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Atlas da Emigração Portuguesa

"A emigração não é um bicho de sete cabeças. Temos de a ver como um recurso"

17 jan, 2024 - 18:55 • Alexandre Abrantes Neves

O coordenador do Observatório da Emigração diz que a emigração não tem de ser um problema em Portugal e que não há só razões económicas - a história e a cultura também ajudam a explicá-lo. Sobre a famosa "fuga de cérebros", Rui Pena Pires desvaloriza - "emigram mais jovens com formação superior, porque também há mais jovens a acabar a universidade.

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Rui Pena Pires: "A emigração não é um bicho de sete cabeças. Temos de a ver como um recurso"

Desdramatiza a emigração dos jovens que é “natural”, mas admite que os níveis atuais estão acima do desejado. Rui Pena Pires, professor universitário e coordenador do Atlas da Emigração Portuguesa, não esperava tantas reações aos números que mostram que um em cada três jovens nascidos em Portugal já terá emigrado – “mas ainda bem que houve, precisamos de falar e de pensar nisto”.

À conversa com a Renascença, no âmbito da apresentação do Altas, o também investigador explicou que não é só o baixo crescimento económico que leva as pessoas a deixar o país – e disse esperar que os elevados níveis de remessas ajudem a mudar a narrativa negativa sobre a emigração.

Desde que os primeiros resultados do Atlas foram revelados, muito se tem falado das consequências negativas de um em cada três jovens portugueses ter emigrado. Há, de facto, razão para alarme?

Este fenómeno é perfeitamente normal. Era preciso que a emigração tivesse desaparecido para que a população emigrante envelhecesse muito. Ora, como em todo o século XXI, houve um crescimento contínuo da emigração, a população mais jovem tem de estar mais representada do que a população mais velha. Nós não emigramos aos 60 anos ou 50 anos. Emigra-se basicamente até aos 40 anos.

Mas este não é um sintoma do baixo crescimento económico de Portugal?

O crescimento e a emigração estão relacionados, claro. Todos os países europeus com nível de desenvolvimento semelhantes ao português têm taxas de emigração parecidas com a nossa. Mas Portugal nem sequer é, neste momento, o país europeu com mais emigração: são os países do Leste.

É verdade que o total de portugueses que já emigraram continua a ser superior ao total da população de leste emigrada, mas isso explica-se com o nosso histórico de emigração, desde o século passado. Não nos esqueçamos que, na maioria dos países do Leste, até a queda do muro de Berlim não se podia sair do país: havia uma espécie de não emigração, fabricada [pelos regimes]. A partir do momento em que as pessoas puderam sair, saíram em volumes consideráveis, maiores do que os portugueses nas últimas décadas.

Há mais jovens qualificados a sair, porque há mais jovens qualificados em Portugal. A saída de portugueses com formação superior acompanha a qualificação da sociedade portuguesa na sua população.

Os dados mostram que a maior parte dos emigrantes qualificados vão para os países do Norte da Europa, nomeadamente para os Países Baixos e até para a Suécia. Estes países não deviam ser um exemplo para Portugal de políticas a adotar, para não saírem de Portugal?

Não haverá políticas possíveis para conter, para acabar com a emigração. As políticas históricas para a emigração era não deixar as pessoas sair.

Já para reduzir o nível da emigração, a solução é conhecida: acelerar o crescimento económico do país. Uma maior convergência com os países mais desenvolvidos da União Europeia ajudará a baixar, mas nunca eliminar.

Agora, as pessoas que não tenham ilusões: os países mais desenvolvidos têm mais emigração do que os países mais pobres. Nos países pobres, a emigração é muito baixa, porque as pessoas não têm sequer recursos para emigrar. Há emigração entre os próprios países desenvolvidos – essa circulação no espaço do mundo mais desenvolvido é um indicador da dinâmica económica e social.

Então é normal haver mais jovens qualificados a sair?

Há mais jovens qualificados a sair porque há mais jovens qualificados em Portugal. A saída de portugueses com formação superior acompanha a qualificação da sociedade portuguesa na sua população.

Porém, sempre houve emigração qualificada em Portugal. É muito frequente ouvir dizer-se que o que distingue a emigração de agora da emigração dos anos 1960 é que antes não emigravam qualificados. Não é verdade: emigravam qualificados para Angola e Moçambique e não para França ou o Reino Unido.

Agora, a maioria dos emigrantes não tem licenciatura. Ainda hoje, dos emigrantes portugueses que entraram em França só 14% tinham uma licenciatura. A emigração de Portugal continua a fazer-se, em muitos países, para setores como o da construção.

Contudo, apesar de tudo, estamos com uma emigração um pouco mais alta do que aquela que seria desejável. A não ser que surja uma nova crise, espero que venha a estabilizar nos próximos anos.

Por algum motivo em concreto?

Tivemos um pico muito grande em 2013. Só num ano, 120 mil pessoas terão saído do país. E até 2015, continuou a sair mais gente do que o habitual. E o que acontece quando há um pico desta natureza? Acontece que ficam criados canais de emigração que facilitam a vida aos outros que querem emigrar.

Ou seja, há mais fatores que explicam estes níveis elevados do que as políticas económicas ou sociais de Portugal.

Não se emigra só porque se pode ganhar mais, porque nesse caso já teriam emigrado muito mais pessoas. As pessoas emigram se podem viver melhor e se acham que também conseguem deixar um sítio que conhecem e estabelecer-se no país que desconhecem. Isso tudo é muito mais fácil quando o vizinho, o amigo, o primo, o colega já lá estão e dão algum apoio.

As pessoas querem sair, faz-lhes bem e faz bem ao país, até porque muitas vezes regressam, circulam e, com isso, todos ganham dinheiro.

Portanto, Portugal terá sempre emigração, porque vai sempre haver pessoas que querem sair. Se tudo for convergindo mais, teremos um pouco menos de emigração, mas o fenómeno nunca vai acabar.

E este baixo crescimento económico pode tornar Portugal um terreno pouco atrativo para imigração?

Neste momento, é pouco atrativo. Por alguma razão Portugal tem uma das mais baixas taxas de imigração da União Europeia, mas os mais baixos continuam a ser os do Leste da Europa. Portugal precisa de mais imigração e precisa de imigração de todo o tipo. Da mesma maneira que a França precisa dos trabalhos de proteção civil portuguesa e precisa dos engenheiros portugueses, nós precisamos de engenheiros europeus e precisamos de trabalhadores de construção civil. Agora, quase um terço da imigração já vem da União Europeia, não vem de países terceiros e isso é bom. Mas temos é de ter mais, de conseguirmos ser mais atrativos.

O Atlas mostra também que as remessas de emigrantes que chegam anualmente a Portugal estão praticamente ao mesmo nível que os fundos europeus. Já aqui criticou as narrativas negativas sobre a emigração. Este papel relevante das remessas pode ajudar a olhar para o fenómeno de outra forma?

As remessas de emigrantes sempre foram um fator importante da economia portuguesa. Neste momento, as remessas podem tornar-se inferiores às dos fundos europeus, devido ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas isso é excecional, não se voltará a repetir. Representam 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Beneficiam as famílias e, indiretamente, as regiões onde vivem porque, no mínimo, alimentam a procura.

Este é um exemplo, mas eu espero que se perceba que a emigração não é um bicho de sete cabeças. A emigração normal de uma economia como a portuguesa é um recurso. Fala-se muito no milagre holandês.

O investimento estrangeiro introduzido pela emigração irlandesa nos Estados Unidos foi fundamental na criação de oportunidades de negócio na Irlanda. Por isso, a Irlanda tem políticas de diáspora há muito tempo que, basicamente, têm como objetivo manter a ligação entre os seus emigrantes e o país. Ao manterem essa ligação, vão aparecendo mais oportunidades. Nós também temos de olhar para a emigração como um recurso e não apenas como uma perda.

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