15 jan, 2025 - 11:41 • André Rodrigues
“São duas freguesias que não têm nada a ver uma com a outra, é impressionante”. José Américo Santos, conhecido entre os amigos como Zé Boia, é natural de Leça da Palmeira e encontra neste argumento a razão principal para uma velha rivalidade com Matosinhos.
Nas vésperas do Parlamento aprovar a desagregação de 132 uniões de freguesias – Matosinhos-Leça incluída – este praticante de bilhar a três da Portuguesa de Leça considera que “é evidente que, entre uma e outra, Matosinhos é sempre mais beneficiada”.
O companheiro, José Biscaia concorda. Diz que “é como a relação de poder entre Porto e Lisboa, em que Lisboa tem todas as mordomias… nós sentimos o mesmo em relação à freguesia de Matosinhos”.
E dá um exemplo: “nós aqui não temos nenhuma piscina municipal. Perafita tem, Matosinhos tem, Senhora da Hora tem, Custóias tem”.
Biscaia, tem 67 anos. Nascido e criado em Leça da Palmeira, mas casado com uma matosinhense “que veio para Leça com cinco ou seis anos”.
“Muitas vezes, digo-lhe que já está convertida”, diz em tom de brincadeira este antigo dirigente do Leça FC, que também foi atleta durante a juventude.
A eterna rivalidade com o Leixões valeu-lhe um episódio familiar que nunca mais esqueceu. Já lá vão mais de 50 anos.
“O meu pai era doente por Leça e eu jogava nos juvenis. E o Frasco [António Frasco, antigo jogador do FC Porto] era meu vizinho e estava no Leixões”, começa por contar.
“O Leixões estava na Primeira Divisão e o Frasquinho desencaminhou-me para ir treinar lá e eu achei boa ideia”. Só que nem chegou a ir. “Quando cheguei a casa, vindo do treino do Leça, disse ao meu pai que ele tinha uns papéis para assinar, mas pedi-lhe para não assinar logo, porque queria ir ao Leixões treinar”.
O que aconteceu a seguir, “é pura doença: a expressão do meu pai mudou e ele só me disse: ‘não há nenhum problema, podes ir, mas por aquela porta não entras mais’, disse o meu pai a apontar para a porta da rua”.
No passado era assim. Hoje, a rivalidade subsiste, mas moderou-se. O próprio José Biscaia, um autointitulado “defensor acérrimo do leceirismo”, pensa de maneira diferente, porque “o coração não tem sempre razão”.
“Em vez de termos dois clubes sempre na corda bamba – Leça e Leixões – porque não juntar os dois e formar um clube forte? Não sei se poderia ser Leça-Leixões FC ou Matosinhos Leça FC. Eu sei que, quando me ouvirem dizer isto, muita gente vai falar mal de mim, vão dizer que eu mudei”.
É, aliás, no futebol que as tensões entre os dois lados da ponte móvel de Matosinhos-Leça se manifestam de forma mais evidente. Dérbis são coisa rara. O Leixões está na Liga 2, o Leça no Campeonato de Portugal.
Há sempre bons motivos para uma separação e a forma de viver a rivalidade não muda muito entre os mais velhos e as novas gerações.
“Faz parte da nossa identidade estarmos separados, são pessoas cidades diferentes, com pessoas diferentes e problemas diferentes”, admite Carolina Gomes, finalista na Escola Secundária da Boa Nova, que quer entrar no curso de Direito.
Há pouco tempo, Carolina fazia parte da Assembleia Municipal Jovem e, pensando nos jovens e nos idosos que mobilidade mais limitada, vê na separação das freguesias uma vantagem e um ganho de proximidade.
Porque “o mais importante é as pessoas terem perto de si quem lhes resolva os problemas”.
Doze anos depois da Lei Relvas, o Parlamento vai aprovar a desagregação de 132 uniões de freguesias.
Entrevistado pela Renascença, Paulo Carvalho, presidente da União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira considera positiva a reversão da lei de 2013.
Mas avisa que “continua tudo por fazer”. “É como aquela casa que temos algures e que vamos fazendo obras na esperança de que ela volte a ser uma casa nova… não vai acontecer”.
Aqui é a mesma coisa. Reverte-se a fusão de freguesias e não mais do que isso.
Paulo Carvalho diz que “este era o timing ideal para debatermos a sério aquilo que queremos que o poder local seja daqui a 20 ou daqui a 50 anos”.
“Mas perdemos esse timing”, lamenta.
Por isso, depois das próximas autárquicas, o país deverá perder 132 uniões de freguesia e repor as 295 que foram suprimidas pela Lei Relvas.
E no caso de Matosinhos e Leça da Palmeira fica tudo como estava em 2013. Cada uma com a sua junta de freguesia.