Governo de Pedro Passos Coelho tombou menos de um mês depois de ter chegado ao poder, devido a uma moção de rejeição que uniu a esquerda (123 votos a favor, 107 contra) e fez nascer a geringonça.

Há dez anos, Cavaco Silva dissolveu o Parlamento, após o pedido de demissão do primeiro-ministro José Sócrates, no seguimento da rejeição da quarta versão do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).

Enquanto foi presidente da República, Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República por duas vezes: primeiro, em 2001, após António Guterres ter apresentado um pedido demissão, devido aos resultados negativos nas eleições autárquicas; segundo, em 2004, ao fim de quatro meses de governação de Santana Lopes, que substituiu Durão Barroso, após o primeiro-ministro abandonar Portugal para assumir o cargo de Presidente da Comissão Europeia.

Jogo de calendário

Na prática, o António Costa tem agora dois dias para tentar reverter a conjuntura, convencer o Bloco de Esquerda ou o PCP a tomar uma posição diferente. O OE para 2022 será votado no Parlamento quarta-feira, dia 27 de outubro.

Em todo o caso, se o primeiro-ministro consegui concretizar a proeza de convencer um ou dois partidos da esquerda, a crise política não se irá esfumar de um dia para o outro. O Governo irá apenas ganhar tempo. A votação do OE na especialidade está marcada para 14 de novembro. Aí, BE e PCP poderão chumbar o documento à mesma.

Se o Orçamento de Estado for rejeitado e Marcelo Rebelo de Sousa dissolver o Parlamento, as eleições legislativas deverão ocorrer já em 2022.

Segundo o 19.º artigo da lei eleitoral para a Assembleia da República, o Presidente da República "marca a data das eleições dos deputados à Assembleia da República com a antecedência mínima de 60 dias ou, em caso de dissolução, com a antecedência mínima de 55 dias”.

Os 55 dias começam a contar no dia em que é publicado o decreto presidencial que dissolve a Assembleia. Ou seja, seguindo estritamente o calendário, as eleições poderiam ter lugar a partir de 30 de dezembro. No domingo, Marcelo disse que iniciará “logo, logo, logo a seguir o processo” para eleições, em caso de chumbo.

E a direita?

Se António Costa anda por estes dias a olhar para o calendário, Rui Rio e Paulo Rangel devem andar a fazer o mesmo. O PSD tem eleições diretas marcadas para 4 de dezembro – cerca de um mês antes de uma provável ida às urnas, em caso de dissolução do Parlamento.

Tanto para Rio como Rangel, o cenário não é ideal. O atual líder do PSD, mesmo que vença, estará ainda abalado pela disputa interna; o capital ganho com as conquistas nas autárquicas foi posto em causa pelo desafio de Rangel. Já o desafiante terá pouco tempo para “unificar” o PSD, construir lastro nacional, expor ideias.

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