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De guerra "sempre se falou", de jornalismo não. "Precisamos de outros repórteres em Gaza"

14 nov, 2024 - 08:00 • Alexandre Abrantes Neves

Diretora da Al-Jazeera pede aos órgãos de comunicação social mais responsabilidade a "defender" os jornalistas de guerra, que já começam conversas a dizer "adeus". Seja no Brasil ou na Alemanha, as ameaças e mortes de jornalistas por conflitos armados não param de subir — e até os algoritmos contribuem para isso.

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Andou praticamente dez anos a contar ao Médio Oriente tudo o que se passava “na outra parte do mundo”. Desde a Venezuela de Chavez ao Brasil de Lula, a América Latina e a atribulada passagem para a democracia de muitos desses países foi a “obsessão” de Dima Khatib. Relatou-a quase a minuto, em tweets de 140 caracteres.

A passagem pelo hemisfério sul já lá vai, a chefia na Al-Jazeera saltou o Atlântico, correu a Europa e voltou à base: ao Médio Oriente. Agora, o objetivo rodou 180 graus e Dima, a atual diretora da AJ+ (chancela da Al-Jazeera e responsável por conteúdos nas redes sociais) quer “contar a todo o mundo o que se passa no Médio Oriente”. Nem que, para isso, tenha de apontar o dedo quando se vê ao espelho.

Os media precisam de relatar as mortes de jornalistas. E não sermos cúmplices, não o dizer como se fossem sempre suspeitos ou terroristas”, diz à Renascença. É um “mea culpa” que faz em nome de toda a profissão. Defende que os órgãos de comunicação podiam “pressionar e denunciar mais” para defender os jornalistas que estão em Gaza, mas também para que outros repórteres conseguissem ir de outros locais do mundo relatar o confltio "com outros olhos".

“Há jornalistas que só não saem de Gaza porque não conseguem. Então, continuam a trabalhar. Tenho uma amiga que, sempre que consegue falar comigo, me cumprimenta com ‘adeus’ e se despede a dizer que chegou a hora dela. (…) E há outros jornalistas que tentam denunciar isto, mas que não são defendidos pelos próprios órgãos — e acabam a demitir-se”, relatou, durante uma conferência na Web Summit.

Palestiniana do lado do pai e síria do lado da mãe, Dima é muito crítica da postura de Israel face aos jornalistas, mas já não acredita que a mudança de paradigma vá começar por Telaviv.

Então como é que se põem câmaras e microfones na Faixa de Gaza? Vamos rebobinar, voltar a sobrevoar o oceano e aterrar na moradia que já tem camiões de empresas de mudanças à porta.

“São os Estados Unidos da América”, esclarece-nos. “Acredito que bastava uma chamada telefónica para se fazer diferente. Porquê? Temos visto que o resto do mundo é incapaz de o fazer. As Nações Unidas, o Tribunal Internacional de Justiça, o direito internacional e humanitário... A guerra é mais forte do que tudo isso”.

E o novo residente da Casa Branca é capaz de entrar num braço de ferro pelos jornalistas? “Trump é muito imprevisível, mas ele também não é conhecido por apoiar a liberdade de imprensa”, afirma. E termina com um riso nervoso, mas convicto, tal como o remate que deu à conferência-conversa onde participou: “Vamos continuar a fazer jornalismo!”. E a plateia irrompeu em palmas.

A Google está a dificultar a segurança física dos jornalistas?

Um ucraniano, um brasileiro e uma alemã entram numa redação: “Para além da preocupação com o conteúdo, nos últimos tempos, voltámos a ter de nos preocupar com a segurança”, face às ameaças e mortes a subir a pique.

Luc Chénier, CEO do jornal ucraniano Kyiv Post, mete soldados e jornalistas no mesmo saco e não é pela missão que fazem — é mesmo “porque os repórteres estão a ser raptados, tal como militares dos inimigos”.

Assumidamente “desapontado”, acaba a resumir a decisão de mandar um jornalista para um cenário de guerra como um momento em que bravura se mistura com impotência.

“Digo só para eles levarem o melhor equipamento de proteção possível. Mas eles sabem que é incrivelmente perigoso e até me dizem ‘não és responsável pela minha decisão e vou na mesma’. (…) Aliás, até a nossa sede em Kyiv pode ser bombardeada a qualquer momento e os ataques desde a vitória de Trump têm aumentado. É difícil garantir segurança”, confessa, enquanto Manuela Kasper-Claridge vai anuindo com a cabeça.

Este também é o dia a dia da chefe de redação das rádios alemãs Deutsche Welle. A geografia – e a “sorte” de estar na Europa – não tira de cima o peso de fazer “decisões diárias” sobre a segurança da equipa que gere e que tem correspondentes espalhados por todo o mundo.

Aqui, cada letra escrita e cada passo dado numa zona de guerra é alvo de uma avaliação por uma equipa de segurança “com militares e especialistas”, que só tem crescido no último ano. E, assim, evitam-se todas as situações de perigo? “Quantas vezes já tivemos de retirar colegas”, admite.

Retirar jornalistas não está nos planos de Andrew Fishamn, mas deve ser das poucas coisas que distingue o Brasil e o “sentimento lá” de que se vive numa zona de guerra. O presidente do jornal digital Intercept Brasil aponta que o país é dos “sítios com maior violência física para jornalistas”, desde ameaças de morte a intimidações de ataques a redações.

À primeira vista, este cenário não parece relacionado com o “boom” e dependência dos algoritmos – mas não só essa perceção é errada, como pode ser sintoma de um problema maior.

“O algoritmo da Google mudou no início do ano e o nosso tráfego diminuiu. E nós dependemos disso para pagar aos jornalistas e para pagar as condições de segurança. Estamos encurralados com a situação financeira. O que está a acontecer ao jornalismo é aplicável à sociedade civil. Pode estar só a acontecer um pouco antes”, defendeu.

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