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Reportagem

Faltam mais de 600 técnicos nas escolas. “Somos uma linha de rodapé”, diz psicóloga de Viseu

13 set, 2024 - 06:07 • Liliana Carona

Apesar de o Governo ter assumido este verão que vai regularizar a situação de cerca de quatro mil técnicos especializados nas escolas, este foi mais um ano em que os profissionais apenas souberam se iam renovar contrato (ou não ) a 30 de agosto. A instabilidade e a incerteza da contratualização arrastam-se há 13 anos para uma psicóloga de Viseu, numa altura em que há mais de 600 técnicos especializados em falta nas escolas portuguesas.

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peça - técnicos especializados
Fátima Fernandes, 42 anos, é psicóloga Foto: Liliana Carona/RR

As contas que a psicóloga Fátima Fernandes, 42 anos, faz pelos dedos da mão, remetem para um resultado total de 13 anos. Só no Agrupamento de Escolas de Mangualde, são 8 anos à espera de se tornar efetiva, a que se juntam mais 5 noutro estabelecimento escolar, por onde passou anteriormente.

“Em 2012 estava em São Pedro do Sul, mudámos de Governo, ele decidiu terminar os projetos e, portanto, o meu contrato nem sequer chegou ao fim. Foi extinta a proposta de trabalho”, recorda, explicando a importância da regularização do vínculo precário. Se estivesse “efetiva na escola, o projeto terminava, mas seria colocada noutro projeto”, defende a psicóloga, a desempenhar funções atualmente no Agrupamento de Escolas de Mangualde, na área da formação de adultos.

Mãe de três filhos - com 4, 9 e 14 anos -, Fátima admite estar cansada do clima de incerteza. “É muito tempo de instabilidade, acima de tudo porque são contratos ano a ano, que começam a 1 de setembro e terminam a 31 de agosto, com a possibilidade de renovação automática."

"Não temos possibilidade de fazer carreira, não temos possibilidade de progredir, não temos possibilidade de pedir mobilidade. Há colegas que estão longe de casa e efetivando teriam essa possibilidade... É uma série de direitos que nos são tirados”, denuncia a psicóloga, acrescentando ainda que “com as renovações automáticas, vê-se impossibilitada de concorrer, porque tem de denunciar o contrato e ninguém, no seu bom senso, vai fazer isso”, continua.

O secretário de Estado da Administração e da Inovação Educativa, Pedro Dantas, comprometeu-se, no início de julho, a regularizar a situação destes psicólogos, terapeutas da fala, assistentes sociais e informáticos que têm contratos precários e asseguram necessidades permanentes nas escolas.

Apesar do compromisso do Governo, que pretendia evitar perturbações no regresso às aulas, este foi mais um ano em que os profissionais apenas souberam se iam renovar contrato (ou não) a 30 de agosto.

Receio de desemprego é constante

Efetivar é a principal luta dos técnicos especializados que, como Fátima Fernandes, natural de Viseu, recusam que o seu trabalho seja encarado como necessidade temporária. “São trabalhadores que têm contratos precários e asseguram necessidades permanentes, são os psicólogos, terapeutas da fala, assistentes sociais. Portanto, nós somos ainda considerados necessidades temporárias e talvez por isso não haja lugar à efetivação”, explica a psicóloga.

“Estamos a falar de técnicos que têm 8-10 anos de contratos numa escola e que não podem ser considerados temporários, são necessidades permanentes. Um psicólogo, um terapeuta da fala, um assistente social são necessidades permanentes e muito necessárias”, argumenta ainda Fátima Fernandes, interpretando que “a lei diz que à terceira renovação automática, tem lugar a efetivação”. Mas, mais grave, é que só “souberam no dia 30 de agosto, à tarde, que efetivamente iriam ter recondução”.

Por isso, questiona: "Como é que nós podemos pensar a nível familiar, a nível de termos contas para pagar?"

Ligada à formação de adultos, Fátima Fernandes teme que o projeto a desenvolver em Mangualde termine, como aconteceu em São Pedro do Sul, em 2013. “Vamos imaginar que de hoje para amanhã, o Governo decide terminar o meu projeto. Eu vou para casa." Essa situação não seria inédita. "Já aconteceu na altura do Centro Novas Oportunidades. Estou, neste momento, a trabalhar num projeto específico ligado à educação de adultos. Tem de haver sempre formação de adultos, felizmente há cada vez menos pessoas não qualificadas, porque a sociedade também vai exigindo dos trabalhadores”, reflete, salvaguardando o papel da escola onde trabalha.

“Não tenho nada a dizer, a direção da escola é cinco estrelas, sempre foi, isto é uma questão é do Ministério da Educação”, sublinha Fátima Fernandes.

664 técnicos especializados em falta

Dados oficiais, divulgados por Arlindo Ferreira, especialista em estatística de educação e diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, na Póvoa de Varzim, revelam que estavam em falta 664 técnicos especializados nas escolas públicas na semana de 9 de setembro. Números que não surpreendem a psicóloga Fátima Fernandes, que, no distrito de Viseu, observa que há 30 técnicos especializados em falta.

“Se contarmos o rácio, a nível de psicólogos nos agrupamentos, é muito inferior às necessidades, não são suficientes para chegar a todas as crianças. Há escolas, sem educadores sociais, sem assistentes sociais, sem terapeutas da fala e cada vez há mais necessidades. Com a imigração, o número de crianças tem vindo a aumentar”, alerta, dando o exemplo de que “um psicólogo, apenas para um agrupamento, não consegue chegar a todo o lado”.

A psicóloga solidariza-se com a luta da classe docente, mas lamenta que, ao longo dos anos, a reivindicação dos técnicos especializados, não tenha igual atenção.

“Eu compreendo a luta dos colegas professores, mas o que aqui me cria um bocadinho de revolta é que há pessoas em situações bem piores e que não são faladas. Eu lembro-me quando estava a ser discutida uma reunião qualquer do Governo, agora recentemente antes do início letivo... Eu estava no carro a vir para cá e estava a ouvir a notícia e em rodapé, em linha de rodapé, também foram discutidas melhores condições para o pessoal não docente. O que eu sinto é que temos sido, ao longo destes anos, uma linha de rodapé”, conclui.

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