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Educação

Faltam professores em quase todas as disciplinas. Educação Especial é um dos problemas mais graves no país

12 set, 2024 - 06:00 • Ana Kotowicz , Salomé Esteves (gráficos)

Lisboa, Setúbal e Educação Especial são os casos mais graves. Escolas ainda precisam de mais de 1.500 professores em todo o país e metade deles (51%) é para Lisboa e Setúbal. Para Educação Especial, os diretores ainda tentam encontrar 123 docentes.

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A boa notícia (e é a única) é que os alunos que queiram aprender a dizer “e pluribus unum” ou “auf wiedersehen” vão ter professores de Latim e de Alemão prontos a ensiná-los. A má notícia é que estas são as únicas disciplinas a que não haverá falta de professores no dia em que arranca o novo ano letivo. De resto, é a rotina que se tornou habitual desde 2019 e que piora a cada ano: faltam professores em quase todas as disciplinas e não há distrito que escape a esta onda. Lisboa, Setúbal e Faro concentram 60% do problema, enquanto Informática continua a ser a disciplina mais fustigada. Este ano, a falta de professores a Educação Especial ganha dimensão e, no total, haverá em todo o país mais de 90 mil alunos a quem faltará, pelo menos, um professor a uma disciplina.

Postos de lado os professores de Informática — aqueles que tradicionalmente faltam sempre e que, este ano, chegam aos 126 horários por preencher — as falhas nos grupos de Educação Especial (1,2 e 3) são as maiores alguma vez vistas. Os professores que apoiam os alunos com necessidades especiais dividem-se em três grupos: o primeiro, onde faltam 109 professores, são os que ajudam a generalidade dos alunos que estão ao abrigo do decreto lei 54 (Educação Especial). Os do segundo grupo dão essencialmente apoio a estudantes com surdez (faltam 6 docentes) e os do terceiro, a alunos com cegueira ou baixa visão (faltam 8).

“Educação Especial vai ser um problema. Dois diretores em Sintra queixavam-se que é um problema porque os candidatos que aparecem são de tudo um pouco. Um deles dizia-nos: ‘Apareceu-me um psicólogo, um professor de educação física que tinha uma especialização na Faculdade de Motricidade Humana com jovens de deficiência…’”, diz José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof e que partilhou com a Renascença os números contabilizados pela federação de sindicatos de professores.

“Portanto, os candidatos são estes. Isto é um drama porque as escolas não encontram professores para estas crianças com necessidades educativas especiais. Porque não há”, acrescenta o também presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL).

Depois de Informática e Educação Especial, os grupos de recrutamento onde o problema é maior são os do 1.º Ciclo (faltam 95 professores), Português (92) e Matemática (83). Cada grupo de recrutamento junta os professores que têm habilitações para dar determinada disciplina.

No entanto, o pior caso de todos é sentido ainda antes do ensino obrigatório. Para a Educação Pré-Escolar (grupo de recrutamento onde habitualmente há falhas) os números apontam para 146 horários por preencher. Além dos números da Fenprof, a Renascença consultou os números divulgados por Arlindo Ferreira, especialista em estatística de educação e diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, Póvoa de Varzim, no seu blogue.

Os números apresentados são oficiais e de ofertas de emprego das escolas, ou seja, concursos abertos pelos agrupamentos, depois de terem tentado colocar professores (sem sucesso) através da reserva de recrutamento que, a partir de 1 de setembro, é lançada todas as semanas. A próxima, a terceira, será lançada a 16 de setembro.

Nas reservas de recrutamento estão todos os professores profissionalizados do país, ordenados de acordo com a antiguidade e avaliação de desempenho. Quando deixa de haver professores nas reservas, os diretores podem avançar para a chamada contratação de escola. Neste caso, os candidatos são professores com habilitação própria, que têm a componente científica, mas não a pedagógica, para ensinar determinada disciplina — e que são vistos pelos diretores e pelos sindicatos como docentes menos qualificados.

Depois da última mudança na lei, basta ir uma vez à reserva de recrutamento. Se não se encontrar o professor pretendido, pode seguir-se para a contratação de escola.

Em Lisboa faltam 549 professores, em Setúbal são 258

Os números são dinâmicos. Ao longo do ano, a cada dia que passa, um diretor pode abrir um concurso para contratar professores e as razões são várias: um docente colocado através da reserva de recrutamento que, por exemplo, não aceitou a vaga ou um professor do quadro que meteu baixa por doença (ou licença de maternidade). E há ainda as situações de morte.

É por isso que o número de alunos afetados está em constante mutação, assim como o número dos professores em falta. Os valores apresentados neste artigo dizem respeito apenas à semana que começou a 9 de setembro, a mesma em que começa o ano letivo, com data de abertura oficial para o período entre 12 e 16 deste mês. Com a próxima reserva de recrutamento é expectável que o número de faltas baixe.

No entanto, nesta polaroid, a fotografia não é bonita. Em Lisboa, o distrito que, desde sempre, é o mais afetado pela falta de professores, ainda é preciso encontrar 549 professores. Em Setúbal, o número baixa para 258 e, no terceiro distrito mais afetado, Faro, há 138 horários por preencher (cada horário corresponde a um professor em falta, embora possam ser para necessidades anuais ou temporárias).

“Alguns diretores, da zona de Sintra, contactaram os professores na oferta de escola e a malta lá de cima respondeu-lhes: ‘Nem pensar, eu não vou para Lisboa porque as casas são caríssimas.’ E o mesmo é válido para Amadora, Lisboa, etc. Portanto, os professores não se deslocam”, argumenta José Feliciano Costa. “Para os mil e tal horários anuais e completos já não há candidatos profissionalizados naqueles grupos de recrutamento, portanto as escolas vão recorrer a quem tem habilitação própria”, lamenta o sindicalista.

Mesmo que em Lisboa a dimensão do problema não tenha comparação com outros distritos, por todo o país faltam docentes nas escolas públicas. A Guarda, onde os diretores ainda procuram contratar 9 professores, é a única região onde as falhas não chegam aos dois dígitos. Logo a seguir, o distrito menos afetado é o de Vila Real (faltam 10 professores), e, pela negativa, no norte do país destaca-se o Porto, a quarta região do país onde mais se sente o problema: há 97 horários por preencher, um número muito distante do de Lisboa.

Se a tendência se mantiver igual à dos últimos anos, o valor mais alto da falta de professores terá sido o da semana passada, quando as contas apontavam para 200 mil alunos sem, pelo menos, um professor (caso as aulas já estivessem a decorrer). Agora serão pouco mais de 90 mil.

Mais de 30 mil alunos começam o ano sem professores em Lisboa

Em Lisboa e Setúbal é onde haverá mais alunos afetados pela falta de professores. Em Lisboa, as previsões apontam para mais de 30 mil alunos (32.940), em Setúbal mais de 15 mil (15.480). Destaca-se ainda o Algarve, com 8.280 estudantes afetados. A nível nacional, as contas apontam para um total de 93.540 alunos a quem faltará pelo menos um professor.

Saber quantos alunos são afetados pela falta de professores é um exercício especulativo e a conta que pode ser feita é uma média, pensando que cada professor dará aulas a três turmas e cada turma terá 20 alunos. Mas peca por defeito: a partir do 1.º ciclo, a maioria dos docentes tem mais do que três turmas a seu cargo e, do 2.º ciclo ao secundário, podem estar sentados 28 estudantes na mesma sala.

Quanto ao resto do país, no Porto serão quase 6 mil alunos afetados (5.820) e em Santarém o número é semelhante (5.460). De novo, os distritos onde menos alunos serão prejudicados ficam todos no norte do país: em Bragança serão 960, em Vila Real 600 e na Guarda 540.

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