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Entrevista

“Rui Rio tem feito um bom trabalho”, mas Balsemão aponta sucessores “interessados no lugar”

15 set, 2021 - 06:35 • Eunice Lourenço , Ricardo Fortunato (vídeo)

Francisco Pinto Balsemão elogia o atual líder do PSD, mas enumera já os seus possíveis sucessores. Em entrevista à Renascença, faz a avaliação de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. E acusa os partidos de deixarem “pequenos interesses” sobreporem-se ao interesse nacional.

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“Rui Rio tem feito um bom trabalho”, mas Balsemão aponta sucessores “interessados no lugar”
Francisco Pinto Balsemão em entrevista à Renascença, dias depois de ter lançado o seu livro de memórias.

Aos 84 anos, com uma longa carreira política e empresarial, Francisco Pinto Balsemão continua a gostar de ser, antes de mais nada, jornalista. Lançou recentemente um livro de memórias que já vai na segunda edição e em que escreve sobre muitos dos protagonistas da vida política. E foi homenageado na residência oficial do primeiro-ministro, onde fez um discurso cheio de preocupações sobre a democracia e o jornalismo.

Nesta entrevista à Renascença, Balsemão fala das suas preocupações com a democracia, a comunicação social e o jornalismo e assume que não valeu a pena ter-se envolvido em alguns conflitos dentro do PSD.

Conselheiro de Estado, ex-primeiro-ministro, fundador e militante nº 1 do PSD, empresário de comunicação social, fundador do Expresso e da SIC... qual destes cartões de visita prefere?

Jornalista. O jornalismo, para mim, marca uma linha de orientação ao longo da vida e ainda hoje continuo, de certa maneira, a fazer jornalismo, mais que não seja a dar sugestões de notícias, de reportagens, de entrevistas e a criticar o trabalho que é feito na empresa em que continuo a trabalhar.

Há, aliás, um episódio que conta no seu livro de memórias em que Cavaco Silva o convida para representante de Portugal nas Nações Unidas e há um momento de decisão pelo jornalismo?

Foi difícil. Era uma tentação, uma mudança, era Nova Iorque, com tudo o que representa, era um lugar interessante, mas era também renunciar a toda uma linha de vida seguida até aí. E achei que não.

E não se arrepende?

Não, não me arrependo.

O seu livro de memórias parece um grande acerto de contas com o passado, com a história e com muitos dos protagonistas da política e da sociedade portuguesas dos últimos 50 anos, muitos dirigentes e governantes do seu partido. O que é que não valeu a pena?

É difícil de responder. Não valeu a pena talvez ter-me envolvido em mini-conflitos dentro do PSD, que não mereciam esse envolvimento. Não valeu a pena, também, ter apostado nalgumas iniciativas empresariais/jornalísticas em que tentamos singrar e não resultaram. Lembro-me, por exemplo, quando foi a primeira bolha da net, 2001-2002, quisemos dar um salto qualitativo e queríamos ter placards de notícias nas estações de comboio e do metro. Todo esse negócio seria financiado com publicidade e até era com a Sonae, ainda no tempo do engenheiro Belmiro Azevedo, que também estava entusiasmado. Perdi um tempo enorme com isso, que julguei que era fácil e não funcionou. Há coisas em que nos metemos que não funcionam e que, se pudéssemos voltar atrás, não nos teríamos metido.

Ficou alguma coisa por dizer neste livro?

Acho que não. Procurei ser honesto comigo próprio e com os leitores. Há várias coisas da minha vida pessoal que não relato, quis respeitar outras pessoas e, portanto, foi de propósito, não foi esquecimento.

No seu discurso na sessão de homenagem falou em suicidários falhanços de revisão das leis eleitorais. A que atribuiu esses falhanços?

Muitas vezes são pequenos interesses dentro de cada partido, medo de perder a hipótese de permanecer como deputado e são coisas pequenas e mesquinhas que não deveriam sobrepor-se ao interesse nacional.

Como é que se resolve essa mesquinhez da política?

Independentemente agora de esperarmos por eleições legislativas, se houvesse um acordo pelo menos entre o PSD e o PS nessas matérias poder-se-ia avançar sem qualquer dificuldade, a não ser dificuldades criadas dentro dos próprios partidos.

Mas tem sido sempre assim. Há anos, Marques Mendes e António Costa negociaram leis eleitorais, uma lei eleitoral autárquica esteve muito perto de aprovação e acaba sempre por ser dentro dos dois partidos que a reforma morre.

Dentro do PSD, eu próprio, a convite do dr. Rui Rio, presidi a uma comissão cujo objetivo era a revisão da lei eleitoral, constituída por um conjunto notável de juristas que o PSD tem. O PSD tem gente muito boa em todas as áreas. Esse grupo apresentou um projeto, chegamos a fazer uma conferência de imprensa para a apresentação e, depois, a coisa parou. Até agora não se conseguiu a maioria necessária para mudar algo que já devia estar mudado há bastante tempo.

Tem esperança que Rui Rio e António Costa consigam fazer essa reforma? Ou acha que o calendário político não os favorece?

Tenho esperança. É claro que o calendário político, incluindo as vidas internas dos partidos dificulta este tipo de entendimentos de fundo que são fundamentais para Portugal, mas é preciso acreditar e continuar a fazer alguma pressão, como à minha maneira tenho tentado fazer.

Continua a acreditar, como escreve no livro, que Rui Rio é a pessoa certa para recolocar o PSD no sítio onde gostava de o ver.

Acho que Rui Rio tem feito um bom trabalho, acho que o trabalho dele não é fácil, acho que há muita gente interessada naquele lugar, como já se viu.

E como se está a ver por estes dias?

Vamos ter um congresso em janeiro, veremos se aparecem outras candidaturas que agradem mais aos militantes que têm o direito de eleger o presidente do partido. Veremos que candidaturas aparecem. O PSD tem gente muito boa, há uma série de pessoas ...Paulo Rangel, Jorge Moreira da Silva, Miguel Poiares Maduro, Carlos Moedas que, claramente, se poderiam posicionar e aspirar.

E não haver regressos ao passado ou acha que Passos Coelho deve voltar?

Não me parece que ele esteja interessado, mas é alguém que deu muito ao país.

Considera que a revisão da Constituição é o seu grande feito como primeiro-ministro e líder do PSD? Para quem não viveu esse tempo e lê o seu livro, é quase como se tivesse de aguentar o que fosse preciso para a concluir.

É um dos. A Constituição que tínhamos estipulava a existência do Conselho da Revolução, com poderes de Tribunal Constitucional e com poderes legislativos exclusivos para tudo o que fosse militar. É evidente que isso não era uma Constituição democrática e é evidente que, com aquela Constituição, nunca teríamos conseguido aspirar a entrar na então Comunidade Europeia, hoje União Europeia.

Quando saímos, todos os dossiers para a entrada estavam negociados e preparados e só não entramos mais cedo porque a França não queria que a Espanha ficasse sozinha. Foi essa a razão por que entramos antes da Espanha, mas no mesmo dia.

Depois, chegou uma altura em que achei que precisava de legitimar o meu poder. Tinha sido designado em circunstâncias trágicas, depois da morte do meu grande amigo Francisco Sá Carneiro, e estava legitimado pelo meu partido, pela Aliança Democrática e pela tomada de posse pelo Presidente da República, mas precisava de ganhar qualquer coisa diretamente e as eleições autárquicas de 1982 transformaram-se num plebiscito nacional. E ganhamos, com 145 câmaras. Penso que não houve quaisquer dúvidas, a não ser do professor Freitas do Amaral, que veio dizer que era um desaire.

O seu vice-primeiro-ministro

Era vice-primeiro-ministro, mas já era também pré-candidato à Presidência da República. A partir daí, senti que podia ser dispensado. Tinha feito o meu percurso, o povo tinha mostrado o seu apoio de maneira suficientemente clara e procurei uma solução dentro da Aliança Democrática. Encontrei essa solução aprovada pela AD, bastava o Presidente da República ter dado posse ao Governo que sucederia, encabeçado pelo meu ministro da Educação, Vitor Crespo. O PR, com os poderes que lhe competem, entendeu que não, apesar de o Conselho de Estado ter votado favoravelmente a minha decisão.

Fui à procura no livro de referências ao atual primeiro-ministro e praticamente não fala dele.

É uma família que conheço há muitos anos. Conheço-o há muitos anos, nunca tivemos uma relação de intimidade como tenho com o irmão, Ricardo Costa, mas sempre tive uma relação muito cordial.

Qual é a sua apreciação política de António Costa?

Tem feito um bom trabalho dentro do governo minoritário que tem. É um bocadinho como o jongleur, que tem três matracas. Há sempre uma está no ar, ele só tem duas na mão.

No seu discurso nessa sessão, deixou no ar uma pergunta que agora gostava de lhe devolver: devemos ou não ser tolerantes com os intolerantes?

É uma pergunta difícil. A primeira reação é não, não podemos ser tolerantes com os intolerantes, mas a partir daí não podemos apregoar a nossa tolerância urbi et orbi. é, portanto, entre uma coisa e outra que as pessoas todas, incluindo eu próprio, oscilam, porque não se pode ser demasiado tolerante com quem é intolerante, mas talvez se possa ser um pouco tolerante com quem é intolerante, tentando que quem é intolerante seja um pouco tolerante.

Acha que alguma tolerância para com os intolerantes pode ser uma espécie de antidoto para o seu crescimento?

Não tenho a certeza e acho que muitas vezes também a intolerância resulta de atitudes e posições de teimosia e de obstinação que talvez possam demovidas com argumentação, com contra-argumentação e pelo exemplo.

Também manifestou preocupações com o crescimento dos nacionalismos, dos fundamentalismos. considera que essas preocupações também se aplicam a Portugal e coloca o Chega do lado dos intolerantes?

Em Portugal, apesar de tudo, não temos razões graves para nos preocuparmos com os intolerantes. O partido Chega está legalizado, tem o direito de discutir as suas ideias, as pessoas votarão nele ou não, a mim parecem-me ideias inaceitáveis, mas catalogá-lo como um partido intolerante por natureza é capaz de ser exagero.

No seu livro, diz que viu Rui Rio como capaz de recolocar o PSD no centro-centro/esquerda” que é onde considera que deve estar. Como é que vê a relação do PSD com o Chega, que chegou ao ponto de terem um acordo nos Açores?

A relação é quase inexistente. A questão dos Açores é uma questão meramente circunstancial que, aliás, agora está resolvida porque um deputado regional do Chega deixou de ser do Chega.

Quanto à parte substancial da sua pergunta, volto a dizer, como sempre tenho dito, que o PSD tem sempre de respeitar três valores: a igualdade, a solidariedade e a capacidade de atingir toda a gente. E a liberdade, claro. é o conjunto destes objetivos e valores que caracterizam a social-democracia. Por outro lado, Rui Rio tem tido a grande qualidade de chamar a atenção para aquilo que é prioritário, embora muita gente não o reconheça: a lei eleitoral, a revisão constitucional, o problema do poder judicial que exerce praticamente em autogestão e precisa de uma alteração do modo de organização e fiscalização.

Presidente da República? "Gostei mais da abrangência que revelou no primeiro mandato"
Presidente da República? "Gostei mais da abrangência que revelou no primeiro mandato"

Um dos visados com maior acutilância no seu livro é o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que foi à homenagem que lhe foi feita pelo governo, mas não ficou. Que leitura lhe mereceu essa presença ‘fugaz’?

Não escrevi o livro para visar alguém, escrevi o livro para pôr os pontos nos ii em determinadas situações e várias dessas situações incluem pessoas com protagonismo de então e algumas ainda agora na vida política portuguesa. A ida do Presidente da República à minha homenagem, segundo ele próprio explicou, deveu-se a querer estar presente, mas segundo o protocolo não é suposto o Presidente da República estar presente na residência do primeiro-ministro.

Foi, portanto, uma razão protocolar. Que apreciação faz dos mandatos presidenciais de Marcelo Rebelo de Sousa? É o seu Presidente?

Acho que o primeiro mandato foi bem cumprido, tentando ser abrangente. O segundo mandato está a ser um pouco diferente e gostei mais da abrangência e da capacidade de tentar contactar e agradar e acorrer a todos os portugueses que revelou no primeiro mandato. Vamos ver como continua o segundo mandato.

Disse que as eleições autárquicas de 1982 foram um plebiscito ao Governo. Estamos à beira de umas eleições autárquicas que parecem um plebiscito ao líder do PSD. Acha que Rui Rio corre esse risco?

Não me parece nada que estas eleições possam ser transformadas num plebiscito, como não me parece que possam ser transformadas num plebiscito ao líder do PS ou a qualquer dos outros líderes. É evidente que, se os resultados forem maus para um partido, o líder pagará, será afetado por esses resultados, mas isso é sempre assim.

No seu livro, diz que boa parte do tempo que passa ao telefone com Rui Rio é tempo perdido porque não vão estar de acordo sobre o papel dos media em democracia.

Tempo perdido é capaz de ser um bocadinho de exagero.

Pode explicar essa falta de acordo?

É uma discussão desgastante, Não vou explicar em pormenor, até porque ele não está aqui. Ele entende que os media nem sempre relatam a verdade, que são parciais, que escolhem notícias que podem afetar A, B, C e não escolhem notícias que podem enaltecer os mesmos A, B ou C.

Outra grande preocupação que transmitiu no discurso de homenagem foi com o jornalismo. Qual é neste momento a maior ameaça para o jornalismo e a liberdade de imprensa: as redes sociais ou a situação económica dos órgãos e das empresas de comunicação social?

Acho que há um "excesso de informação" que leva à desinformação. Qualquer pessoa emite informação, difunde informação e há instituições organizadas de desinformação que atuam profissionalmente. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas eleições entre Hillary Clinton e Donald Trump. E isso continua a existir em relação às eleições em mutos países e é muito preocupante porque são hackers organizados, a soldo de alguém, para favorecer candidaturas e denegrir outras. Influenciar os votantes com informação falsa não é jornalismo e o jornalismo tem de se opor a isso, mas tem de ser feito com empresas que cumpram estatutos editorais, que sejam penalizadas em caso de incumprimento. Tem de haver regras e acho que não há regras para todos os outros que intervêm neste mundo da informação e desinformação que existe agora.

O que falta são regras ou instituições que apliquem e fiscalizem?

Falta o cumprimento das regras deontológicas jornalística e falta haver instituições ou reguladores que fiscalizem esse cumprimento das regras. Isto é mais fácil de dizer do que de fazer quando cada um de nós pode fazer um site e chamar--lhe jornal ou chamar-lhe rádio e pôr la o que quiser.

Outro aspeto do jornalismo e da comunicação social é o poder económico. No livro conta os episódios de entrada de capital na Imprensa que foram problemáticas, como a de Joe Berardo e da Ongoing. No caso da Ongoing, acabou por ser a Entidade Reguladora para a Comunicação a ser eficaz. São precisas alterações nas regras da concorrência para que haja mais transparência nos donos da comunicação social?

Sim. Neste momento, em Portugal há uma quantidade de publicações, em papel e digitais, que até têm jornalistas com carteira e que não sei a quem pertencem. A quase totalidade dessas publicações, senão todas, perde dinheiro. Portanto, alguém vai alimentando uma empresa e as empresas, em princípio, não feitas para perder dinheiro, são feitas para terem o seu equilíbrio financeiro e, se possível, darem algum lucro às pessoas que nelas investiram. E está a acontecer o contrário. Se nalguns casos, como é o caso de um bom jornal como é o Público, sabe-se que perde dinheiro, mas que é a Sonae o proprietário, há vários outros casos, com redações constituídas por jornalistas profissionais, em que não sabemos quem são os proprietários e isso a mim preocupa-me muito. Por parte do regulador ou dos reguladores devia haver uma preocupação maior sobre esta questão.

Como é que pode interessar a uma empresa perder dinheiro com um órgão de comunicação social?

Influir, dizer mal de uns, dizer bens de outros, puxar para título, ignorar ... A omissão também é uma maneira de atuação.

Como é que se defende hoje o jornalismo?

Dizendo que é a única maneira de explicar não só o quê, onde e quem, mas também o como e o porquê do que vai acontecendo.

Que esperança vê no futuro? Vê o futuro com esperança, apesar de todas estas preocupações com a intolerância, com a democracia e com o jornalismo?

Sou um otimista. Todo este mundo digital é um mundo fantástico, que nos possibilita fazer muita coisa nova que não podíamos. Tem havido um progresso tecnológico que nos facilita muito a vida e, por isso, talvez ponha mais o acento tónico no porquê do que no quem, quando porque o porquê é talvez o mais importante.

O meu otimismo também vem de ver gerações novas com mais capacidade de crítica, com mais acesos à educação e espero que com mais exigência. É certo que essas novas gerações - e tenho netos de várias idades - parecem bastante desinteressados daquilo que nós, jornalistas, achamos que é importante que é o dia-a-dia, que é o que está a acontecer agora no Afeganistão, por exemplo, e têm o seu mundo próprio e circulam entre sites deles próprios.

É um bocadinho contraditório: num mundo em que temos possibilidade de ter toda a informação parece que há jovens que como que estão a afunilar informação

Por isso é que o meu otimismo está bastante temperado por ver como os jovens desaproveitam as oportunidades que têm de abrir horizontes e descobrir coisas novas. Mas também há jovens fantásticos que aproveitam as oportunidades, que nos trazem outras informações e sensações e músicas e arte. O meu mote é, como digo no livro, tentar que todos deixemos o mundo um pouco melhor do que o encontramos.

Também é capaz de olhar com otimismo para a Europa que tanto quis que Portugal integrasse?

A Europa não está concluída, falta muito. Sou partidário de uma união política mais forte, não apenas de economia e finanças, mas união política e também social e isso está longe de ser conseguido. Agora, com o Afeganistão e os refugiados estamos a ver diferenças de opinião muito graves que podem dividir a Europa, mas temos de lutar para a Europa não desmorone, o que seria um disparate. Somos cerca de 500 milhões, somos uma força económica e cultural fortíssima e é representando essa força e não vários países, uns maiores e outros mais pequenos, que conseguiremos que os nossos valores europeus sejam aceites fora de Portugal, fora da Europa, tendo em conta que em grande parte do mundo, por exemplo, não há liberdade de informação.

"Não me parece nada que estas eleições possam ser transformadas num plebiscito" a Costa ou a Rio
"Não me parece nada que estas eleições possam ser transformadas num plebiscito" a Costa ou a Rio

Outra grande preocupação que transmitiu no discurso de homenagem foi com o jornalismo. Qual é neste momento a maior ameaça para o jornalismo e a liberdade de imprensa: as redes sociais ou a situação económica dos órgãos e das empresas de comunicação social?

Acho que há um "excesso de informação" que leva à desinformação. Qualquer pessoa emite informação, difunde informação e há instituições organizadas de desinformação que atuam profissionalmente. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas eleições entre Hillary Clinton e Donald Trump. E isso continua a existir em relação às eleições em mutos países e é muito preocupante porque são hackers organizados, a soldo de alguém, para favorecer candidaturas e denegrir outras. Influenciar os votantes com informação falsa não é jornalismo e o jornalismo tem de se opor a isso, mas tem de ser feito com empresas que cumpram estatutos editorais, que sejam penalizadas em caso de incumprimento. Tem de haver regras e acho que não há regras para todos os outros que intervêm neste mundo da informação e desinformação que existe agora.

O que falta são regras ou instituições que apliquem e fiscalizem?

Falta o cumprimento das regras deontológicas jornalística e falta haver instituições ou reguladores que fiscalizem esse cumprimento das regras. Isto é mais fácil de dizer do que de fazer quando cada um de nós pode fazer um site e chamar--lhe jornal ou chamar-lhe rádio e pôr la o que quiser.

Outro aspeto do jornalismo e da comunicação social é o poder económico. No livro conta os episódios de entrada de capital na Imprensa que foram problemáticas, como a de Joe Berardo e da Ongoing. No caso da Ongoing, acabou por ser a Entidade Reguladora para a Comunicação a ser eficaz. São precisas alterações nas regras da concorrência para que haja mais transparência nos donos da comunicação social?

Sim. Neste momento, em Portugal há uma quantidade de publicações, em papel e digitais, que até têm jornalistas com carteira e que não sei a quem pertencem. A quase totalidade dessas publicações, senão todas, perde dinheiro. Portanto, alguém vai alimentando uma empresa e as empresas, em princípio, não feitas para perder dinheiro, são feitas para terem o seu equilíbrio financeiro e, se possível, darem algum lucro às pessoas que nelas investiram. E está a acontecer o contrário. Se nalguns casos, como é o caso de um bom jornal como é o Público, sabe-se que perde dinheiro, mas que é a Sonae o proprietário, há vários outros casos, com redações constituídas por jornalistas profissionais, em que não sabemos quem são os proprietários e isso a mim preocupa-me muito. Por parte do regulador ou dos reguladores devia haver uma preocupação maior sobre esta questão.

Como é que pode interessar a uma empresa perder dinheiro com um órgão de comunicação social?

Influir, dizer mal de uns, dizer bens de outros, puxar para título, ignorar ... A omissão também é uma maneira de atuação.

Como é que se defende hoje o jornalismo?

Dizendo que é a única maneira de explicar não só o quê, onde e quem, mas também o como e o porquê do que vai acontecendo.

Que esperança vê no futuro? Vê o futuro com esperança, apesar de todas estas preocupações com a intolerância, com a democracia e com o jornalismo?

Sou um otimista. Todo este mundo digital é um mundo fantástico, que nos possibilita fazer muita coisa nova que não podíamos. Tem havido um progresso tecnológico que nos facilita muito a vida e, por isso, talvez ponha mais o acento tónico no porquê do que no quem, quando porque o porquê é talvez o mais importante.

O meu otimismo também vem de ver gerações novas com mais capacidade de crítica, com mais acesos à educação e espero que com mais exigência. É certo que essas novas gerações - e tenho netos de várias idades - parecem bastante desinteressados daquilo que nós, jornalistas, achamos que é importante que é o dia-a-dia, que é o que está a acontecer agora no Afeganistão, por exemplo, e têm o seu mundo próprio e circulam entre sites deles próprios.

É um bocadinho contraditório: num mundo em que temos possibilidade de ter toda a informação parece que há jovens que como que estão a afunilar informação

Por isso é que o meu otimismo está bastante temperado por ver como os jovens desaproveitam as oportunidades que têm de abrir horizontes e descobrir coisas novas. Mas também há jovens fantásticos que aproveitam as oportunidades, que nos trazem outras informações e sensações e músicas e arte. O meu mote é, como digo no livro, tentar que todos deixemos o mundo um pouco melhor do que o encontramos.

Também é capaz de olhar com otimismo para a Europa que tanto quis que Portugal integrasse?

A Europa não está concluída, falta muito. Sou partidário de uma união política mais forte, não apenas de economia e finanças, mas união política e também social e isso está longe de ser conseguido. Agora, com o Afeganistão e os refugiados estamos a ver diferenças de opinião muito graves que podem dividir a Europa, mas temos de lutar para a Europa não desmorone, o que seria um disparate. Somos cerca de 500 milhões, somos uma força económica e cultural fortíssima e é representando essa força e não vários países, uns maiores e outros mais pequenos, que conseguiremos que os nossos valores europeus sejam aceites fora de Portugal, fora da Europa, tendo em conta que em grande parte do mundo, por exemplo, não há liberdade de informação.

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