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"Praga" em Lisboa. Percevejos asiáticos mais perto de se tornarem espécie invasora

04 out, 2023 - 06:30 • João Cunha

Há quatro anos, surgiram os primeiros relatos da presença em Portugal deste inseto. A Direção Geral de Alimentação e Veterinária assegura não terem sido observados exemplares, mas estes têm aparecido cada vez mais em zonas urbanas, como em Lisboa.

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"Esses bicharocos apareceram agora... Uma moça minha amiga, que vive aqui ao lado, matou aí uns cinquenta, um destes dias, quando chegou a casa à noite."

O relato é de Maria José, a única funcionária de uma pequena padaria na Avenida de Madrid, junto ao Areeiro, em Lisboa. Não muito distante do jardim Fernando Pessa, onde os túneis de acesso ao jardim permitem, do outro lado deste espaço verde, chegar à Avenida de Roma.

"Aqui na padaria é um tema de conversa. As pessoas aqui, também, vêm queixar-se de tudo", explica, garantindo que dentro da padaria nunca apanhou nenhum.

Menos sorte acabou de ter Paula Monteiro, que abriu apressadamente uma das janelas do rés-do-chão onde vive, ali mesmo ao lado. Acabou de ter contacto com mais um percevejo asiático.

"Entrou-me pela janela e acabou de aterrar na minha cama. Portanto, vou ter de ficar de janelas fechadas". As da parte detrás da casa, que dão para o jardim, estão encerradas há muito.

A Avenida de Madrid "está sujissima", diz, e por isso "é natural, mesmo eles estando na parte de trás da casa, no jardim, que entrem pela frente". Ainda para mais porque junto à base das árvores, os pés colam na resina que delas cai. E segundo Paula Monteiro, isso "também os chama".

Ana Quintãs vive no prédio ao lado.

"São castanhos, entram para dentro de casa e ficam na roupa estendida, de onde são muito difíceis de tirar. E aparecem do lado do jardim"

Três edificios mais abaixo, Nicole Moreira bate a porta do prédio, a caminho da escola de condução e antes de ir para a Faculdade. "É horrivel. Eu sou uma pessoa habituada a abrir janelas, todos os dias, e aqui é impossivel. Noutro dia abri a janela e no espaço de dez segundos, entraram três. Tive de matá-los, obviamente", diz, com um sotaque algarvio.

E assim tem sido, sobretudo nas últimas semanas. "Desde que se deu o início das aulas que aparecem todos os dias Osvaldos lá em casa". Osvaldos? Perdão...

"Nós designamos Osvaldos porque, ao não ter encontrado o nome da espécie, designamo-los de Osvaldos", explica esta jovem, antes de se despedir a caminho da escola de condução.

"Nós inicialmente achámos que ia ser uma situação esporádica", adianta Laura Lopes, companheira de casa de Nicole. Mas os insectos continuam a multiplicar-se a um ritmo que "não é sustentável".

Relatos sucedem-se nas redes sociais

O percevejo asiático, ou Halyomorpha halys, chegou através da importação de máquinas agrícolas vindas de Itália, onde a praga invasora tem provocado bastantes prejuízos.

Ao aperceber-se da situação, uma equipa de investigadores, ligados ao FLOWer Lab - Centre for Functional Ecology, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, decidiu, por um lado, avançar com uma campanha de sensibilização para os problemas causados por esta praga, inócua para os humanos e animais. Mas também criou um e-mail (h.halys.i9k@gmail.com) e uma página no Facebook a pedir a todos os cidadãos, e em especial aos produtores agrícolas, a partilha de fotos e vídeos do possível avistamento destes insetos.

“Através de um projeto que tínhamos na altura e alertados pela Associação Portuguesa de Kiwicultores da importância que esta praga poderia ter caso entrasse neste país. Aliás, o primeiro caso foi detetado por um produtor de kiwis. Mas estamos a falar de indivíduos pontuais, que de repente - e tendo em conta que não feito nada - começaram a estabelecer-se e reproduzir-se.

Nos últimos quatro anos, temos detetado cada vez mais ocorrências”, explica João Loureiro, investigador e um dos responsáveis do FLOWer Lab

À página do Facebook criada para o efeito chegam cada vez mais fotos e vídeos num número “assustador”, quando comparado com o ano passado.

“Só na última semana tem sido alarmante”, diz este investigador, que indica, entre outros, casos de aparecimento de percevejos asiáticos "em Braga, associado a ambientes urbanos, junto a jardins e às casas das pessoas, e também de uma forma bastante alarmante em Lisboa, como por exemplo na Tapada da Ajuda e na zona do Areeiro". Há também relatos de individuos da espécie detectados em Monção, Guimarães, Santo Tirso, Coimbra e até na Ilha da Madeira.

"Entendemos a preocupação das pessoas, especialmente pelo desconhecimento do que é esta praga. Não porque haja qualquer problema relacionado com a saúde pública". Esta espécie alimenta-se apenas de plantas, não pica nem humanos nem animais e não representa por isso qualquer perigo. "Mas percebo que cause algum desconforto, adianta João Loureiro, que acredita que se nada for feito, a situação terá proporcões .

O também professor associado no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra revela o problema desta espécie.

"Pode alimentar-se de mais de 300 espécies de plantas. Entre elas, plantas de frutas, diminuindo a produção e o valor comercial da mesma"

Para já, não há relatos do género em Portugal. Mas João Loureiro admite que se possa verificar o mesmo que em Itália, onde o percevejo asiático é uma praga generalizada, "com graves prejuizos económicos".

"Não digo que não possa acontecer por cá. Acho que as autoridades devem estar alertas para isso. Se não for feito nada para tentar diminuir as populações deste individuo, acredito que isso possa vir a acontecer".

Como evitar percevejos

Todos fazem sempre o mesmo, quando confrontados com insectos. Pisam-os e matam-os por esmagamento. É normal que assim seja. Mas neste caso, há sempre uma consequência.

"Há um odor nauseabundo que é libertado após o esmagamento", alerta João Loureiro

O ideal, diz o investigador, é "ter uma bacia com água e detergente onde eles possam beber água e ao nela ficarem presos, não conseguem voltar a voar". É uma das formas de tentar reduzir o número de efectivos, porque "não existe nenhum método totalmente eficaz de controlo da praga".

A posição da DGAV

"Nós tentámos alertar sobre a ocorrência dos primeiros individuos em Portugal, para que a DGAV começasse a atuar numa altura em que ainda era possível controlar esta praga", revela o investigador.

"Sei que há limitação de recursos humanos e outras pragas e doenças a afectar a nossa área agricola. Esta foi ficando para trás, mas depois temos a tendência de andar a correr atrás o prejuízo. Algo que podia ser, com menor alocação financeira, podia ter sido tratado logo de início, mas que agora vai necessitar de recursos financeiros e humanos mais elevado. Não é por incompetência, mas por falta de investimento em recursos financeiros e humanos".

Questionada pela Renascença, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária diz que acompanha a questão "percevejo asiático", bem como os respetivos impactos na vida humana. No caso em concreto: embora não se trate de uma praga de quarentena e nem regulada, as quais estão sujeitas a medidas de controlo oficiais, a DGAV, ainda assim, implementou um programa nacional de prospeção, que inclui uma rede de armadilhas e cuja execução é assegurada pelos vários serviços regionais de agricultura e pescas. No seguimento deste, não têm sido observados exemplares desta praga nessas armadilhas. No entanto, é reconhecida, internacionalmente, a extrema dificuldade de controlo destes insetos, por não existirem produtos inseticidas eficazes e dado o seu comportamento ao longo do ciclo de desenvolvimento.

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  • José Pedro Rodrigues
    10 out, 2023 Lisboa 19:32
    Relativamente aos percevejos asiáticos recordo-me de os ver em criança há cerca de 50 anos, no jardim das traseiras da av. de Madrid, mas não como praga.
  • Isabel Padroso
    05 out, 2023 Alvalade-Lisboa 13:55
    Convém ouvir o parecer dos Entomologistas (IHMT-Medicina Tropical), porque é "parecido" com os rodovideos (vector do Trypanosoma cruzi- D. de Chagas)
  • Maria
    04 out, 2023 Palmela 15:16
    Uma pessoa que tem um filho a estudar na universidade de coimbra ja ha 5 anos "diz que tiraram o filho duma residencia de estudantes pra meter estangeiros" e que agora deram-lhe uma casa toda escavacada e que ja tinha pago 200 euros nao sei verdade pelo menos foi o que ela disse ao pe de mim e mais quatro pessoas!
  • Maria
    04 out, 2023 Palmela 15:03
    Os estrangeiros estao sempre em primeiro lugar! Ate os percevejos sao estrangeiros!
  • Maria
    04 out, 2023 Palmela 11:06
    Nao gosto nada do pizarro!

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