30 abr, 2024 - 07:00 • João Cunha
Abre uma arca frigorifica vertical, do interior da qual retira uma água para saciar a sede a um cliente. Numa das pequenas lojas no interior da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, Joaquim Santos vende, para além de águas, outras bebidas, gomas, rebuçados, pastilhas e snacks em menos de dez metros quadrados, pelos quais paga cerca de mil euros de renda por mês. Há quase 20 anos que Joaquim ali está.
Há umas semanas recebeu uma carta registada com aviso de receção, enviada pela IP, infraestruturas de Portugal, a dizer-lhe que vai ter de sair, até setembro, "sem darem uma alternativa. É sair e mais nada", diz, preocupado com o futuro.
"Não houve contacto pessoal, nada. Só carta, mesmo. Somos tratados como números, não há nada a fazer", lamenta o comerciante.
A surpresa, quando recebeu a carta, foi grande. E com ela, o desalento. "Foi uma grande desilusão e frustração. Não estava à espera, não é. É muito em cima, tenho montes de coisas aqui, o que é que eu faço a estas coisas? É muito esquisito", refere Joaquim, enquanto admite que, de um momento para o outro, a vida saiu-lhe dos carris.
"Perspetivas no mercado de trabalho? Eu tenho 59 anos. Gostava de trabalhar neste ramo. Se me dissessem que têm um outro espaço para alugar na estação da Amadora ou de Vila Franca de Xira, por exemplo... Mas não, não dizem nada. É triste", desabafa.
Ao lado, noutra loja das dez ali existentes, Francisca Monteiro ajeita os jornais e revistas e coloca maços de tabaco no expositor. De lágrimas nos olhos, diz que também recebeu uma carta a pedir para sair até julho.
"Vamos encerrar, vamos embora. Isto é a vida de uma pessoa", confessa, lamentando que a Infraestruturas de Portugal não tenha proposto um local alternativo para manter o negócio, que é a fonte de rendimento da família há gerações.
"Sou eu, o meu filho e a minha mãe, que também já era aqui ardina há 70 anos", conta à Renascença.
Francisca - ou "Chica", como é conhecida - também lamenta que, com tantas lojas em tantas estações que tem a seu cargo, a IP não tenha sugerido uma alternativa. Nem para ela nem para os lojistas vizinhos.
Por escrito, a IP Património adianta que, no âmbito de um acordo com o ISCTE - Instituto Universitário Lisboa e com a Universidade Nova de Lisboa, irá instalar uma residência universitária a qual praticará preços regulados com o objetivo de facilitar o acesso a habitação dos alunos destas instituições.
Refere ainda que, em resultado da instalação desta residência universitária nos pisos superiores ao espaço ocupado pelos lojistas, será necessário encerrar esse mesmo espaço por "razões atinentes à realização das obras relativas às diversas infraestruturas do edifício da estação" (água, esgotos, energia, telecomunicações), aproveitando-se igualmente para requalificar a zona de espera de passageiros e os diversos serviços ferroviários atualmente existentes.
Atendendo a esta necessidade, a empresa garante que os lojistas foram antecipadamente informados das razões do encerramento do espaço e contratualmente notificados nesse sentido, tendo-lhes sido igualmente transmitido que a IP Património está a tentar encontrar soluções que permitam prorrogar o mais possível o encerramento das lojas.
Por último, a Infraestruturas de Portugal adianta que o edifício da estação de Santa Apolónia não comporta alternativas de espaço que possam ser atribuídas aos lojistas.
Nem sequer equaciona a hipótese de, por exemplo, colocar à disposição dos atuais arrendatários outros espaços noutras estações. No site da IP Património estão anunciadas subconcessões de espaços comerciais nas estações de São Bento e Campanhã, no Porto, em Braga e também na Gare do Oriente, em Lisboa.