22 ago, 2024 - 20:17 • Maria João Costa
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“É uma ideia absolutamente catastrófica. Não há ninguém vivo que venha a ver outra vez bosque no sítio onde ele ardeu”. É “inacreditavelmente longo” o “horizonte temporal” de regeneração do manto verde que se perdeu na Madeira com os incêndios.
Quem o diz, à Renascença, é quem trata a floresta da Laurissilva por tu. Miguel Sequeira, além de botânico e professor da Universidade da Madeira, já dirigiu o Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza do arquipélago. Faz as contas ao tempo que pode vir a ser necessário para a recuperação ambiental.
“Até obtermos uma floresta a que chamamos floresta clímax, ou floresta madura, para a Laurissilva corresponde a mais ou menos 180 anos. Para outro tipo de bosques, é um pouco menos. Varia entre os 80 e os 130, 140 anos. Seja como for, nenhuma das pessoas que nos está a ouvir vai ver outra vez um bosque nas áreas que desapareceram”, lamenta Miguel Sequeira.
Depois do presidente do governo regional, Miguel Albuquerque, ter afirmado esta quarta-feira que a Floresta da Laurissilva não tinha sido afetadas pelo fogo, Miguel Sequeira vem discordar. Este biólogo de formação explica à Renascença que “há fragmentos importantes de Floresta da Laurissilva que não estão no lado norte da Ilha da Madeira e que, certamente, terão desaparecido com os fogos dos vales da Ponta do Sol e Ribeira Brava e da zona do Curral das Freiras”.
Sequeira afirma mesmo que é uma “visão um bocadinho simplista” pensar que a Madeira é só Laurissilva. “Temos outros valores de biodiversidade que correspondem a habitats da Rede Natura 2000 e, portanto, estamos a falar de habitats reconhecidos pela Comunidade Europeia e protegidos”, indica.
Garantia foi deixada pelo presidente do governo re(...)
Segundo este académico, arderam várias zonas protegidas. “Há muito mais a desaparecer do que Laurissilva. Desaparecerem partes importantes da nossa diversidade vegetal e faunística que pertencem à Rede Natura 2000, e fazem parte do Parque Natural da Madeira”.
São tudo zonas que “têm todo o tipo de proteção e mais algum”, sublinha Miguel Sequeira. “As pessoas não visitam a Madeira só pela Floresta Laurissilva. Imensos trilhos correm a sul, e imensos trilhos correm em altitude, e quem já lá foi fica, aliás, ficava encantado com a diversidade de paisagem que encontrava”, recorda.
“A Floresta da Laurissilva é o nosso ecossistema mais emblemático, mas não é único! Reduzir à Laurissilva, já de si, é inaceitável e, depois, dizer que não ardeu, enfim, é ainda pior”, critica o botânico.
“A parte norte foi afetada. A extensão dessa zona afetada não sabemos, mas certamente existiu. Via-se perfeitamente nas imagens de satélite que havia focos de incêndio na zona de São Vicente”, descreve acrescentando que nos “picos onde está a lavrar o incêndio, existe outro tipo de vegetação do qual depende o equilíbrio biológico da Madeira”.
“As lauráceas, as plantas que dominam a Laurissilva, não resistem ao gelo, portanto as zonas altas da Madeira não têm Laurissilva, têm um tipo de vegetação dominado por grandes urzes e por outras árvores que são todas elas endémicas”, explica o professor.
De acordo com a SPEA, as repercussões dos incêndio(...)
De acordo com este botânico, “existem outros valores que são ricos em endemismos e importantíssimos do ponto de vista das funções nos ecossistemas, nomeadamente na captura da água. A Madeira não tem rios, e qualquer captura de água perdida, é água que temos a menos, ou seja, perder o bosque de altitude é perder água”, alerta.
Miguel Sequeira é duro com Miguel Albuquerque pela forma como desvaloriza o património natural perdido, e que é classificado pela Unesco. “Reduzir a incêndio àquilo que possa ter destruído da Laurissilva é inaceitável, mais ainda vindo da voz de quem vem. No fundo, da chefia que comanda toda a conservação da natureza da ilha da Madeira, o presidente do Governo”, aponta.
Mas Miguel Sequeira estende essas críticas e pede responsabilidades. Este ex-responsável das florestas, que também enfrentou incêndios na Madeira, distingue culpa de responsabilidade.
“A culpa não é nem política, nem técnica. A culpa, a ignição foi de alguém, de algum de nós, de um cidadão que iniciou o fogo, mas a seguir há uma responsabilidade. Tendo havido ou não uma atuação melhor, ou pior, tendo em conta a área que ardeu, as perdas financeiras, paisagísticas, de biodiversidade etc, creio que não há outra solução, senão uma demissão da Proteção Civil”, pede Sequeira.
“Creio que deveriam pôr lugar à disposição, que é o que se costuma fazer, porque foi sob a sua guarda que falharam. Seja como for, a cúpula inteira deveria pôr o lugar à disposição”, remata.