20 set, 2024 - 21:53 • Liliana Carona
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“Oh Jorge! Está aqui uma senhora para falar contigo”, grita Maria de Lurdes Ferreira, 86 anos, chamando o neto, e apontando para a janela, como testemunha do que viveu no passado dia 16 de setembro.
“Não percebi que me estava a queimar”, começa por descrever Jorge Ferreira. A aflição de tentar salvar as coisas foi até ao limite, até o corpo aguentar, mas chegou a um ponto que já não aguentou.
“Até pensei que já tinha perdido tudo, visto a intensidade das chamas, mas pronto, não perdi tudo e isso é que importa”, remata o produtor agrícola e pecuário, de 31 anos.
Quando se olhou ao espelho o que viu? “Nesse dia nem parecia tão mal, doía, mas nem parecia tão mal, depois no dia a seguir de manhã é que, pronto, estava com um aspeto feio”, engole em seco, sem se deixar desanimar.
“Por um lado, penso que valeu a pena, pois salvei o principal e estou aqui para contar a história e os meus colegas também e acho que isso é que importa”, defende.
Jorge Ferreira só deu pelo impacto do calor das chamas no rosto no dia seguinte. As sobrancelhas, o cabelo e as pestanas queimadas e o rosto com cicatrizes, que Jorge diz terem valido a pena, para salvar os animais.
Faz serviços florestais e agrícolas, além da criação animal e os terrenos em redor estavam todos limpos. “Aconteceu que estávamos a tentar defender as nossas quintas, os nossos animais e máquinas, etc. E pronto, estava minimamente controlado o incêndio, nem parecia vir para cá, só que do nada, ganhou proporções brutais, o vento puxava e tivemos de fugir. Perdemos alguns tratores, o pessoal queimou-se, os animais salvaram-se”, recorda.
Para Jorge Ferreira, este incêndio é semelhante ao de 2017. “Por maior prevenção que houvesse, não dava, não dava mesmo para controlar, os meus colegas perderam tratores completos, o que é mais chato, eu perdi uma ou duas alfaias que tinha lá no terreno, vários rolos de palha, ferramentas, coisas normais numa quinta, fiquei sem nada à volta, mangueiras, motores, ficou tudo para trás”, lamenta o produtor de Folhadal.
Sem pastos para os animais, Jorge Ferreira apela ao Governo que incentive as pessoas a fixarem-se nestes territórios.
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“O que eu sugeria era que houvesse algum apoio, um apoio melhor para os produtores, tanto agrícolas como pecuários, visto que nestas aldeias está muito terreno abandonado e se houvesse mais terrenos cultivados, acho que estas situações seriam de evitar ou minimizar a intensidade do fogo, pelo menos”, defende Jorge Ferreira.
O produtor não esconde o alívio de ter conseguido salvar os seus animais: “Estava eu com mais dois amigos e conseguimos salvar os animais todos. À volta de 30 ovelhas e cabras e tenho porcos, ninhadas à volta de 30, e pronto salvou-se tudo, como se fosse um milagre. Queimei-me, mas pronto, acho que valeu a pena”.
À noite tem dificuldades em adormecer, as queimaduras graves e o trauma do que viveu na segunda-feira, tiram-lhe o sono.
“Tive ferimentos de primeiro grau na cara e segundo grau nos braços, pescoço e orelhas. Os meus colegas, houve um que ficou ligeiramente pior, teve ferimentos nas costas, na barriga, no nariz, se calhar vai ter de fazer uma plástica. Aquelas dores insuportáveis, no hospital tivemos de ser sedados”, conta à Renascença, Jorge Ferreira, que já tinha sido bombeiro no passado, e usou naquela tarde umas calças anti-fogo que evitaram queimar as pernas.
“É mais chato é à noite, porque como queimei os dois braços, é mais chato virar para um lado e virar para o outro. Depois as orelhas na almofada também custa”, salienta.
Com ele, naquela tarde, estavam mais dois habitantes de Folhadal, que também tiveram queimaduras graves. Nuno Rodrigues, 46 anos, já tinha tido alta mas, passado dois dias, teve de voltar para o hospital, em Viseu.
O relato é feito pela filha, Daniela Rodrigues, 21 anos: “As queimaduras pioraram, uma delas ficou infetada e teve de ir fazer tratamento, ainda ponderam mandar para Coimbra”.
Daniela procura descrever por palavras o que ainda a agonia. “Foi tudo muito rápido, foi em questão mesmo de segundos. O fogo veio com uma força brutal para cima. Ainda tentei chamar pelo meu pai, só que ele desapareceu no meio do fumo. Eu não o vi, só o fui buscar ao hospital, antes não tive qualquer contacto com ele e foi muito mau. Ele nem sequer deu conta que estava queimado, porque foi pelo calor das chamas”, relembra a filha de um dos feridos.
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“É complicado ver os nossos desta forma, porque não é só falar, se são feridos graves ou muito graves. É tudo muito recente para dizer se já está a recuperar ou não, mas quem está a ver a vida, as suas colheitas, os seus terrenos a serem engolidos pelo fogo, mesmo estando limpos que era o nosso caso, por pessoas que não têm um bocado de noção e fazem isto por diversão, deitar os fogos”, aponta Daniela Rodrigues, tentando justificar a causa dos incêndios.
O fogo em Nelas está dominado há vários dias, mas as marcas que deixou estão ainda longe de desaparecer. Num miradouro de Folhadal, avista-se o cenário negro e só o tempo pode trazer o verde de volta. “Ainda me lembro um bocado daquela hora mas, pronto, acredito que há de passar com o tempo e vamos esquecer isto tudo e recomeçar”, conclui Jorge Ferreira.