11 nov, 2024 - 08:00 • Alexandre Abrantes Neves
Manter a máquina a funcionar como se nada se tivesse passado. A Web Summit arranca esta segunda-feira em Lisboa a nona edição em Portugal e na bagagem vem alguém que, no ano passado, ficou sem visto de entrada à última da hora.
Paddy Cosgrave, o fundador empurrado para a demissão poucas semanas antes da edição de 2023, assume de novo a liderança da Web Summit e o cargo de CEO: é um regresso apenas às luzes da ribalta, já que nunca deixou de ser o principal e maioritário acionista da empresa que gere um dos maiores eventos de tecnologia e inovação do mundo.
As polémicas declarações sobre crimes de guerra por Israel já lá vão, parte das empresas do boicote vão regressar como parceiras (caso da IBM, Meta e Amazon, as últimas duas com oradores no cardápio também) e a liderança de menos de seis meses da substituta Katherine Maher foi demasiado fugaz para deixar marca.
Mas o regresso de Cosgrave vai estar inevitavelmente debaixo dos holofotes – nem que seja porque afirmou na rede social X que “2024 vai ser o maior ano da nossa história”, depois de, em 2023, a Web Summit ter “quase colapsado”.
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As razões concretas para este otimismo ainda estão por esclarecer: Paddy não deu nenhuma entrevista de antecipação, como era habitual, e na publicação naquela rede social só falou numa previsão de subida de receitas na ordem dos 30%.
Dificilmente. O programa parece estar desenhado para não fazer abanar mais a estrutura. Paddy vai abrir a porta de uma casa que quer ter tudo no lugar e que vai servir o menu esperado sobre tecnologia, financiamento e comércio, este ano mais focado na Inteligência Artificial.
Nas centenas de conferências de imprensa, palestras e painéis para os quatro dias de evento, nenhum título fala de “guerra” ou “conflito” e também não há nenhuma referência direta à tensão no Médio Oriente.
Ainda assim, o tema pode vir ao de cima com os espaços onde participam nomes ligados ao Catar (como a Invest Qatar ou o coordenador do gabiente de imprensa do governo do país), a presença de um médico da associação humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) e que trabalhou em Gaza e ainda devido à moderação de vários painéis por membros da cadeia de televisão Al Jazeera, detida pelo Catar e cuja redação em Israel foi encerrada pelo governo de Benjamin Netanyahu em maio deste ano.
De resto, o tema da guerra parece estar dedicado ao conflito entre a Ucrânia e a Rússia, com a presença de membros do governo ucraniano e da autarquia de Kiev – e, principalmente, de um nome que promete roubar muita da atenção mediática. Yulia Navalnaya, a viúva de Alexei Navalny, opositor de Vladimir Putin na Rússia morto em fevereiro, vai dar uma palestra na terça-feira sobre a pressão exercida pelos ditadores sobre as redes sociais.
A capitalizar grande parte da atenção estarão também as eleições nos Estados Unidos da América, tal como também já aconteceu em 2016 e 2020.
A “nova era” de Donald Trump vai ser o mote para uma conversa no "central stage" no MEO Arena e onde vai participar a ex CEO do evento, Katherine Maher. Planeados estão também painéis dedicados à desinformação e à defesa da democracia em tempo de eleições – um deles deve debruçar-se sobre a rede social X (antigo Twitter) e a influência do dono e multimilionário norte-americano, Elon Musk.
No plano internacional, nota ainda para duas conferências de imprensa: uma com o líder da oposição da Venezuela, Leopoldo López, e outra com o vice-chanceler da Alemanha, Robert Habeck, e que deve ter em destaque a crise política no país.
Esta não é a primeira vez que a Web Summit tem de conviver com uma mudança de cor política. Nas últimas oito edições, o governo esteve sempre na mão do Partido Socialista e, pela primeira vez, Paddy Cosgrave vai ter um primeiro-ministro social-democrata ao seu lado – uma mudança semelhante à que aconteceu em 2021, quando a autarquia lisboeta passou de Fernando Medina para Carlos Moedas.
Já a mais de metade de contrato de dez anos com Lisboa, não se sabe ainda se algo mudará com um executivo pintado a cor de laranja, mas a nível de protocolo tudo parece ficar igual (depois da exceção do ano passado, devido à queda do governo) e Luís Montenegro vai marcar presença na sessão de abertura desta segunda-feira.
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Apesar de Web Summit ser sinónimo de cancelamentos de última hora, está também já anunciado um desfile de governantes. Vão marcar presença os dois ministros de Estado, Paulo Rangel, dos Negócios Estrangeiros, e Joaquim Miranda Sarmento, das Finanças, também Margarida Balseiro Lopes, ministra da Juventude e Modernização, Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação, e Pedro Reis, ministro da Economia.
Um quinteto de ministros que parece estar alinhado com o pedido de Marcelo Rebelo de Sousa na última sexta-feira. Pelo segundo ano consecutivo, uma viagem oficial (desta vez, ao Equador) impede o Presidente da República de marcar presença na sessão de encerramento da cimeira – mas, num encontro com Paddy Cosgrave e as startups portuguesas participantes, o Presidente da República deixou o recado e disse esperar que Montenegro e Moedas “ajudem muito” a Web Summit nos próximos anos.
Depois do “boom” do ChatGPT, a Web Summit vira-se este ano para a inteligência artificial, com o objetivo de esclarecer as dúvidas e medos de um dos temas tecnológicos que mais tem marcado a agenda nos últimos anos.
Do rol para os próximos quatro dias, fazem parte palestras e painéis que relacionam a IA com os problemas da atualidade, desde as implicações éticas e legais até às oportunidades que estas novas ferramentas trazem à luta contra a violência de género. Também de futuro se deve falar – e podem surgir novidades pela voz do vice-presidente da Microsoft, Brad Smith, que sobe novamente ao "central stage" para uma intervenção sobre “O Próximo GPT”.
No livro de caras da Web Summit, há algumas já bem conhecidas da casa, como a presidente da plataforma Signal, Meredith Whittaker, Chelsea Manning, autora de denúncias que levaram ao escândalo do Wikileaks, a empresária Daniela Braga, da empresa Define.ai, e até Cristina Ferreira.
Do lado dos estreantes, há quem também prometa captar a atenção, nomeadamente no mundo das artes e do entretenimento, desde o cantor norte-americano, Pharrel Williams, na sessão de abertura até ao criador da série “Peaky Blinders”, Steven Knight, e aos atores portugueses, Sofia Ribeiro e Ângelo Rodrigues. Já no desporto, destaque para o CEO do Manchester United, Omar Berrada (responsável pela transferência de Ruben Amorim), para o antigo futebolista Patrick Kluivert e para o ex-jogador de NBA, Carmelo Anthony.
Ao todo, a organização prevê bater um novo recorde no número de startups – devem agora chegar às três mil, vindas de mais de 160 países – e mantém as estimativas de 70 mil pessoas (das quais, mil serão investidores) a visitar a Feira Internacional de Lisboa (FIL) e o MEO Arena no Parque das Nações, em Lisboa, entre esta segunda e quinta-feira.
São números ainda abaixo do objetivo de 100 mil visitantes definido por Marcelo Rebelo de Sousa em 2022. Este ano, a organização ainda não esclareceu se esta meta pode entrar num futuro caderno de encargos e, em termos de mudanças no modelo da cimeir, Paddy Cosgrave disse apenas (em abril, quando regressou ao cargo de CEO) querer tornar a Web Summit “mais intimista”.
Com 70 ou 100 mil visitantes, o certo é que os constrangimentos de trânsito marcam presença uma vez mais e as autoridades aconselham fortemente o uso de transportes públicos naquela zona da cidade.
A PSP avisa para o encerramento da circulação na Alameda dos Oceanos, na Avenida do Índico (entre a Alameda dos Oceanos e a Avenida Dom João I), na Rua do Bojador (entre a Rotunda do Bojador e a Alameda dos Oceanos) e a Avenida da Boa Esperança (entre a rotunda dos Vice-Reis e Hotel Myriad). Na maior parte dos casos, os condicionamentos duram apenas até ao sábado, mas algumas vias podem continuar com problemas até ao próximo dia 20.